sábado, 31 de março de 2012

1º de abril: Cordão da Mentira vai escrachar apoiadores da ditadura




Do Cordão da Mentira
Depois dos assassinos e torturadores, agora é a vez dos apoiadores do golpe civil-militar de 1964 serem alvos de protestos.
Passando por jornais, empresas e lugares simbólicos do apoio civil à ditadura, o Cordão da Mentira irá desfilar pelo centro da cidade de São Paulo para apontar quais foram os atores civis que se uniram aos militares durante os anos de chumbo.
Os organizadores –coletivos políticos, grupos de teatro e sambistas da capital– afirmam ter escolhido o 1º de abril, Dia da Mentira e aniversário de 48 anos do golpe, para discutir a questão “de modo bem-humorado e radical”.
Ao longo do trajeto, os manifestantes cantarão sambas e marchinhas de autoria própria e realizarão intervenções artísticas que, segundo eles, pretendem colocar a pergunta: “Quando vai acabar a ditadura civil-militar?”.
O desfile do Cordão da Mentira acontecerá, portanto,  neste domingo, 1º de abril, dia da mentira e do Golpe Militar de 1964. A concentração será às 11h30, na frente do Cemitério da Consolação.
Venham todos e todas fantasiados para o Cordão da Mentira!
Sugestões de fantasia: médico legista, advogado, político, padre, bispo, policial militar…e não esqueçam, nossas cores são o vermelho e o preto!
O último ensaio será neste sábado, 31 de março, às 15h30, no Bar do Raí: Rua  Dr. Vila Nova  com  Gen Jardim, na Vila Buarque.
TRAJETO
A concentração acontecerá às 11h30, em frente ao cemitério da Consolação.
Em seguida, o cordão passará pela rua Maria Antônia, onde estudantes da Universidade Mackenzie, dentre eles integrantes do CCC (Comando de Caça aos Comunistas), entraram em confronto com alunos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Um estudante secundarista morreu.
Dali, os foliões-manifestantes seguem para a sede da TFP (Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade), uma das organizadoras da “Marcha da Família com Deus, pela Liberdade”, que 13 dias antes do golpe convocava o exército para se levantar “contra a desordem, a subversão, a anarquia e o comunismo”.
Depois de passar pelo Elevado Costa e Silva –que leva o nome do presidente em cujo governo foi editado o AI-5, o mais duro dos Atos Institucionais da ditadura– o bloco seguirá pela alameda Barão de Limeira, onde está a sede do jornal Folha de S.Paulo. Segundo Beatriz Kushnir, doutora em história social pela Unicamp, a Folha ficou conhecida nos anos 70 como o jornal de “maior tiragem” do Brasil, por contar em sua redação com o maior número de “tiras”, agentes da repressão.
A ação da polícia na Cracolândia, símbolo da continuidade das políticas repressivas no período pós-ditadura, bem como o Projeto Nova Luz, realizado pela Prefeitura de São Paulo, serão alvos dos protestos durante a passagem do cordão pela rua Helvétia.
Finalmente, será na antiga sede do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), na rua General Osório, que o Cordão da Mentira morrerá.
TRAJETO
R. Maria Antônia – Guerra da Maria Antônia
Av. Higienópolis – sede da TFP
R. Martim Francisco
R. Jaguaribe
R. Fortunato
R. Frederico Abranches
Parada no Largo da Santa Cecília
R. Ana Cintra – Elevado Costa e Silva
R. Barão de Campinas
R. Glete
R. Barão de Limeira – jornal Folha de S.Paulo
R. Duque de Caxias – Cracolândia/Projeto Nova Luz
R. Mauá
Dispersão: R. Mauá com a R. General Osório – antigo prédio do DOPS
Parceiros:
- Bloco Carnavalesco João Capota Na Alves
- Brava Cia.
- Buraco d’Oráculo
- Cia. Antropofágica
- Cia. Estável de Teatro
- Cia. Estudo de Cena
- Cia. do Latão
- Cia. São Jorge de Variedades
- Coletivo Contra a Tortura
- Coletivo Dolores Boca Aberta
- Coletivo Desentorpecendo A Razão
- Coletivo Merlino
- Coletivo Político Quem
- Coletivo Zagaia
- Comboio
- Comitê Paulista de Verdade Memória e Justiça
- CSP – Conlutas
- Engenho Teatral
- Esquina da Vila
- Grupo Folias
- Grupo Milharal
- Grupo Tortura Nunca Mais/SP
- Kiwi Companhia de Teatro
- Luta Popular
- Mães de Maio
- Ocupa Sampa
- Os Aparecidos Políticos
- Projeto Nosso Samba de Osasco
- Rua do Samba Paulista
- Samba Autêntico
- Sarau do Binho
- Sarau da Vila Fundão
- Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo – SASP
- Sindicato dos Trabalhadores da Universidade de São Paulo – SINTUSP
- Tanq_ ROSA Choq_
- Tribunal Popular
O Cordão da Mentira conta com um grupo de sambistas, bateria e grupos de teatro que apresentarão músicas e encenações especialmente produzidas para o desfile da mentira!  Confira duas delas.

Hildegard Angel: Nossos quixotinhos destemidos e desaforados diante do Clube Militar



do Blog de Hildegard Angel, no R7

Foi um acaso. Eu passava hoje pela Rio Branco, prestes a pegar o Aterro, quando ouvi gritos e vi uma aglomeração do lado esquerdo da avenida. Pedi ao motorista para diminuir a marcha e percebi que eram os jovens estudantes caras-pintadas manifestando-se diante do Clube Militar, onde acontecia a anunciada reunião dos militares de pijama celebrando o “31 de Março” e contra a Comissão da Verdade.
Só vi jovens, meninos e meninas, empunhando cartazes em preto e branco, alguns deles com fotos de meu irmão e de minha cunhada. Pedi ao motorista para parar o carro e desci. Eu vinha de um almoço no Clube de Engenharia. Para isso, fui pela manhã ao cabeleireiro, arrumei-me,  coloquei joias, um vestido elegante, uma bolsa combinando com o rosa da estampa, sapatos prateados. Estava o que se espera de uma colunista social.
A situação era tensa. As crianças, emboladas, berrando palavras de ordem e bordões contra a ditadura e a favor da Comissão da Verdade. Frases como “Cadeia Já, Cadeia Já, a quem torturou na ditadura militar”. Faces jovens, muito jovens, imberbes até. Nomes de desaparecidos pintados em alguns rostos e até nas roupas. E eles num entusiasmo, num ímpeto, num sentimento. Como aquilo me tocou!
Manifestantes mais velhos com eles, eram poucos. Umas senhoras de bermudas, corajosas militantes. Alguns senhores de manga de camisa. Mas a grande maioria, a entusiasmada maioria, a massa humana, era a garotada. Que belo!
Eram nossos jovens patriotas clamando pela abertura dos arquivos militares, exigindo com seu jeito sem modos, sem luvas de pelica nem punhos de renda e sem vosmecê, que o Brasil tenha a dignidade de dar às famílias dos torturados e mortos ao menos a satisfação de saberem como, de que forma, onde e por quem foram trucidados, torturados e mortos seus entes amados. Pelo menos isso. Não é pedir muito, será que é?
Quando vemos, hoje, crianças brasileiras que somem, se evaporam e jamais são recuperadas, crianças que inspiram folhetins e novelas, como a que esta semana entrou no ar, vendidas num lixão e escravizadas, nós sabemos que elas jamais serão encontradas, pois nunca serão procuradas. Pois o jogo é esse. É esta a nossa tradição. Semente plantada lá atrás, desde 1964 – e ainda há quem queira comemorar a data! A semente da impunidade, do esquecimento, do pouco caso com a vida humana neste país.
E nossos quixotinhos destemidos e desaforados ali diante do prédio do Clube Militar.  ”Assassino!”, “assassino!”, “torturador!”, gritava o garotinho louro de cabelos longos anelados e óculos de aro redondo, a quem eu dava uns 16 anos, seguido pela menina de cabelos castanhos e diadema, e mais outra e mais outro, num coro que logo virava um estrondo de vozes, um trovão. Era mais um militar de cabeça branca e terno ajustado na silhueta, magra sempre, que tentava abrir passagem naquele corredor humano enfurecido e era recebido com gritos e desacatos. Uma recepção com raiva, rancor, fúria, ressentimento. Até cuspe eu vi, no ombro de um terno príncipe de Gales.
Magros, ainda bem, esses velhos militares, pois cabiam todos no abraço daqueles PMs reforçados e vestidos com colete à prova de balas, que lhes cingiam as pernas com os braços, forçando a passagem. E assim eles conseguiram entrar, hoje, um por um, para a reunião em seu Clube Militar: carregados no colo dos PMs.
Os cartazes com os rostos eram sacudidos. À menção de cada nome de desaparecido ao alto-falante, a multidão berrava: “Presente!”. Havia tinta vermelha cobrindo todo o piso de pedras portuguesas diante da portaria do edifício. O sangue dos mortos ali lembrados. Tremulavam bandeiras de partidos políticos e de não sei o quê mais, porém isso não me importava. Eu estava muito emocionada. Fiquei à parte da multidão.
Recuada, num degrau de uma loja de câmbio ao lado da portaria do prédio. A polícia e os seguranças do Clube evacuaram o local, retiraram todo mundo. Fotógrafos e cinegrafistas foram mandados para a entrada do “corredor”,  manifestantes para o lado de lá do cordão de isolamento. E ninguém me via. Parecia que eu era invisível. Fiquei ali, absolutamente sozinha,  testemunhando  tudo  aquilo, bem uns 20 minutos, com eles passando pra lá e pra cá, carregando os generais, empurrando a aglomeração, sem perceberem a minha presença. Mistério.
Até que fui denunciada pelas lágrimas. Uma senhora me reconheceu, jogou um beijo. E mais outra. Pessoas sorriram para mim com simpatia. Percebi que eu representava ali as famílias daqueles mortos e estava sendo reverenciada por causa deles. Emocionei-me ainda mais. Então e enfim os PMs me viram.
Eu, que estava todo o tempo praticamente colada neles! Um me perguntou se não era melhor eu sair dali, pois era perigoso. Insisti em ficar, mesmo com perigo e tudo. E ele, gentil, quando viu que não conseguiria me demover: “A senhora quer um copo d’água?”. Na mesma hora o copo d’água veio. O segurança do Clube ofereceu: “A senhora não prefere ficar na portaria, lá dentro? “. “Ah, não, meu senhor. Lá dentro não. Prefiro a calçada”. E nela fiquei, sobre o degrau recuado, ora assistente, ora manifestante fazendo coro, cumprindo meu papel de testemunha, de participante e de Angel. Vendo nossos quixotinhos empunharem, como lanças, apenas a sua voz, contra as pás lancinantes dos moinhos do passado, que cortaram as carnes de uma geração de idealistas.
A manifestação havia sido anunciada. Porém, eu estava nela por acaso. Um feliz e divino acaso. E aonde estavam naquela hora os remanescentes daquela luta de antigamente? Aqueles que sobreviveram àquelas fotos ampliadas em PB? Em seus gabinetes? Em seus aviões? Em suas comissões e congressos e redações?  Será esta a lição que nos impõe a História: delegar sempre a realização dos “sonhos impossíveis” ao destemor idealista dos mais jovens?

Piche como os jovens: “aqui mora um torturador”


O Conversa Afiada reproduz texto do Movimento Levante Popular da Juventude:


 Jovens fazem atos contra torturadores e pela Comissão da Verdade
Saímos às ruas hoje para resgatar a história do nosso povo e do nosso país. Lembramos-nos da parte talvez mais sombria da história do Brasil, e que parece ser propositadamente esquecida: a ditadura militar. Um período onde jovens como nós, mulheres, homens, trabalhadores, estudantes, foram proibidos de lutar por uma vida melhor, foram proibidos de sonhar. Foram esmagados por uma ditadura que cruelmente perseguiu, prendeu, torturou e exterminou toda uma geração que ousou se levantar.
Não deixaremos que a história seja omitida, apaziguada ou relativizada por quem  quer que seja. A história dos que foram assassinados e torturados porque acreditavam ser possível construir uma sociedade mais justa é também a nossa história. Nós somos seu  povo. A mesma força que matou e torturou durante a ditadura hoje mata e tortura a juventude negra e pobre. Não aceitamos que nos torturem, que nos silenciem, nem que enterrem nossa memória. Não esqueceremos de toda a barbárie cometida.
Temos a disposição de contar a história dos que caíram e é necessário expor e julgar aqueles que torturaram e assassinaram nosso povo e nossos sonhos. Torturadores e apoiadores da ditadura militar: vocês não foram absolvidos! Não podemos aceitar que vocês vivam suas vidas como se nada tivesse acontecido enquanto, do nosso lado, o que resta são silêncio, saudades e a loucura provocada pela tortura. Nós acreditamos na justiça e não temos medo de denunciar os verdadeiros responsáveis por tanta dor e sofrimento.
Convidamos a juventude e toda a sociedade para se posicionar em defesa da Comissão Nacional da Verdade e contra os torturadores, que hoje denunciamos e que vivem escondidos e impunes e seguem ameaçando a liberdade do povo. Até que todos os torturadores sejam julgados, não esqueceremos, nem descansaremos.
ESCULACHO CONTRA TORTURADOR EM BELO HORIZONTE
O Levante Popular da Juventude denunciou na manhã desta segunda-feira (26) o torturador Ariovaldo da Hora e Silva. Cerca de 70 pessoas participaram do esculacho em frente à residência do torturador Ariovaldo da Hora e Silva, na rua Biagio Polizzi, 240, apto 302, bairro da Graça, Belo Horizonte (MG).
Além de portarem faixas, cartazes e tambores, os manifestantes distribuíram cópias de documentos oficiais do DOPS contendo relatos das sessões de tortura com participação de Ariovaldo, para conscientizar a população vizinha ao criminoso.
Ariovaldo foi investigador de polícia em exercício no Departamento de Vigilância Social (ligado ao DOPS) durante o período da ditadura militar, quando cometeu crimes contra a humanidade, em especial a tortura de Jaime de Almeida, Afonso Celso Lana Leite, Cecílio Emigdio Saturnino e Nilo Sérgio Menezes Macedo, entre outros.
A resposta da sociedade foi positiva à manifestação, segundo o militante do Levante Popular da Juventude em Minas Gerais, Renan Santos.
“No meio das organizações de direitos humanos ele é uma figura conhecida como torturador. Já foi denunciado outras vezes publicamente, só que hoje em dia ele vive como se nada tivesse acontecido. Ele tem denúncias de participação em assassinatos, intimidações e agressões físicas, por volta dos anos de 1969 e 1970. Sobre isso nós temos denúncias relatadas”, afirma Renan.
Alguns vizinhos ficaram surpresos. “Não sabia que o Seu Ari era um torturador. Tenho na família um caso de perseguido pela Ditadura e vou divulgar isso”, afirma um morador da região. O denunciado estava em casa e pôde ouvir e assistir à manifestação, tendo aparecido na janela por alguns segundos.
O Levante Popular da Juventude realiza simultaneamente em várias capitais do país ações de denúncia de diversos torturadores, que continuam impunes. Os manifestantes exigem a apuração da verdade sobre os crimes cometidos pela ditadura militar.
QUEM É ARIOVALDO DA HORA E SILVA
Ariovaldo da Hora e Silva foi investigador da Polícia Federal, lotado na Delegacia de Vigilância Social como escrivão. Delegado da Polícia Civil durante a ditadura, exerceu atividades no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) entre 1969 e 1971, em Minas Gerais.
Ariovaldo  consta na obra Brasil Nunca Mais (Projeto A), acusado de envolvimento com a morte de João Lucas Alves e de ter praticado tortura contra presos políticos
Foram vítimas dele Jaime de Almeida, Afonso Celso Lana Leite e Nilo Sérgio Menezes Macedo, entre outros.
Na primeira comissão constituída para tratar do recolhimento dos documentos do DOPS ao Arquivo Público Mineiro (APM), em 1991, ele foi designado para representar a Secretaria da Segurança Pública do Estado de Minas Gerais (SESP). Em 1998, foi Coordenador de Informações da Coordenação Geral de Segurança (COSEG).
EM PORTO ALEGRE, ATO CONTRA ACUSADO PELA JUSTIÇA ITALIANA
Em Porto Alegre, cerca de 100 jovens estiveram hoje às 9h da manhã em frente à casa do Coronel Carlos Alberto Ponzi, ex-chefe do Serviço Nacional de Informações de Porto Alegre e um dos 13 brasileiros acusados pela Justiça Italiana pelo desaparecimento do militante político Lorenzo Ismael Viñas em Uruguaina (RS), no ano de 1980, para exigir justiça.
A rua aparentemente tranquila mudou com a chegada da juventude. Os muros antes brancos agora denunciavam: “Aqui em frente mora um torturador!”. Os gritos de ordem, cartazes e cantos chamavam a atenção dos vizinhos, que se amontoavam nas janelas para entender o que se passava. Durante os 40 minutos de manifestação, quem transitou pela rua soube que naquele prédio mora um torturador e que o povo está organizado para não deixar que seus crimes caiam no esquecimento.
A atividade seguiu com distribuição de panfletos e conversa no campus da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
QUEM É CARLOS ALBERTO PONZI
Carlos Alberto Ponzi chefiou em Porto Alegre o Serviço Nacional de Informações (SNI), um dos braços da repressão do ditadura, que foi criado em 13 de junho de 1964 para supervisionar e coordenar as atividades de informações e contra-informações no Brasil e exterior.
A Justiça italiana abriu processo contra Carlos Alberto Ponzi, sob a acusação de assassinato. A denúncia, aberta em dezembro de 2010, abrange outros dez militares e civis brasileiros, que chefiaram unidades de repressão política no governo João Baptista Figueiredo. Carlos Alberto Ponzi não pode entrar em território italiano sob o risco de prisão pelo desaparecimento em Uruguaiana (RS) do ítalo-argentino Lorenzo Viñas, no dia 26 de junho de 1980.
O caso está com o juiz Giancarlo Capaldo, que presidiu um processo contra Pinochet pelo desaparecimento de cidadãos ítalo-chilenos em Santiago. “Queremos chegar às responsabilidades individuais”, diz Giancarlo Maniga, que representa as famílias das vítimas na Itália. “Eles desapareceram na Operação Condor”, afirmou Claudia Allegrini, mulher de Viñas, que foi subsecretária de Direitos Humanos da Argentina. As famílias de Viñas e Campiglia acusam o governo brasileiro pela responsabilidade.
Em dezembro de 2007, a Justiça da Itália pediu a extradição de Carlos Alberto Ponzi e mais 139 militares e policiais sul-americanos envolvidos em sequestro, tortura e morte de pelo menos 25 militantes políticos que foram alvo da Operação Condor e tinham cidadania italiana. Treze brasileiros foram acusados de participar do desaparecimento dos ítalo-argentinos Horacio Domingo Campiglia e Lorenzo Ismael Viñas. Dos 13, seis já morreram. Os que ainda permanecem vivos podem prestar esclarecimentos ao Ministério Público.
O coronel Carlos Alberto Ponzi sofre também acusação pelo desaparecimento de Viñas do Ministério Público Federal, que ajuizou representações em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Uruguaiana (RS), pedindo a abertura de inquérito contra ex-autoridades da ditadura militar acusadas de assassinato e sequestro. As ações foram movidas pelos procuradores Eugênia Augusta Fávero e Marlon Alberto Weichert.
EM SÃO PAULO, MANIFESTAÇÃO CONTRA ENVOLVIDO NATORTURA DE IVAN SEIXAS E SEU PAI
Cerca de 150 jovens do Movimento Levante Popular da Juventude realizam um protesto contra o torturador David dos Santos Araújo, o Capitão “Lisboa”, em frente a sua empresa de segurança privada Dacala, na Zona Sul da cidade de São Paulo, na Av. Vereador José Diniz, 3700.
Os manifestantes promovem um ato de escracho/esculacho contra David dos Santos para denunciar suas ações enquanto torturador do Regime Militar.
David dos Santos Araújo é assassino e torturador, de acordo com Ação Civil Pública do Ministério Público Federal. A ação registra o seu envolvimento na tortura e morte de Joaquim Alencar de Seixas. Em agosto de 2010, o Ministério Público Federal ingressou com ação civil pública pedindo o afastamento imediato e a perda dos cargos e aposentadorias do delegado da Polícia Civil paulista pela participação direta de atos de tortura, abuso sexual, desaparecimento forçados e homicídios em serviço e nas dependências de órgãos da União.
Araújo é delegado de Polícia Civil aposentado e dono da uma empresa de segurança privada, a Dacala. Nas ações de repressão, no Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operação de Defesa Interna (DOI-Codi), utilizava o nome de “Capitão Lisboa”.
O livro Dossiê Ditadura – produzido pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos – tem o registro de que Joaquim e seu filho, Ivan Seixas, foram presos em abril de 1971 e levados para o (DOI-Codi), onde foram espancados. Na sala de interrogatório, foram torturados um em frente ao outro.
Os assassinos de Joaquim Alencar de Seixas foram identificados por seus familiares e companheiros como o então major Carlos Alberto Brilhante Ustra, o capitão Dalmo Lúcio Muniz Cirillo, o delegado Davi Araújo dos Santos, o investigador de polícia Pedro Mira Granziere e outros conhecidos apenas por apelidos.
Em depoimento no Dossiê Ditadura, Ivan Seixas contou que na sala de tortura foi pendurado no “pau de arara”, enquanto seu pai foi posto na “cadeira do dragão”. Ambos foram torturados por uma equipe de umas cinco pessoas, dos quais conseguiu identificar, entre outros, David dos Santos Araújo.
O “Capitão Lisboa” também é acusado de abuso sexual, como declarou Ieda Seixas, que em depoimento ao Ministério Público Federal disse que foi prensada na parede por ele, que depois enfiou a mão dentro da sua roupa, falando obscenidades e fazendo ameaças.
David dos Santos Araújo é portador de 111 armas em situação ilegal, de acordo com investigação da Polícia Federal. A empresa de segurança Osvil, de propriedade de Araújo, perdeu por irregularidades o alvará de funcionamento como empresa de segurança que autorizava o registro de armas.
Com isso, as armas deveriam ser entregues à Polícia Federal. No entanto, essas armas se encontram extraviadas. Depois de perder o alvará, Araújo abriu uma nova empresa de segurança, chamada Dacala Segurança, que tem como clientes o grupo Anhanguera Educacional, Banco Itaú, Ford, Jac Motors, Banco Safra, Volkswagen, Banco Santander.
O processo da PF afirma que ao todo Araújo tem mais de duzentas armas ilegais, além de um arsenal de oitocentas regularmente registradas em nome da empresa Dacala, que é acusada também pelo emprego ilegal de armas de fogo na atividade de segurança privada, de acordo com a Polícia Civil.

Complexo IPES-IBAD-Instituto Millenium



 Todos já devem ter lido sobre o congresso organizado pelo Instituto Millenium em São Paulo, evento que reuniu o que há de mais conservador e reacionário neste país. Este tipo de frente única pró Golpe não é novidade no Brasil, no início dos anos sessenta se organizou coisa parecida, capitaneada por aquilo que o grande historiador René Armand Dreifuss chamou de complexo IPES-IBAD, uma frente de profissionais do golpismo patrocinada pela CIA. A questão é que as forças realmente democráticas, no início dos anos sessenta, demoraram muito para se dar conta sobre o que significava de fato o sinistro complexo, e quando descobriu foi tarde demais. Segue abaixo algumas informações que retirei do livro de Dreifuss, 1964: A Conquista do Estado, recomendo a todos ler este minucioso estudo.
Ditadura Nunca Mais!!!
O IBAD foi criado em 1959, mas só intensifica suas atividades a partir de 1962, era gerenciado diretamente pela CIA, que o abastecia de forma generosa.
O IPES é fundado em 1961, por empresários do eixo Rio-São Paulo.
O IBAD atuava como unidade tática e o IPES como unidade estratégica.
A partir do complexo IPES-IBAD surge ADP (Associação Democrática Parlamentar), grupo que atuava no congresso federal, e que tinha entre seus membros deputados e senadores da UDN (praticamente todos dessa legenda), boa parte do PSD e mesmo alguns deputados do PTB.
No âmbito estadual, atuava a ADEP (Associação Democrática Estadual Parlamentar)
Os membros da ADP e da ADEP recebiam fundos generosos do IPES-IBAD
O IPES se subdividia em: Grupo de Levantamento e Conjuntura – GLC
Grupo de Assessoria Parlamentar – GAP
Grupo de Opinião Pública – GOP
Grupo de Publicações/Editorial – GPE
Grupo de Estudo e Doutrina – GED
Dentre as modalidades de Ação do complexo estavam:
Ação Ideológica e social
Doutrinação Geral
Guerra psicológica através do rádio e televisão

Guerra psicológica através de cartuns e filmes
Doutrinação específica
Seus alvos para doutrinação eram: estudantes, artistas, donas de casa de classe média, camponeses, operários, políticos, empresários, intelectuais, clérigos, etc.
Seus ativistas eram contratados entre as elites brancas do país, sobretudo empresários.
A agência de publicidade do complexo era a Promotion SA
Dentre os grupos patrocinados estavam:
CCC- Comando de Caça aos Comunistas
MAC – Movimento Anti Comunista
AVB – Ação Vigilantes do Brasil
GAP – Grupo de Ação Patriótica, liderado por Aristóteles Drumond, hoje apresentador da Rede Vida, canal católico.
CAMDE – Campanha da Mulher Pela Democracia, do Rio.
UCF – União Cívica Feminina, SP, grupo que organizou a Marcha da Família com Deus Pela Liberdade, em 19 de março de 1964.
MSD - Movimento Sindical Brasileiro, atuante no meio operário
O complexo IPES-IBAD patrocinou livros, programas de rádio e TV, documentários.
Toda a mídia corporativa brasileira se comprometeu com o projeto golpista do complexo.
Os institutos anti-democráticos em questão recrutaram artistas e intelectuais como: Rubem Fonseca, Raquel de Queiroz, Gilberto Freire, Jean Manzon (Canal 100), Manuel Bandeira, etc.
Homens de negócios como: Júlio de Mesquita Filho, Alberto Bighton Jr, Herbert Levy, Gastão Eduardo Bueno Filho, José Ermírio de Morais, Heinning Boilenssen, etc.
Políticos como: Antonio Carlos Magalhães, Amaral Neto, Gustavo Capanema, Plínio Salgado, Padre Arruda Câmara, Saturnino Braga, Mário Covas, Cunha Bueno, etc.
O complexo IPES-IBAD participou ativamente das eleições de 1962, financiando políticos alinhados com suas propostas ideológicas.
Estes institutos estiveram diretamente envolvidos no Golpe de 1964.
Após o Golpe, os arquivos do IPES-IBAD foram fornecidos a Golbery do Couto e Silva e ajudariam a formar o acervo de informações do SNI (Serviço Nacional de Informações)
O complexo exportou seus conhecimentos para os demais países da América Latina, e seus congêneres estiveram presentes em golpes na Bolívia, Chile, Uruguai e Argentina.
Do Blog do Cappacete.

Comissão da Verdade tem de incluir elites civis



 Punição para os criminosos vivos, execração pública a imagem dos criminosos mortos
Email do Professor Caio Toledo
A comissão deve investigar as elites empresariais conservadoras que se uniram a militares em 64 para manter privilégios, inclusive o seu papel nos casos de tortura.
A discussão das últimas semanas, referente às ácidas cartas de setores da reserva das Forças Armadas sobre o processo de criação de uma Comissão da Verdade, coloca um ponto importante para nossa reflexão.
Quem pensou, organizou e operacionalizou o movimento de 1964?
A resposta soa clara ao aluno desatento do ensino médio: militares.
Mas não. A participação ativa dos setores civis da sociedade no golpe militar de 31 de março de 1964 deve ser discutida e aprofundada, inclusive naquilo que se refere à tortura e ao desaparecimento daqueles que se opunham ao regime.
Não se muda a história. A participação civil nos regimes ditatoriais é regra quando se observa alguns dos processos históricos contemporâneos. Além dos militares e dos serviços secretos, sempre há aqueles grupos civis que incentivaram a ruptura institucional a partir do uso da força militar.
Foi assim no movimento de ascensão do nazismo na Alemanha, do fascismo na Itália e do comunismo na antiga União Soviética. É padrão: o setor conservador e radical das Forças Armadas se ancora no meio civil como braço auxiliar para a ação de poder.
E tão grave quanto: os setores civis, principalmente das elites empresariais conservadoras, utilizam-se da caserna para manterem privilégios e garantirem novas regalias.
O grande historiador Tony Judt, no épico "Pós-Guerra" (no Brasil, disponível pela editora Objetiva), mostra essa aproximação difusa e obscura entre civis e militares nos projetos de tomada do poder à força na história contemporânea.
Quando a ministra de Direitos Humanos Maria do Rosário menciona a importância de elucidar a participação dos setores e grupos civis nos processos de radicalização do regime de 1964, ela está certa.
Se os excessos cometidos pelos radicais de farda ocorreram, é necessário ressaltar que eles aconteceram também por incentivo e por interesse desses grupos.
Vale lembrar que a deflagração do golpe militar de 1964 foi precedida por uma movimentação da classe média paulista (a chamada "Marcha com Deus Pela Liberdade", que foi organizada também por grupos ligados às grandes empresas de São Paulo).
O ano de 1964 é também resultado do apoio irrestrito dos chamados "capitães da indústria" de São Paulo e dos representantes mais conservadores das oligarquias agrárias do Nordeste à época.
São grupos civis, com origem ligada ao empresariado, que frequentavam recepções de congraçamento entre civis e militares, gabinetes governamentais e ambientes acadêmicos ideológicos, como a Escola Superior de Guerra -chamada pelos próprios "estagiários" mais envaidecidos de "Sorbonne brasileira", que viam no golpe de 1964 uma oportunidade única.
Essa oportunidade se baseava em uma estratégia que foi regra mestra no desenvolvimento econômico do período: o arrocho salarial para manutenção dos ganhos de capital, agenda decisiva para a manutenção do patamar de lucratividade dos investimentos nacionais e internacionais no período após Juscelino, de rápida industrialização do país.
Mas o incentivo para o golpe e o decisivo apoio durante boa parte da execução do regime de 1964 não ficam restritos a essa ação quase "institucional" dos grupos civis que se fundiam aos interesses dos militares mais radicais à época.
Mais graves foram as ações pensadas e organizadas diretamente por grupos civis radicais, como o obscuro "Comando de Caça aos Comunistas", a "Operação Bandeirantes", entre outras, que foram conduzidas a partir de ações clandestinas, com o apoio dos serviços secretos militares e das lideranças e grupos empresariais à época.
Esperemos que, se criada, a Comissão da Verdade, de alguma forma, também possa se deter nesta seara que envolve uma segunda sombra do regime de 1964.

O golpe no Brasil e a doutrina de segurança nacional


O golpe e a ditadura militar no Brasil foram aplicação direta da Doutrina de Segurança Nacional. Esta foi a doutrina elaborada pelos EUA e que comandou suas ações durante a guerra fria.
Seu conteúdo totalitário vem das concepções positivistas, que buscam transferir modelos da biologia para as sociedades contemporâneas. O modelo de funcionamento de um corpo humano saudável daria o critério para o funcionamento harmônico das sociedades, com seu critério finalista, em que cada parte contribui para o bom funcionamento do todo. Como consequência, qualquer segmento que não esteja nessa lógica, estaria sabotando o funcionamento harmônico da totalidade e deveria ser extirpado.
Essa lógica deu numa proposta totalitária, que não comporta o conflito, a divergência, a diversidade. A Doutrina de Segurança Nacional recolheu essa concepção e lhe deu um caráter militar, em que as FFAA de cada país – e as dos EUA no plano internacional – seriam os responsáveis pelo funcionamento harmônico das sociedades.
Inserida na lógica da guerra fria, significava que qualquer divergência faria o jogo dos que queriam destruir o corpo social, sua ação deveria ser atribuída a uma inserção de vírus de fora para dentro do organismo social, deverá ser combatida com toda a força e ser extirpada.
A harmonia interna estava identificada com economias de mercado e com os valores da ideologia liberal. As ameaças, aos perigos do comunismo internacional, a que deveriam ser associadas todas as ações, organizações e pessoas que objetivamente estivessem obstaculizando o livre funcionamento do mercado e das instituições liberais.
Na sua aplicação concreta no Brasil, os opositores eram catalogados como agentes da subversão internacional, patrocinada pela URSS, pela China e por Cuba. Os editoriais do Estadão usavam a expressão de governo “petebo-castro-comunista” para catalogar o governo do Jango. Os outros órgãos da mídia seguiam a mesma linha, consideravam que a democracia estava em risco e pregavam uma ação militar para resgatar a liberdade. As marchas que todos apoiavam se auto intitulavam “Marchas da família com Deus pela propriedade” e organizavam rezas domésticas com o lema “Família que reza unida, permanece unida”. Estariam em perigo os valores mais tradicionais do país: a família (as crianças poderiam ser mandadas para a Rússia e Cuba), a religião (que seria perseguida e proibidas as escolas religiosas) e a propriedade (que seria abolida e expropriada pelo Estado).
A concepção funcionalista desembocou no lema da ditadura: Brasil, ame-o ou deixe-o”, com plásticos em carros dos adeptos do Brasil apropriado pelos militares. O Estado foi militarizado e transformado no quartel general das FFAA, desde onde controlavam o país através do SNI – Sistema Nacional de Informaçoes –, buscando transformar o país numa caserna sob controle dos militares.
Foi em nome dessa concepção totalitária que a ditadura militar buscou expurgar os que considerava riscos para seu controle militar do país. Prendia arbitrariamente, interrogava com os mais brutais métodos de tortura, fuzilava e fazia desaparecer os corpos dos que considerava opositores.
Essa mesma doutrina comandou a golpe e a ditadura na Guatemala, desde 1954, fazendo do país o mais massacrado de todo o continente. Valeu para as ditaduras militares no Chile, no Uruguai, na Argentina e orientou a ação da direita por todo o continente.

Militares pró-64 intensificam ofensiva ideológica iniciada no governo Lula


Por: Maurício Thuswohl, especial para a Rede Brasil Atual

Rio de Janeiro – A queda de braço ideológica que os setores mais conservadores das Forças Armadas tentam travar com o governo desde o anúncio da criação da Comissão da Verdade teve seu ápice na quinta-feira (29), quando o Clube Militar organizou no Rio de Janeiro a celebração “1964 – A Verdade” pelos 48 anos do golpe militar. Com a presença de 300 pessoas – oficiais da reserva e seus familiares eram maioria –, um debate reuniu alguns dos maiores críticos à criação da comissão, como o jornalista Aristóteles Drummond, o médico e escritor Heitor de Paola e o general Luiz Eduardo Rocha Paiva, que ganhou notoriedade ao sugerir que a presidente Dilma Rousseff também fosse convocada para depor sobre seus atos de resistência à ditadura militar.
 A presença – na calçada em frente ao Clube Militar, na região central do Rio – de cerca de 300 manifestantes contrários às celebrações pelo aniversário do golpe tornou ainda maior o clima de beligerância com os militares que chegavam para o evento. Na porta, indagado de longe – a entrada dos jornalistas não foi permitida – se mantinha sua posição quanto à convocação de Dilma, o general Rocha Paiva afirmou achar “justo que todos devam ser expostos à nação”. No debate, o general criticou o governo federal: “Querem criar essa Comissão da Verdade 30 anos após os fatos. Isso porque hoje temos ex-militantes da luta armada ocupando posições importantes no cenário político nacional e internacional”, disse.
Também em comemoração ao aniversário do que chamam de “revolução democrática de 31 de março de 1964”, dez coronéis paraquedistas programaram para amanhã (31) um salto coletivo sobre a praia da Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. Segundo os organizadores, uma grande bandeira do Brasil será pendurada no avião que levará os paraquedistas. Após o salto, todos deverão cantar os hinos nacional e dos paraquedistas, antes de gritar o lema “Brasil acima de tudo”. Segundo o coronel Luiz Oliveira, que assina a convocatória para o salto coletivo, cada saltador também carregará consigo uma bandeira do Brasil.
 A ofensiva ideológica dos militares se intensificou desde que o governo anunciou a criação da Comissão da Verdade, mas as crises – maiores ou menores – com os setores que defendem a ditadura acontecem desde o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Primeiro ministro da Defesa de Lula, José Viegas pediu demissão em outubro de 2004 por se sentir enfraquecido após tentar abrir investigação sobre os assassinatos do Araguaia e o então comandante do Exército, general Francisco Albuquerque, ter divulgado uma nota que, em alguns trechos, chegava a justificar a prática da tortura como forma de luta contra os opositores do regime militar.
 Ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, os setores da reserva, sempre utilizando o Clube Militar como trincheira ideológica, fizeram oposição sistemática aos trabalhos da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos. Em 2001, a pressão dos militares sobre FHC cresceu com a criação da Comissão de Anistia.
No governo Lula, após a saída de Viegas, o Ministério da Defesa ficou diretamente ligado ao Palácio do Planalto, com a nomeação do vice-presidente José Alencar como ministro. A mudança aplacou os ânimos entre os militares pró-64, mas estes voltaram a se manifestar quando Lula nomeou Waldir Pires para o cargo. O ex-governador da Bahia teve de enfrentar a dura oposição até mesmo dos três ministros militares por causa da divergência de opiniões quanto à negociação com  os controladores de voo (todos militares da Aeronáutica) nos dias que sucederam o acidente com o avião A-320 da TAM, derrubado por um jato Legacy de uso particular em 2007. O ministro não resistiu à pressão e caiu.
 Ao convocar Nelson Jobim, figura próxima aos militares, para o lugar de Waldir Pires, Lula conquistou alguma serenidade com os oficiais da reserva. Ministro que ficou mais tempo no cargo (quatro anos), Jobim ainda assim teve de conviver com algumas saias-justas. O caso mais notório aconteceu quando o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira – ex-comandante das tropas brasileiras no Haiti e então comandante militar da Amazônia – concedeu entrevistas fazendo pesadas críticas à política indigenista do governo, assim como à ocupação das fronteiras ao Norte. O caso se resolveu com a exoneração do general, em um raro caso de punição direta após um confronto verbal. Atualmente, Heleno é comentarista de segurança pública da Rede Bandeirantes.
 Atritos com governo Dilma
A chegada à Presidência da República de uma ex-combatente contra a ditadura, Dilma Rousseff, voltou a agitar o Clube Militar. Os temores dos oficiais da reserva quanto ao atual governo se confirmaram com o início da discussão sobre a criação da Comissão da Verdade, e os ânimos teriam novamente se acirrado com a substituição de Jobim por Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores e figura sabidamente de esquerda.
 A primeira crise com Amorim surgiu quando os presidentes dos clubes Militar (general Renato César Tibau da Costa, Naval (almirante Ricardo Antônio da Veiga Cabral e da Aeronáutica (tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista) divulgaram um manifesto no qual criticavam a Comissão da Verdade e acusavam o PT e as ministras Maria do Rosário (Secretaria de Direitos Humanos) e Eleonora Menicucci (Secretaria das Mulheres) de pregar o desrespeito à Lei de Anistia.
 A busca pelo confronto ideológico fica clara: “O Partido dos Trabalhadores, ao qual a presidente pertence, diz que estará empenhado junto com a sociedade no resgate de nossa memória da luta pela democracia durante o período da ditadura militar. Pode-se afirmar que a assertiva é uma falácia, posto que, quando de sua criação, o governo já promovera a abertura política, incluindo a possibilidade de fundação de outros partidos políticos, encerrando o bipartidarismo”, diz o manifesto, cobrando ainda de Dilma que seja “presidente de todos os brasileiros, e não de minorias sectárias ou de partidos políticos”.
A reação do governo foi imediata, e o ministro Amorim determinou que os autores do manifesto fossem punidos. Isso desencadeou uma reação ainda mais veemente dos militares e o lançamento de um segundo manifesto, em tom mais agressivo, com o sugestivo título “Eles que venham. Por aqui não passarão!” e que questiona a autoridade do ministro da Defesa. Mesmo tendo sua retirada do site do Clube Militar determinada pelo governo, esse segundo manifesto circulou pela internet e ganhou força, com milhares de assinaturas de militares e civis.
 O clima de provocação com o governo aumentou com a realização do ato de ontem, já que a presidente Dilma havia determinado aos ministros militares que não mais ocorressem no país celebrações festivas do golpe de 1964. Em contrapartida, outros setores da sociedade civil também se movimentam: o Ministério Público Federal anunciou que dará entrada em ações criminais contra militares pelo desaparecimento de dezenas de pessoas durante a ditadura e a Organização dos Estados Americanos (OEA) abriu investigação para saber se houve negligência do Estado brasileiro na punição pelo assassinato do jornalista Wladimir Herzog em 1975, durante o regime militar.
 Verdades e mentiras
 Ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos e ex-integrante da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, Nilmário Miranda lembra que a Comissão da Verdade “foi aprovada com esmagadora maioria no Congresso” e critica os autores dos manifestos contra o governo: “A maioria dos que assinam os manifestos são reformados e participaram da ditadura. Vale lembrar que as Forças Armadas chegaram a ter 23% do orçamento do país! O que implicava desviar recursos da saúde, da educação e da ciência e tecnologia. Centenas deles ocupavam direções de estatais desnecessárias e não tinham que prestar contas a ninguém. A situação hoje é diferente, pois a maioria dos militares tem formação democrática”, escreveu o ex-ministro em seu blog.
 Em artigo publicado no jornal O Globo, o jornalista Cid Benjamin – perseguido, preso e torturado pela ditadura – lembra que o projeto aprovado da Lei da Anistia (em 1979) não contava com o apoio da oposição democrática reunida no MDB nem de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Por isso, diz, é mentirosa a iniciativa que quer passar à opinião pública a versão de que a aprovação da lei foi um grande momento de entendimento nacional: “Esquecer isso é tão absurdo como reescrever a história de forma mentirosa e afirmar hoje que a consigna ‘ampla, geral e irrestrita’ tinha como objetivo proteger torturadores e assassinos”.

Nada de festa: 64 foi golpe!


Por Juliana Sada

Neste fim de semana completam-se 48 anos do golpe militar de 64. Diferentemente de outros anos, os militares já não falam sozinhos. E os ânimos estão exaltados. Militares reformados vieram a público deslegitimar o atual ministro da Defesa, Celso Amorim, e marcaram “festas” e atos para comemorar o golpe. Em declarações à imprensa, escancaram a verdadeira motivação: a insatisfação com a criação da Comissão da Verdade, que ainda não tem seus membros definidos e nem data para início de funcionamento.
Do outro lado, a sociedade organizada e movimentos de direitos humanos vão às ruas denunciar os torturadores e militares golpistas. Não deixam que comemorem o golpe em paz e impunemente. A possibilidade de investigação de crimes da ditadura é uma realidade próxima, mas que ainda tem que ser defendida para que de fato ocorra.
Por conta desse acirramento, a semana foi agitada. Segunda feira, em diversas cidades, torturadores acordaram sendo alvo de “esculachos” que os expuseram à sociedade. Na quinta-feira, manifestantes no Rio de Janeiro foram ao Clube Militar protestar contra oficiais que comemoravam a “revolução” de 64.
Em Campinas, no interior de São Paulo, o ato foi contra o lançamento de um livro sobre Garrastazu Médici, em um evento com a presença do filho do ex-presidente-ditador e organizado por militares da reserva.
Em São Paulo, a “comemoração” será sábado em uma festa com o infeliz tema de “Viagem no Túnel do Tempo”, no Círculo Militar. Já no domingo vem a resposta, com o bem humorado “Cordão da mentira”: o bloco-passeata irá percorrer locais que tem relação com a ditadura, como a sede da TFP, o Elevado Costa e Silva e a antiga sede do DOPS.
Mais caldo
Além da Comissão da Verdade, outras iniciativas ameaçam a impunidade dos agentes da ditadura. O Ministério Público Federal tenta indiciar o Major Curió, que comandou o massacre da Guerrilha do Araguaia, por sequestro qualificado. Procuradores da República tentam levar adiante investigações sobre outros casos de desaparecimentos durante a ditadura. Como os corpos nunca foram encontrados, segue o crime de ocultação de cadáver, que não pode ser anistiado.
Ontem a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA (Organização dos Estados Americanos), anunciou que investigará a morte do jornalista Vladimir Herzog, em 75, e cobrou explicações do governo brasileiro sobre o caso. O Brasil já foi condenado pela mesma instituição por não ter punido os responsáveis pelas mortes na Guerrilha do Araguaia.
Novos tempos
Apesar dos reclamos dos militares, o Brasil parece caminhar, mesmo que aos trancos e barrancos, rumo ao enfrentamento de seu passado. Entre os países da América Latina que passaram por regimes militares semelhantes, o Brasil é um dos poucos que ainda não realizaram uma ampla investigação dos crimes. Chamada de “revanchismo” pelos militares, a apuração dos crimes cometidos pelo Estado durante a ditadura é uma etapa fundamental para a consolidação da democracia. Afinal, a construção de uma nação deve ser feita sobre uma base sólida e isso implica em conhecer e esclarecer seu passado, sem sujeira debaixo do tapete.

Memórias de abril e o golpe da informação


Historiador da CIA revela como ideias e recursos dos EUA seduziram a imprensa brasileira nos anos 1950 e semearam o golpe. Hoje, ainda, não se pode piscar diante do apetite voraz da direita – a colonizadora e a colonizada
Por: Mauro Santayana, para a Revista do Brasil
Há 48 anos, quando o Brasil vislumbrava reformas constitucionais necessárias a seu desenvolvimento, os Estados Unidos financiaram e orientaram o golpe militar. E interromperam uma vez mais um projeto nacional proposto em 1930 por Vargas. Os acadêmicos podem construir teses sofisticadas sobre a superioridade dos países nórdicos para explicar o desenvolvimento cultural e econômico da Europa e dos norte-americanos e as dificuldades dos demais povos em acompanhá-los, mas a razão é outra. Com superioridade bélica, desde sempre, impuseram-se como conquistadores do espaço e saqueadores dos bens alheios, os quais lhes permitiram o grande desenvolvimento científico e militar nos séculos 19 e 20 e sua supremacia sobre o resto do mundo.
O golpe de 1964 não se iniciou com a renúncia de Jânio, três anos antes. Podemos ver sua origem mais próxima em 1953. Naquele ano, diante da resistência de Getúlio Vargas, que quis limitar as remessas de lucros e criou a Petrobras e a Eletrobrás para nos dar autonomia energética, a ação “diplomática” dos Estados Unidos cercou o governo. Com o aliciamento de alguns jornalistas e dinheiro vivo distribuído aos grandes barões da imprensa da época, construiu a crise política interna. Entre a lei que criou a Petrobras e a morte de Getúlio, em 24 de agosto, dez meses depois, o Brasil viveu período conturbado igual ao de agosto de 1961 a abril de 1964.
A propósito do projeto de Getúlio, seria importante a tradução e publicação, no Brasil, de um livro no qual essa operação é narrada em detalhes: "The Americanization of Brazil – A Study of US Cold War Diplomacy in The Third World", 1945-1954. Enfim um estudo sobre a diplomacia americana para o Terceiro Mundo em tempos de Guerra Fria. O autor, Gerald K. Haines, é identificado pela editora SR Books como historiador sênior a serviço da CIA, o que lhe confere toda a credibilidade.
Haines mostra como os donos dos grandes jornais da época foram “convencidos” a combater o monopólio estatal, até mesmo com textos produzidos na própria embaixada, no Rio. E lembra a visita ao Brasil do secretário de Estado Edward Miller, com a missão de pressionar o governo brasileiro a abrir a exploração do petróleo às empresas norte-americanas. O presidente da Standard Oil nos Estados Unidos, Eugene Holman, orientou Miller a nos vender a ideia de que, só assim, o Brasil se desenvolveria. O povo brasileiro foi às ruas e obrigou o Congresso a impor o monopólio.
A domesticação dos meios de informação do Brasil começara ainda no governo Dutra. Os americanos usaram as excelentes relações entre os intelectuais e jornalistas e o embaixador Jefferson Caffery, nos meses em que o Brasil decidira por aliar-se aos Estados Unidos na luta contra o nazifascismo, em benefício de sua expansão neocolonialista. A criação da Petrobras levou os ianques ao paroxismo contra Vargas, e os meios de comunicação acompanhavam a histeria americana. A estatal era vista como empresa feita com o amadorismo irresponsável dos ignorantes. A revista Fortune, citada por Haines, disse que a Petrobras “apenas dança um samba com os problemas básicos do petróleo”.
A morte de Vargas não esmoreceu os grupos que tentaram, em 11 de novembro do ano seguinte, impedir a posse de Juscelino, eleito em 3 de outubro. O golpe de Estado foi frustrado pela ação rápida do general Teixeira Lott. Em 1964, a desorganização das forças populares favoreceu a vitória dos norte-americanos, que voltaram a domesticar a imprensa e o Parlamento e manipularam os chefes militares brasileiros.
Os êxitos do governo atual e a nova arregimentação antinacional contra a Petrobras – agora com o pré-sal – devem mobilizar os trabalhadores que não estão dispostos a viver o que já conhecemos. Sabem que a situação internacional tende para a direita, e não podemos repetir apenas que o povo esmagará os golpistas. É necessário não só exercer a vigilância, mas agir, de forma organizada e já, para promover a unidade nacional em defesa do desenvolvimento de nosso país.

As heranças malditas da ditadura


Postado por Emir Sader

Um regime brutal como a ditadura militar, que tratou de erradicar da sociedade e do Estado brasileiros tudo o que lhe parecesse vinculado à democracia, que se constituiu em uma ditadura de classe contra os trabalhadores e suas organizações, que tratou de ser um subimperiaismo, aliado privilegiado dos EUA na região – não poderia desaparecer sem deixar vestígios. Ainda mais que a ditadura militar brasileira não foi derrotada, como aconteceu nos países vizinhos.
Na Argentina, essa derrota se deu na tentativa desesperada dos militares de conquistar legitimidade com a aventura das guerra das Malvinas, encarnando uma justa reivindicação do povo argentino com uma bravata que terminou com uma vergonhosa derrota e retirada covarde da mesma alta oficialidade que havia mostrado sua “coragem” na repressão selvagem aos militantes da resistência popular. Sua derrota teve o efeito oposto, o de acelerar sua derrota e o fim do regime, que também por isso tem seus principais gendarmes presos, julgados e condenados.
No Uruguai e no Chile essas derrotas assumiram formas similares com referendos convocados pelas ditaduras militares para tentar perpetuar-se, em que foram derrotadas e tiveram que abrir caminho à transição para a democracia. Ali também se conseguiu reverter as anistias decretadas pelos militares e promover formas de investigação da verdade e da justiça correspondente.
No Brasil não houve algo similar. A ditadura conduziu o processo de transição à democracia, definindo suas formas e seus prazos. Conseguiu evitar as eleições diretas para presidente, impediu assim que uma eleição popular pudesse consagrar uma presidência como a de Ulysses Guimaraes, que representava de maneira mais cabal o impulso democrático acumulado pelas lutas de resistência à ditadura, para impor o mais moderado Tancredo Neves e, pelas contingências da história, terminando por ter o presidente do partido da ditadura e principal articulador contra as diretas, José Sarney, como o primeiro presidente civil desde o golpe militar.
Bastaria isso para explicar como o novo regime foi um híbrido do novo e do velho, nasceu de mais um pacto de elites na história brasileira, forjado em torno do Colégio Eleitoral e do pacto entre o PMDB e um partido nascido das costelas do regime militar, o então PFL. O anti-malufismo substituiu o anti-ditadura e quem se alinhava naquele bloco recebia o selo de “democrata”, entre eles ACM, Marco Maciel, Jorge Bornhausen. Foi um caso típico do “transformismo”, caracterizado por Gramsci, em que se muda a forma de dominação para preservar seu conteúdo.
A primeira das heranças desse parto conciliador do novo regime foi seu caráter profundamente liberal, no sentido de que a reinstauração da democracia se limitou às instâncias políticas, jurídicas e institucionais. Não se promoveu a democratização econômica e social da sociedade brasileira – que, de alguma forma, estava contida no programa democrático do PMDB, que não orientou o governo Sarney. A concentração ainda maior do poder da terra, dos bancos, das grandes corporações industriais e comerciais, dos meios de comunicação, das estruturas privadas nos campos da educação, da saúde, não foram tocadas e sobreviveram como uma das mais duras heranças da ditadura para a democracia brasileira.
A ausência das derrotas políticas que caracterizaram os países vizinhos fez com que a anistia auto-decretada pela ditadura militar sobrevivesse até hoje, bloqueando a busca da verdade e impedindo que mesmo crimes inafiançáveis como a tortura ficassem impunes no Brasil. Paralelamente, os militares mantem poder de pressão sobre este e outros temas, de forma totalmente indevida numa democracia, ainda mais pelos graves danos que a alta oficialidade das FFAA produziu no país.
Outra das heranças negativas foi o modelo econômico imposto pela ditadura a ferro e fogo, que teve alguns dos seus aspectos essenciais preservados no pós-ditadura. Ja nao foi possível manter o arrocho salarial e a intervenção militar em todos os sindicatos – que fez a festa do grande empresariado e foi um dos “santos” do chamado “milagre econômico”. Mas o modelo econômico voltado para a exportação e para o consumo das altas esferas do consumo se manteve, sem que se desenvolvessem amplas politicas de distribuição de renda e de ampliacao do mercado interno de consumo popular – que só viriam a ocorrer a partir do governo Lula. A marca de país mais desigual do mundo, que se havia aprofundado na ditadura e se mantido no novo regime, acompanhou a democracia brasileira como a sua grande lacra.
Uma outra herança maldita da ditadura foi a deterioração dos serviços públicos. Ao arrochar os salários dos servidores públicos e diminuir os gastos sociais, a ditadura promoveu uma degradação da escola pública e da saúde pública no Brasil. Até aquele momento esses eram espaços que agrupavam os setores populares e a classe média, numa aliança e convivência que eram parte integrante da democracia e da construção da esfera pública. Com sua deterioração, a classe media se bandeou maciçamente para a escola privada e os serviços privados de saúde, a ponto de passar a fazer parte “natural” dos seus orçamentos familiares esses gastos enormes. Enquanto isso a escola e a saúde publica passaram a ser coisa de pobre, foram se degradando, assim como as condições de trabalho e de salários dos trabalhadores da educação e da saúde.
Os meios de comunicação foram outra elemento da herança maldita deixada pela ditadura. O elemento central dessa herança foi a constituição da Globo como o principal grupo monopólico dos meios de comunicação no Brasil, com todos os privilégios que a ditadura lhe permitiu, fazendo da TV Globo praticamente o órgão oficial da ditadura. Por outro lado, impediu que outros grupos das elites dominantes - como a Abril e o JB, entre outros – pudessem disputar hegemonia com a Globo, favorecendo seu monopólio inquestionado como setor dominante da mídia privada. As outras empresas, que haviam, todas, apoiado a golpe militar, dado cobertura à selvagem repressão da ditadura, e se valido da liquidação dos órgãos que não haviam tido essa postura – como a Última Hora e, de certa forma, o Correio da Manhã -, puderam aparecer como entidades identificadas com a democracia liberal durante o período de transição e bloquear o surgimento de imprensa alternativa.
Sem esgotar os elementos dessa herança, haveria que mencionar ainda a tentativa de descaracterização do aspecto ditatorial do regime militar, presente na “teoria do autoritarismo”, formulada por FHC, segundo a qual não teríamos tido uma ditadura – menos ainda militar, cujo aspecto ele sempre desconheceu nas suas análises - , mas simplesmente um “regime autoritário”.
A democratização, pelas propostas de FHC se limitaria a desconcentrar o poder político em torno do executivo e desconcentrar o poder econômico em torno do Estado – aparecendo como um formulador precoce as teses neoliberais no Brasil. A teoria do autoritarismo foi a ideologia da transição conservadora no Brasil, lhe deu respaldo teórico e favoreceu a sobrevivência das heranças malditas que a ditadura deixou para a democracia brasileira.