domingo, 9 de setembro de 2012
Governo responde a “mensalão” com bem-estar social
A mega produção do julgamento do mensalão e a chuva de “más
notícias” sobre a economia vêm dominando há meses o noticiário. A primeira
atração pretende condenar criminalmente os oito anos do governo Lula e o
Partido dos Trabalhadores inteiro; a segunda, pretende convencer os brasileiros
de que a economia do país vai de mal a pior.
Por meses a fio, a oposição ao governo federal, como ocorre
há quase uma década, recebeu o apoio dos maiores meios de comunicação do pais à
sua estratégia descrita no parágrafo anterior, estratégia que sucedeu a pressão
oposicionista-midiática por demissão de ministros e as marchas “contra a
corrupção” que vigeram no ano passado.
Em 2011, chegou a ocorrer como que uma capitulação do governo
Dilma Rousseff diante de uma nova modalidade de ataque oposicionista-midiático
aparentemente diferente da guerra desencadeada contra o governo Lula, mas que,
em essência, era igual.
Nesse novo modelo, a presidente foi preservada de ataques
diretos e os alvos foram o governo Lula (do qual ela participou em destaque) e
a montagem que fez de seu próprio governo, pois cada ministro demitido no ano
passado foi nomeado por ela, sendo a tese da “faxina” mera tentativa de
convencer a matreira presidente da República de que um ataque a beneficiária, o
que revelou desprezo por sua inteligência.
Entre o fim do ano passado e o começo deste ano, Dilma pôs um
fim à capitulação diante dos sucessivos ataques aos ministros, que, muitas
vezes, perderam o cargo sem qualquer razão, como no caso do ex-ministro do
Esporte Orlando Silva, demitido sob acusações sem provas e posteriormente
inocentado em todas as investigações.
Quando a artilharia chegou ao ministro do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio, Fernando Pimentel, possivelmente o ministro mais próximo
de si, Dilma pôs o pé na porta e as pressões acabaram, ainda que tenham restado
elucubrações sobre as quedas de ministros que ela teria permitido por ter
desejado.
2012, porém, marcou a reação de um governo que já começava a
enfraquecer de tanto ceder a pressões. Dilma iniciou o ano visivelmente
decidida a mostrar que estava no controle e que seu governo tinha um plano. Ao
esfriamento da economia, desde então vem atuando no sentido de aquecê-la e de
aliviar a vida da população.
O primeiro grande lance foi colocar os bancos públicos para
liderarem uma queda generalizada dos juros ao consumidor e às empresas. O
ineditismo da medida na história recente do país pegou oposição e mídia de
surpresa. Em um primeiro momento, esses agentes aliaram-se aos bancos contra a
iniciativa do governo federal.
Não tardou para bancos, mídia e oposição entenderem o que se
previu nesta página que ocorreria, que a presidente daria um salto em termos de
popularidade, o que de fato ocorreu, fazendo com que alcançasse praticamente o
mesmo patamar que Lula tinha ao deixar o governo. As críticas, diante do apoio
popular, emudeceram.
A essas medidas contrárias aos interesses dos bancos – que a
presidente foi à televisão anunciar assim como fez ontem – somaram-se outras de
indiscutível apelo popular e, o que é melhor, à prova de acusações de
“populismo”, pois não é moleza defender os setores da economia líderes de
reclamações às entidades de defesa do consumidor.
Telefonia e planos de saúde também entraram na mira do
governo, sendo penalizados com suspensão de captação de clientes e obrigados a
apresentar planos de investimentos para resolver os problemas geradores de
queixas.
Paralelamente à defesa decidida dos interesses dos
consumidores, o governo apresentou um poderoso plano de investimentos em
infraestrutura que chega à casa da centena de bilhões de reais, uma quantidade
de recursos que pouquíssimos países têm condição de investir hoje, o que vai
revelando a solidez da economia brasileira.
Na última quinta-feira, Dilma respondeu ao recrudescimento
exponencial da artilharia oposicionista-midiática contra si e contra o PT,
baseada, exclusivamente, em um moralismo tão hipócrita que viu lideranças de
partidos envolvidos até o pescoço em escândalos de corrupção apontarem o dedo
para o partido do governo.
À maior artilharia, a presidente usou uma bomba: anunciou
redução de gastos do consumidor e das empresas com energia, começando pela
energia elétrica. Não é brincadeira o que Dilma anunciou. 16% para residências
e 28% para indústrias serão sentidos diretamente no bolso de todos.
É imprevisível o impacto que isso terá sobretudo no setor
industrial, mas será grande. O consumo de energia é um dos grandes custos desse
setor. A medida, inclusive, tornará os produtos brasileiros mais competitivos.
Reduzir o custo da energia nesse nível é medida ainda mais
popular do que pôr bancos públicos para liderarem queda de juros. No caso dos
juros, a redução é lenta e não atinge o público de forma homogênea, pois
beneficia mais os menos endividados e mais ricos, que, certamente, estão tendo
acesso às melhores taxas. No caso da conta de luz, o alcance é estrondoso.
E para quem, como eu, reclamou de revide político, no mesmo
pronunciamento em que deu tal presente à população a presidente ainda atacou,
de novo, aquele que tentou atingi-la atacando seu padrinho político. Ao
criticar a “privatização” que era feita “no passado”, Dilma concluiu a resposta
que acaba de dar ao ataque de Fernando Henrique Cardoso a Lula.
O lance da última quinta-feira explica a política brasileira
no novo milênio. Uma oposição perdida, sem propostas, usa a mídia – ou por ela
é usada – para oferecer à população moralismo de quinta, pessimismo e
hipocrisia. E zero de propostas. A isso, Dilma responde com desenvolvimento e
bem-estar social.
Em sua opinião, leitor, quem irá vencer esse embate?
Dilma: "Recebi do ex-presidente Lula uma herança bendita"
FHC chama de “herança pesada” o legado deixado pelo
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com duras críticas à política
energética e às medidas econômicas adotadas por ele com consequências no
governo Dilma.
No artigo, o ex-presidente também diz que o governo Dilma
passou por uma crise moral, com a demissão de oito ministros, sete deles por
suspeitas de envolvimento em corrupção.
Dilma afirma ter recebido um país com economia sólida,
crescimento robusto e inflação sob controle. Leia abaixo a íntegra da nota:
Citada de modo incorreto pelo ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, em artigo publicado neste domingo, nos jornais O Globo e O Estado de
S. Paulo, creio ser necessário recolocar os fatos em seus devidos lugares.
Recebi do ex-presidente Lula uma herança bendita. Não recebi
um país sob intervenção do FMI ou sob a ameaça de apagão.
Recebi uma economia sólida, com crescimento robusto, inflação
sob controle, investimentos consistentes em infraestrutura e reservas cambiais
recorde.
Recebi um país mais justo e menos desigual, com 40 milhões de
pessoas ascendendo à classe média, pleno emprego e oportunidade de acesso à
universidade a centenas de milhares de estudantes.
Recebi um Brasil mais respeitado lá fora graças às posições
firmes do ex-presidente Lula no cenário internacional. Um democrata que não
caiu na tentação de uma mudança constitucional que o beneficiasse. O
ex-presidente Lula é um exemplo de estadista.
Não reconhecer os avanços que o país obteve nos últimos dez
anos é uma tentativa menor de reescrever a história. O passado deve nos servir
de contraponto, de lição, de visão crítica, não de ressentimento. Aprendi com
os erros e, principalmente, com os acertos de todas as administrações que me
antecederam. Mas governo com os olhos no futuro.
Dilma Rousseff
Presidenta da República Federativa do Brasil
Governo adota medidas para amenizar efeitos da crise sobre os produtores agropecuários, diz Dilma
A presidenta Dilma Rousseff disse hoje (4), na coluna semanal
Conversa com a Presidenta, que o governo tem adotado medidas para diminuir os
efeitos do aumento dos custos de produção e da crise financeira internacional
sobre a suinocultura brasileira. Ao responder pergunta do produtor rural
Rodolfo Pires Vasques, de Uruaçu (GO), ela destacou que no Plano Agrícola e
Pecuário 2012/2013 foi criada uma linha de crédito para produtores
independentes, com limite de R$ 2 milhões por produtor e taxa de juros de 5,5%
ao ano.
“Criamos, também, uma
linha especial de crédito, com valor inicial de R$ 200 milhões, para os
suinocultores adquirirem leitões. Nossa expectativa é de que essas ações, mais
o trabalho dos suinocultores, consigam amenizar as dificuldades e assegurar a
renda do setor até que o mercado volte à normalidade”, disse.
Dilma também falou sobre a qualificação de profissionais para
o setor turístico brasileiro. Em resposta ao engenheiro Jairo Bastos Lima, de
São Paulo (SP), a presidenta destacou a criação do Pronatec Copa, que irá
capacitar profissionais para atuar, principalmente, na Copa das Confederações
em 2013, na Copa do Mundo de 2014 e nas Olimpíadas de 2016.
“Criamos o Pronatec
Copa, com cursos gratuitos, para formar ou aperfeiçoar profissionais do setor.
Já foram abertas 40 mil vagas e, até 2014, serão 240 mil vagas, em 29
atividades do setor, como agentes de viagem, garçons, recepcionistas,
camareiras e muitas outras profissões. Esperamos que a maior capacitação de
nossos profissionais permita que brasileiros e estrangeiros tenham ótimas
experiências nas viagens para conhecer as belezas de nosso país”, enfatizou.
Na coluna, a presidenta disse, ainda, que o governo fiscaliza
a distribuição do Bolsa Família para garantir que os benefícios do programa
cheguem a quem realmente precisa. Questionada por Cassia Ribeiro, operadora de
caixa em Itaberaba (BA), ela destacou que os cidadãos também podem contribuir denunciando
irregularidades.
“Para combater
eventuais erros e desvios, as famílias beneficiárias devem atualizar seus
dados, no mínimo, a cada dois anos. Todo cidadão que tiver conhecimento de
alguma irregularidade pode, e deve, denunciá-la diretamente ao gestor local ou
à Instância de Controle Social do seu município. O Ministério Público, a
Controladoria-Geral da União e o Tribunal de Contas da União também fiscalizam
o programa e, junto com o controle de toda a sociedade, ajudam a garantir que o
Bolsa Família chegue realmente às famílias que precisam dele”.
Com o programa TI Maior, governo vai investir R$ 500 milhões para a produção de software no Brasil, diz Dilma
Com o programa estratégico de software e serviços de
tecnologia da informação, o TI Maior, o governo vai investir R$ 500 milhões
para estimular o desenvolvimento e a produção de software no Brasil, afirmou
hoje (3) a presidenta Dilma Rousseff, no programa de rádio Café com a
Presidenta. Segundo ela, o objetivo é ampliar o número de empresas de
tecnologia e ofertar cursos para trabalhadores do setor.
“Temos, no Brasil,
quase nove mil empresas que desenvolvem softwares e queremos ampliar esse
número. Por isso vamos investir nas pequenas empresas de tecnologia, que geram
muitos empregos, principalmente contando com jovens que têm uma imensa
capacidade de criar. Uma das medidas mais importantes desse programa é que nós
vamos oferecer cursos para 50 mil trabalhadores do setor de tecnologia da
informação”, disse.
A presidenta explicou que dentro do programa de política
industrial Brasil Maior, várias medidas também vem sendo adotadas para
fortalecer a indústria de tecnologia da informação. Houve redução de impostos
cobrados dessas indústrias, de acordo com Dilma, para que o custo da produção
diminuísse sem atingir os direitos dos trabalhadores.
“Nós já demos um
grande salto quando elevamos 40 milhões de pessoas para a classe média. Agora,
esse país tem o desafio de conseguir erradicar a pobreza e, ao mesmo tempo,
produzir ciência e tecnologia, agregar valor à sua produção e inovar. Esse é o
caminho para o Brasil chegar à economia do conhecimento e se encaminhar cada
vez mais para ser uma grande nação”, destacou.
No programa, a presidenta também destacou os resultados e a
importância da Olimpíada Brasileira de Matemática, que teve a participação de
mais de 18 milhões de alunos de 44 mil escolas públicas de todo o país.
“A matemática é o
primeiro passo para o desenvolvimento científico e para a inovação tecnológica,
porque a matemática é a base de todas as ciências e é fundamental para o
aprendizado das engenharias, da física, da tecnologia da informação, da ciência
dos computadores, por exemplo. A matemática ajuda a despertar o interesse dos
nossos jovens pela ciência e pelo conhecimento”.
Folha de São Paulo mente ao publicar que Lula....
Ao contrário do que publicou hoje o jornal
“Folha de S.Paulo”, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não teve nenhuma
reunião com governadores durante a Rio+20.
O ex-presidente esteve no Rio de Janeiro nos
dias 20 e 21 de junho de 2012, partindo no dia 22 pela manhã. Na época, por
recomendação médica após um exame de biópsia na laringe, ele foi orientado a
poupar sua voz. A nota sobre isso pode ser lida aqui.
Durante o evento, Lula teve encontros com os
presidentes da França e de Cuba. Assistiu à abertura da conferência na quarta-feira,
dia 20, e participou, junto com a presidenta Dilma Rousseff, o governador
Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes, de um jantar oferecido pela prefeitura
do Rio de Janeiro para chefes de Estado africanos na quinta-feira, dia 21.
A agenda do ex-presidente na Rio+20 foi
reduzida por razões médicas, mas nunca previu nenhuma reunião com governadores,
como pode ser visto no comunicado do dia 15 de junho (clique aqui para ler).
As atividades do ex-presidente e das
autoridades presentes na Rio+20 foram acompanhadas pela imprensa e amplamente
noticiadas na época.
Por isso, a Folha de S.Paulo mente ao
publicar, meses depois, que Lula teve uma reunião com governadores durante a
Rio+20.
O poder da mídia
Por Marilena Chauí
Palestra proferida no lançamento da campanha “Para Expressar
a Liberdade – Uma nova lei para um novo tempo”, em 27/08/2012, no Sindicato dos
Jornalistas de São Paulo.
I. Democracia e
autoritarismo social
Estamos acostumados a aceitar a definição liberal da
democracia como regime da lei e da ordem para a garantia das liberdades
individuais. Visto que o pensamento e a prática liberais identificam a
liberdade com a ausência de obstáculos à competição, essa definição da democracia
significa, em primeiro lugar, que a liberdade se reduz à competição econômica
da chamada “livre iniciativa” e à competição política entre partidos que
disputam eleições; em segundo, que embora a democracia apareça justificada como
“valor” ou como “bem”, é encarada, de fato, pelo critério da eficácia, medida
no plano do poder executivo pela atividade de uma elite de técnicos competentes
aos quais cabe a direção do Estado. A democracia é, assim, reduzida a um regime
político eficaz, baseado na idéia de cidadania organizada em partidos
políticos, e se manifesta no processo eleitoral de escolha dos representantes,
na rotatividade dos governantes e nas soluções técnicas para os problemas
econômicos e sociais.
Ora, há, na prática democrática e nas ideias democráticas,
uma profundidade e uma verdade muito maiores e superiores ao que liberalismo
percebe e deixa perceber.
Podemos, em traços breves e gerais, caracterizar a democracia
ultrapassando a simples idéia de um regime político identificado à forma do governo,
tomando-a como forma geral de uma sociedade e, assim, considerá-la:
1. Forma sociopolítica definida pelo princípio da isonomia (
igualdade dos cidadãos perante a lei) e da isegoria (direito de todos para
expor em público suas opiniões, vê-las discutidas, aceitas ou recusadas em
público), tendo como base a afirmação de que todos são iguais porque livres,
isto é, ninguém está sob o poder de um outro porque todos obedecem às mesmas
leis das quais todos são autores (autores diretamente, numa democracia participativa;
indiretamente, numa democracia representativa). Donde o maior problema da
democracia numa sociedade de classes ser o da manutenção de seus princípios –
igualdade e liberdade – sob os efeitos da desigualdade real;
2. Forma política na qual, ao contrário de todas as outras, o
conflito é considerado legítimo e necessário, buscando mediações institucionais
para que possa exprimir-se. A democracia não é o regime do consenso, mas do
trabalho dos e sobre os conflitos. Donde uma outra dificuldade democrática nas
sociedades de classes: como operar com os conflitos quando estes possuem a
forma da contradição e não a da mera oposição?
3. Forma sociopolítica que busca enfrentar as dificuldades
acima apontadas conciliando o princípio da igualdade e da liberdade e a
existência real das desigualdades, bem como o princípio da legitimidade do
conflito e a existência de contradições materiais introduzindo, para isso, a
ideia dos direitos ( econômicos, sociais, políticos e culturais). Graças aos
direitos, os desiguais conquistam a igualdade, entrando no espaço político para
reivindicar a participação nos direitos existentes e sobretudo para criar novos
direitos. Estes são novos não simplesmente porque não existiam anteriormente,
mas porque são diferentes daqueles que existem, uma vez que fazem surgir, como
cidadãos, novos sujeitos políticos que os afirmaram e os fizeram ser
reconhecidos por toda a sociedade.
4. Graças à ideia e à prática da criação de direitos, a
democracia não define a liberdade apenas pela ausência de obstáculos externos à
ação, mas a define pela autonomia, isto é, pela capacidade dos sujeitos sociais
e políticos darem a si mesmos suas próprias normas e regras de ação. Passa-se,
portanto, de uma definição negativa da liberdade – o não obstáculo ou o
não-constrangimento externo – a uma definição positiva – dar a si mesmo suas
regras e normas de ação. A liberdade possibilita aos cidadãos instituir
contrapoderes sociais por meio dos quais interferem diretamente no poder por
meio de reivindicações e controle das ações estatais.
5. Pela criação dos direitos, a democracia surge como o único
regime político realmente aberto às mudanças temporais, uma vez que faz surgir
o novo como parte de sua existência e, consequentemente, a temporalidade é
constitutiva de seu modo de ser, de maneira que a democracia é a sociedade
verdadeiramente histórica, isto é, aberta ao tempo, ao possível, às
transformações e ao novo. Com efeito, pela criação de novos direitos e pela
existência dos contrapoderes sociais, a sociedade democrática não está fixada
numa forma para sempre determinada, pois não cessa de trabalhar suas divisões e
diferenças internas, de orientar-se pela possibilidade objetiva de alterar-se
pela própria práxis;
6. Única forma sociopolítica na qual o caráter popular do
poder e das lutas tende a evidenciar-se nas sociedades de classes, na medida em
que os direitos só ampliam seu alcance ou só surgem como novos pela ação das
classes populares contra a cristalização jurídico-política que favorece a
classe dominante. Em outras palavras, a marca da democracia moderna, permitindo
sua passagem de democracia liberal á democracia social, encontra-se no fato de
que somente as classes populares e os excluídos (as “minorias”) reivindicam
direitos e criam novos direitos;
7. Forma política na qual a distinção entre o poder e o
governante é garantida não só pela presença de leis e pela divisão de várias
esferas de autoridade, mas também pela existência das eleições, pois estas
(contrariamente do que afirma a ciência política) não significam mera
“alternância no poder”, mas assinalam que o poder está sempre vazio, que seu
detentor é a sociedade e que o governante apenas o ocupa por haver recebido um
mandato temporário para isto. Em outras palavras, os sujeitos políticos não são
simples votantes, mas eleitores. Eleger significa não só exercer o poder, mas
manifestar a origem do poder, repondo o princípio afirmado pelos romanos quando
inventaram a política: eleger é “dar a alguém aquilo que se possui, porque
ninguém pode dar o que não tem”, isto é, eleger é afirmar-se soberano para
escolher ocupantes temporários do governo.
Dizemos, então, que uma sociedade – e não um simples regime
de governo – é democrática quando, além de eleições, partidos políticos,
divisão dos três poderes da república, respeito à vontade da maioria e da
minoria, institui algo mais profundo, que é condição do próprio regime
político, ou seja, quando institui direitos e que essa instituição é uma
criação social, de tal maneira que a atividade democrática social realiza-se
como uma contrapoder social que determina, dirige, controla e modifica a ação
estatal e o poder dos governantes.
Se esses são os principais traços da sociedade democrática,
podemos avaliar as enormes dificuldades para instituir a democracia no Brasil.
De fato, a sociedade brasileira é estruturalmente violenta, hierárquica,
vertical, autoritária e oligárquica e o Estado é patrimonialista e cartorial,
organizado segundo a lógica clientelista e burocrática. O clientelismo bloqueia
a prática democrática da representação – o representante não é visto como
portador de um mandato dos representados, mas como provedor de favores aos
eleitores. A burocracia bloqueia a democratização do Estado porque não é uma
organização do trabalho e sim uma forma de poder fundada em três princípios
opostos aos democráticos: a hierarquia, oposta à igualdade; o segredo, oposto
ao direito à informação; e a rotina de procedimentos, oposta à abertura
temporal da ação política.
Além disso, social e economicamente nossa sociedade está
polarizada entre a carência absoluta das camadas populares e o privilégio
absoluto das camadas dominantes e dirigentes, bloqueando a instituição e a
consolidação da democracia. Um privilégio é, por definição, algo particular que
não pode generalizar-se nem universalizar-se sem deixar de ser privilégio. Uma
carência é uma falta também particular ou específica que se exprime numa
demanda também particular ou específica, não conseguindo generalizar-se nem
universalizar-se. Um direito, ao contrário de carências e privilégios, não é
particular e específico, mas geral e universal, seja porque é o mesmo e válido
para todos os indivíduos, grupos e classes sociais, seja porque embora
diferenciado é reconhecido por todos (como é caso dos chamados direitos das
minorias). Assim, a polarização econômico-social entre a carência e o
privilégio ergue-se como obstáculo à instituição de direitos, definidora da
democracia.
A esses obstáculos, podemos acrescentar ainda aquele
decorrente do neoliberalismo, qual seja o encolhimento do espaço público e o
alargamento do espaço privado. Economicamente, trata-se da eliminação de
direitos econômicos, sociais e políticos garantidos pelo poder público, em
proveito dos interesses privados da classe dominante, isto é, em proveito do
capital; a economia e a política neoliberais são a decisão de destinar os
fundos públicos aos investimentos do capital e de cortar os investimentos
públicos destinados aos direitos sociais, transformando-os em serviços
definidos pela lógica do mercado, isto é, a privatização dos direitos
transformados em serviços, privatização que aumenta a cisão social entre a
carência e o privilégio, aumentando todas formas de exclusão. Politicamente o
encolhimento do público e o alargamento do privado colocam em evidência o bloqueio
a um direito democrático fundamental sem o qual a cidadania, entendida como
participação social, política e cultural é impossível, qual seja, o direito à
informação.
II. Os meios de
comunicação como exercício de poder
Podemos focalizar o exercício do poder pelos meios de
comunicação de massa sob dois aspectos principais: o econômico e o ideológico.
Do ponto de vista econômico, os meios de comunicação fazem
parte da indústria cultural. Indústria porque são empresas privadas operando no
mercado e que, hoje, sob a ação da chamada globalização, passa por profundas
mudanças estruturais, “num processo nunca visto de fusões e aquisições,
companhias globais ganharam posições de domínio na mídia.”, como diz o
jornalista Caio Túlio Costa. Além da forte concentração (os oligopólios beiram
o monopólio), também é significativa a presença, no setor das comunicações, de
empresas que não tinham vínculos com ele nem tradição nessa área. O porte dos
investimentos e a perspectiva de lucros jamais vistos levaram grupos proprietários
de bancos, indústria metalúrgica, indústria elétrica e eletrônica, fabricantes
de armamentos e aviões de combate, indústria de telecomunicações a adquirir,
mundo afora, jornais, revistas, serviços de telefonia, rádios e televisões,
portais de internet, satélites, etc..
No caso do Brasil, o poderio econômico dos meios é
inseparável da forma oligárquica do poder do Estado, produzindo um dos
fenômenos mais contrários à democracia, qual seja, o que Alberto Dines chamou
de “coronelismo eletrônico”, isto é, a forma privatizada das concessões
públicas de canais de rádio e televisão, concedidos a parlamentares e lobbies
privados, de tal maneira que aqueles que deveriam fiscalizar as concessões
públicas se tornam concessionários privados, apropriando-se de um bem público
para manter privilégios, monopolizando a comunicação e a informação. Esse
privilégio é um poder político que se ergue contra dois direitos democráticos
essenciais: a isonomia (a igualdade perante a lei) e a isegoria (o direito à
palavra ou o igual direito de todos de expressar-se em público e ter suas
opiniões publicamente discutidas e avaliadas). Numa palavra, a cidadania
democrática exige que os cidadãos estejam informados para que possam opinar e
intervir politicamente e isso lhes é roubado pelo poder econômico dos meios de
comunicação.
A isonomia e a isegoria são também ameaçadas e destruídas
pelo poder ideológico dos meios de comunicação. De fato, do ponto de vista
ideológico, a mídia exerce o poder sob a forma do denominamos a ideologia da
competência, cuja peculiaridade está em seu modo de aparecer sob a forma
anônima e impessoal do discurso do conhecimento, e cuja eficácia social,
política e cultural está fundada na crença na racionalidade técnico-científica.
A ideologia da competência pode ser resumida da seguinte
maneira: não é qualquer um que pode em qualquer lugar e em qualquer ocasião
dizer qualquer coisa a qualquer outro. O discurso competente determina de
antemão quem tem o direito de falar e quem deve ouvir, assim como pré-determina
os lugares e as circunstâncias em que é permitido falar e ouvir, e define
previamente a forma e o conteúdo do que deve ser dito e precisa ser ouvido.
Essas distinções têm como fundamento uma distinção principal, aquela que divide
socialmente os detentores de um saber ou de um conhecimento (científico,
técnico, religioso, político, artístico), que podem falar e têm o direito de
mandar e comandar, e os desprovidos de saber, que devem ouvir e obedecer. Numa
palavra, a ideologia da competência institui a divisão social entre os
competentes, que sabem e por isso mandam, e os incompetentes, que não sabem e
por isso obedecem.
Enquanto discurso do conhecimento, essa ideologia opera com a
figura do especialista. Os meios de comunicação não só se alimentam dessa
figura, mas não cessam de instituí-la como sujeito da comunicação. O
especialista competente é aquele que, no rádio, na TV, na revista, no jornal ou
no multimídia, divulga saberes, falando das últimas descobertas da ciência ou
nos ensinando a agir, pensar, sentir e viver. O especialista competente nos
ensina a bem fazer sexo, jardinagem, culinária, educação das crianças,
decoração da casa, boas maneiras, uso de roupas apropriadas em horas e locais
apropriados, como amar Jesus e ganhar o céu, meditação espiritual, como ter um
corpo juvenil e saudável, como ganhar dinheiro e subir na vida. O principal
especialista, porém, não se confunde com nenhum dos anteriores, mas é uma
espécie de síntese, construída a partir das figuras precedentes: é aquele que
explica e interpreta as notícias e os acontecimentos econômicos, sociais,
políticos, culturais, religiosos e esportivos, aquele que devassa, eleva e
rebaixa entrevistados, zomba, premia e pune calouros – em suma, o chamado
“formador de opinião” e o “comunicador”.
Ideologicamente, o poder da comunicação de massa não é um
simples inculcação de valores e ideias, pois, dizendo-nos o que devemos pensar,
sentir, falar e fazer, o especialista, o formador de opinião e o comunicados
nos dizem que nada sabemos e por isso seu poder se realiza como manipulação e
intimidação social e cultural.
Um dos aspectos mais terríveis desse duplo poder dos meios de
comunicação se manifesta nos procedimentos midiáticos de produção da culpa e
condenação sumária dos indivíduos, por meio de um instrumento psicológico
profundo: a suspeição, que pressupõe a presunção de culpa. Ao se referir ao
período do Terror, durante a Revolução Francesa, Hegel considerou que uma de
suas marcas essenciais é afirmar que, por princípio, todos são suspeitos e que
os suspeitos são culpados antes de qualquer prova. Ao praticar o terror, a
mídia fere dois direitos constitucionais democráticos, instituídos pela
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 (Revolução Francesa) e
pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, quais sejam: a
presunção de inocência (ninguém pode ser considerado culpado antes da prova da
culpa) e a retratação pública dos atingidos por danos físicos, psíquicos e
morais, isto é, atingidos pela infâmia, pela injúria e pela calúnia. É para
assegurar esses dois direitos que as sociedades democráticas exigem leis para
regulação dos meios de comunicação, pois essa regulação é condição da liberdade
e da igualdade que definem a sociedade democrática.
III
Faz parte da vida da grande maioria da população brasileira
ser espectadora de um tipo de programa de televisão no qual a intimidade das
pessoas é o objeto central do espetáculo: programas de auditório, de
entrevistas e de debates com adultos, jovens e crianças contando suas preferências
pessoais desde o sexo até o brinquedo, da culinária ao vestuário, da leitura à
religiosidade, do ato de escrever ou encenar uma peça teatral, de compor uma
música ou um balé até os hábitos de lazer e cuidados corporais.
As ondas sonoras do rádio e as transmissões televisivas
tornam-se cada vez mais consultórios sentimental, sexual, gastronômico,
geriátrico, ginecológico, culinário, de cuidados com o corpo (ginástica,
cosméticos, vestuário, medicamentos), de jardinagem, carpintaria, bastidores da
criação artística, literária e da vida doméstica. Há programas de entrevista no
rádio e na televisão que ou simulam uma cena doméstica – um almoço, um jantar –
ou se realizam nas casas dos entrevistados durante o café da manhã, o almoço ou
o jantar, nos quais a casa é exibida, os hábitos cotidianos são descritos e
comentados, álbuns de família ou a própria são mostrados ao vivo e em cores. Os
entrevistados e debatedores, os competidores dos torneios de auditório, os que
aparecem nos noticiários, todos são convidados e mesmo instados com vigor a que
falem de suas preferências, indo desde sabores de sorvete até partidos
políticos, desde livros e filmes até hábitos sociais. Não é casual que os
noticiários, no rádio e na televisão, ao promoverem entrevistas em que a
notícia é intercalada com a fala dos direta ou indiretamente envolvidos no
fato, tenham sempre repórteres indagando a alguém: “o que você sentiu/sente com
isso?” ou “o que você achou/acha disso?” ou “você gosta? não gosta disso?”. Não
se pergunta aos entrevistados o que pensam ou o que julgam dos acontecimentos,
mas o que sentem, o que acham, se lhes agrada ou desagrada.
Também tornou-se um hábito nacional jornais e revistas
especializarem-se cada vez mais em telefonemas a “personalidades”
indagando-lhes sobre o que estão lendo no momento, que filme foram ver na
última semana, que roupa usam para dormir, qual a lembrança infantil mais
querida que guardam na memória, que música preferiam aos 15 anos de idade, o
que sentiram diante de uma catástrofe nuclear ou ecológica, ou diante de um
genocídio ou de um resultado eleitoral, qual o sabor do sorvete preferido, qual
o restaurante predileto, qual o perfume desejado. Os assuntos se equivalem,
todos são questão de gosto ou preferência, todos se reduzem à igual banalidade
do “gosto” ou “não gosto”, do “achei ótimo” ou “achei horrível”.
Todos esses fatos nos conduzem a uma conclusão: a mídia está
imersa na cultura do narcisismo.
Como observa Christopher Lash, em A Cultura do Narcisismo, os
mass media tornaram irrelevantes as categorias da verdade e da falsidade
substituindo-as pelas noções de credibilidade ou plausibilidade e
confiabilidade – para que algo seja aceito como real basta que apareça como
crível ou plausível, ou como oferecido por alguém confiável. Os fatos cedem
lugar a declarações de “personalidades autorizadas”, que não transmitem
informações, mas preferências e estas se convertem imediatamente em propaganda.
Como escreve Lash, “sabendo que um público cultivado é ávido por fatos e
cultiva a ilusão de estar bem informado, o propagandista moderno evita slogans
grandiloqüentes e se atém a ‘fatos’, dando a ilusão de que a propaganda é
informação”.
Qual a base de apoio da credibilidade e da confiabilidade? A
resposta encontra-se num outro ponto comum aos programas de auditório, às
entrevistas, aos debates, às indagações telefônicas de rádios, revistas e
jornais, aos comerciais de propaganda. Trata-se do apelo à intimidade, à
personalidade, à vida privada como suporte e garantia da ordem pública. Em
outras palavras, os códigos da vida pública passam a ser determinados e
definidos pelos códigos da vida privada, abolindo-se a diferença entre espaço
público e espaço privado. Assim, as relações interpessoais, as relações
intersubjetivas e as relações grupais aparecem com a função de ocultar ou de
dissimular as relações sociais enquanto sociais e as relações políticas
enquanto políticas, uma vez que a marca das relações sociais e políticas é
serem determinadas pelas instituições sociais e políticas, ou seja, são relações
mediatas, diferentemente das relações pessoais, que são imediatas, isto é,
definidas pelo relacionamento direto entre pessoas e por isso mesmo nelas os
sentimentos, as emoções, as preferências e os gostos têm um papel decisivo. As
relações sociais e políticas, que são mediações referentes a interesses e a
direitos regulados pelas instituições, pela divisão social das classes e pela
separação entre o social e o poder político, perdem sua especificidade e passam
a operar sob a aparência da vida privada, portanto, referidas a preferências,
sentimentos, emoções, gostos, agrado e aversão.
Não é casual, mas uma consequência necessária dessa
privatização do social e do político, a destruição de uma categoria essencial
das democracias, qual seja a da opinião pública. Esta, em seus inícios (desde a
Revolução Francesa de 1789), era definida como a expressão, no espaço público,
de uma reflexão individual ou coletiva sobre uma questão controvertida e
concernente ao interesse ou ao direito de uma classe social, de um grupo ou
mesmo da maioria. A opinião pública era um juízo emitido em público sobre uma
questão relativa à vida política, era uma reflexão feita em público e por isso
definia-se como uso público da razão e como direito à liberdade de pensamento e
de expressão.
É sintomático que, hoje, se fale em “sondagem de opinião”.
Com efeito, a palavra sondagem indica que não se procura a expressão pública
racional de interesses ou direitos e sim que se vai buscar um fundo silencioso,
um fundo não formulado e não refletido, isto é, que se procura fazer vir à tona
o não-pensado, que existe sob a forma de sentimentos e emoções, de
preferências, gostos, aversões e predileções, como se os fatos e os
acontecimentos da vida social e política pudessem vir a se exprimir pelos sentimentos
pessoais. Em lugar de opinião pública, tem-se a manifestação pública de
sentimentos.
Nada mais constrangedor e, ao mesmo tempo, nada mais
esclarecedor do que os instantes em que o noticiário coloca nas ondas sonoras
ou na tela os participantes de um acontecimento falando de seus sentimentos,
enquanto locutores explicam e interpretam o que se passa, como se os
participantes fossem incapazes de pensar e de emitir juízo sobre aquilo de que
foram testemunhas diretas e partes envolvidas. Constrangedor, porque o rádio e
a televisão declaram tacitamente a incompetência dos participantes e envolvidos
para compreender e explicar fatos e acontecimentos de que são protagonistas.
Esclarecedor, porque esse procedimento permite, no instante mesmo em que se
dão, criar a versão do fato e do acontecimento como se fossem o próprio fato e
o próprio acontecimento. Assim, uma partilha é claramente estabelecida: os
participantes “sentem”, portanto, não sabem nem compreendem (não pensam); em
contrapartida, o locutor pensa, portanto, sabe e, graças ao seu saber, explica
o acontecimento.
É possível perceber três deslocamentos sofridos pela ideia e
prática da opinião pública: o primeiro, como salientamos, é a substituição da
ideia de uso público da razão para exprimir interesses e direitos de um
indivíduo, um grupo ou uma classe social pela ideia de expressão em público de
sentimentos, emoções, gostos e preferências individuais; o segundo, como também
observamos, é a substituição do direito de cada um e de todos de opinar em público
pelo poder de alguns para exercer esse direito, surgindo, assim, a curiosa
expressão “formador de opinião”, aplicada a intelectuais, artistas e
jornalistas; o terceiro, que ainda não havíamos mencionado, decorre de uma
mudança na relação entre s vários meios de comunicação sob os efeitos das
tecnologias eletrônica e digital e da formação de oligopólios midiáticos
globalizados (alguns autores afirmam que o século XXI começou com a existência
de 10 ou 12 conglomerados de mass media de alcance global). Esse terceiro
deslocamento se refere à forma de ocupação do espaço da opinião pública pelos
profissionais dos meios de comunicação. Esses deslocamentos explicam algo
curioso, ocorrido durante as sondagens de intenção de voto nas eleições
presidenciais de 2006: diante dos resultados, uma jornalista do jornal O Globo
escreveu que o povo estava contra a opinião pública!
O caso mais interessante é, sem dúvida, o do jornalismo
impresso. Em tempos passados, cabia aos jornais a tarefa noticiosa e um jornal
era fundamentalmente um órgão de notícias. Sem dúvida, um jornal possuía
opiniões e as exprimia: isso era feito, de um lado, pelos editorais e por
artigos de não-jornalistas, e, de outro, pelo modo de apresentação da notícia
(escolha das manchetes e do “olho”, determinação da página em que deveria
aparecer e na vizinhança de quais outras, do tamanho do texto, da presença ou
ausência de fotos, etc.). Ora, com os meios eletrônicos e digitais e a
televisão, os fatos tendem a ser noticiados enquanto estão ocorrendo, de
maneira que a função noticiosa do jornal é prejudicada, pois a notícia impressa
é posterior à sua transmissão pelos meios eletrônicos e pela televisão. Ou na
linguagem mais costumeira dos meios de comunicação: no mercado de notícias, o
jornalismo impresso vem perdendo competitividade (alguns chamam a isso de
progresso; outros, de racionalidade inexorável do mercado!).
O resultado dessa situação foi duplo: de um lado, a notícia é
apresentada de forma mínima, rápida e, frequentemente, inexata – o modelo conhecido
como news letter – e, de outro, deu-se a passagem gradual do jornal como órgão
de notícias a órgão de opinião, ou seja, os jornalistas comentam e interpretam
as notícias, opinando sobre elas. Gradualmente desaparece uma figura essencial
do jornalismo: o jornalismo investigativo, que cede lugar ao jornalismo
assertivo ou opinativo. Os jornalistas passam, assim, o ocupar o lugar que,
tradicionalmente, cabia a grupos e classes sociais e a partidos políticos e,
além disso, sua opinião não fica restrita ao meio impresso, mas passa a servir
como material para os noticiários de rádio e televisão, ou seja, nesses
noticiários, a notícia é interpretada e avaliada graças à referência às colunas
dos jornais.
Os deslocamentos mencionados e, particularmente, este último,
têm conseqüências graves sob dois aspectos principais:
1) Uma vez que o jornalista concentra poderes e forma a
opinião pública, pode sentir-se tentado a ir além disso e criar a própria
realidade, isto é, sua opinião passa a ter o valor de um fato e a ser tomada
como um acontecimento real;
2) Os efeitos da concentração do poder econômico midiático.
Os meios de comunicação tradicionais (jornal, rádio, cinema, televisão) sempre
foram propriedade privada de indivíduos e grupos, não podendo deixar de exprimir
seus interesses particulares ou privados, ainda que isso sempre tenha imposto
problemas e limitações à liberdade de expressão, que fundamenta a ideia de
opinião pública. Hoje, porém, os conglomerados de alcance global controlam não
só os meios tradicionais, mas também os novos meios eletrônicos e digitais, e
avaliam em termos de custo-benefício as vantagens e desvantagens do jornalismo
escrito ou da imprensa, podendo liquidá-la, se não acompanhar os ares do tempo.
Esses dois aspectos incidem diretamente sobre a transformação
da verdade e da falsidade em questão de credibilidade e plausibilidade. Rápido,
barato, inexato, partidarista, mescla de informações aleatoriamente obtidas e
pouco confiáveis, não investigativo, opinativo ou assertivo, detentor da credibilidade
e da plausibilidade, o jornalismo se tornou protagonista da destruição da
opinião pública.
De fato, a desinformação é o principal resultado da maioria
dos noticiários nos jornais, no rádio e na televisão, pois, de modo geral, as
notícias são apresentadas de maneira a impedir que se possa localizá-la no
espaço e no tempo.
Ausência de referência espacial ou atopia: as diferenças
próprias do espaço percebido (perto, longe, alto, baixo, grande, pequeno) são
apagadas; o aparelho de rádio e a tela da televisão tornam-se o único espaço
real. As distâncias e proximidades, as diferenças geográficas e territoriais
são ignoradas, de tal modo que algo acontecido na China, na Índia, nos Estados
Unidos ou em Campina Grande apareça igualmente próximo e igualmente distante.
Ausência de referência temporal ou acronia: os acontecimentos
são relatados como se não tivessem causas passadas nem efeitos futuros; surgem
como pontos puramente atuais ou presentes, sem continuidade no tempo, sem
origem e sem conseqüências; existem enquanto forem objetos de transmissão e
deixam de existir se não forem transmitidos. Têm a existência de um espetáculo
e só permanecem na consciência dos ouvintes e espectadores enquanto permanecer
o espetáculo de sua transmissão.
Como operam efetivamente
os noticiários?
Em primeiro lugar, estabelecem diferenças no conteúdo e na
forma das notícias de acordo com o horário da transmissão e o público, rumando
para o sensacionalismo e o popularesco nos noticiários diurnos e do início da
noite e buscando sofisticação e aumento de fatos nos noticiários de fim de
noite. Em segundo, por seleção das notícias, omitindo aquelas que possam
desagradar o patrocinador ou os poderes estabelecidos. Em terceiro, pela
construção deliberada e sistemática de uma ordem apaziguadora: em sequência,
apresentam, no início, notícias locais, com ênfase nas ocorrências policiais,
sinalizando o sentimento de perigo; a seguir, entram as notícias regionais, com
ênfase em crises e conflitos políticos e sociais, sinalizando novamente o
perigo; passam às notícias internacionais, com ênfase em guerras e cataclismos
(maremoto, terremoto, enchentes, furacões), ainda uma vez sinalizando perigo;
mas concluem com as notícias nacionais, enfatizando as ideias de ordem e
segurança, encarregadas de desfazer o medo produzido pelas demais notícias. E,
nos finais de semana, terminam com notícias de eventos artísticos ou sobre
animais (nascimento de um ursinho, fuga e retorno de um animal em cativeiro,
proteção a espécies ameaçadas de extinção), de maneira a produzir o sentimento
de bem-estar no espectador pacificado, sabedor de que, apesar dos pesares, o
mundo vai bem, obrigado.
Paradoxalmente, rádio e televisão podem oferecer-nos o mundo
inteiro num instante, mas o fazem de tal maneira que o mundo real desaparece,
restando apenas retalhos fragmentados de uma realidade desprovida de raiz no
espaço e no tempo. Como desconhecemos as determinações econômico-territoriais
(geográficas, geopolíticas, etc.) e como ignoramos os antecedentes temporais e
as consequências dos fatos noticiados, não podemos compreender seu verdadeiro
significado. Essa situação se agrava com a TV a cabo, com emissoras dedicadas
exclusivamente a notícias, durante 24 horas, colocando num mesmo espaço e num
mesmo tempo (ou seja, na tela) informações de procedência, conteúdo e
significado completamente diferentes, mas que se tornam homogêneas pelo modo de
sua transmissão. O paradoxo está em que há uma verdadeira saturação de
informação, mas, ao fim, nada sabemos, depois de termos tido a ilusão de que
fomos informados sobre tudo.
Se não dispomos de recursos que nos permitam avaliar a
realidade e a veracidade das imagens transmitidas, somos persuadidos de que
efetivamente vemos o mundo quando vemos a TV ou quando navegamos pela internet.
Entretanto, como o que vemos são as imagens escolhidas, selecionadas, editadas,
comentadas e interpretadas pelo transmissor das notícias, então é preciso
reconhecer que a TV é o mundo ou que a internet é o mundo.
A multimídia potencializa o fenômeno da indistinção entre as
mensagens e entre os conteúdos. Como todas as mensagens estão integradas num
mesmo padrão cognitivo e sensorial, uma vez que educação, notícias e
espetáculos são fornecidos pelo mesmo meio, os conteúdos se misturam e se
tornam indiscerníveis. No sistema de comunicação multimídia a própria realidade
fica totalmente imersa em uma composição de imagens virtuais num mundo irreal,
no qual as aparências não apenas se encontram na tela comunicadora da
experiência, mas se transformam em experiência. Todas as mensagens de todos os
tipos são incluídas no meio por que fica tão abrangente, tão diversificado, tão
maleável, que absorve no mesmo texto ou no mesmo espaço/tempo toda a
experiência humana, passada, presente e futura, como num ponto único do universo.
Se, portanto, levarmos em consideração o monopólio da
informação pelas empresas de comunicação de massa, podemos considerar, do ponto
de vista da ação política, as redes sociais como ação democratizadora tanto por
quebrar esse monopólio, assegurando a produção e a circulação livres da
informação, como também por promover acontecimentos políticos de afirmação do
direito democrático à participação. No entanto, os usuários das redes sociais
não possuem autonomia em sua ação e isto sob dois aspectos: em primeiro lugar,
não possuem o domínio tecnológico da ferramenta que empregam e, em segundo, não
detêm qualquer poder sobre a ferramenta empregada, pois este poder é uma
estrutura altamente concentrada, a Internet Protocol, com dez servidores nos
Estados Unidos e dois no Japão, nos quais estão alojados todos os endereços
eletrônicos mundiais, de maneira que, se tais servidores decidirem se desligar,
desaparece toda a internet; além disso, a gerência da internet é feita por uma
empresa norte-americana em articulação com o Departamento de Comércio dos
Estados Unidos, isto é, gere o cadastro da internet mundial. Assim, sob o
aspecto maravilhosamente criativo e anárquico das redes sociais em ação
política ocultam-se o controle e a vigilância sobre seus usuários em escala
planetária, isto é, sobre toda a massa de informação do planeta.
Na perspectiva da democracia, a questão que se coloca,
portanto, é saber quem detêm o controle dessa massa cósmica de informações. Ou
seja, o problema é saber quem tem a gestão de toda a massa de informações que
controla a sociedade, quem utiliza essas informações, como e para que as
utiliza, sobretudo quando se leva em consideração um fato técnico, que define a
operação da informática, qual seja, a concentração e centralização da informação,
pois tecnicamente, os sistemas informáticos operam em rede, isto é, com a
centralização dos dados e a produção de novos dados pela combinação dos já
coletados.
O "novo" (velho) conglomerado
Tarso Genro (*) - Carta Maior
O julgamento do chamado “mensalão” e o esforço que vem sendo
feito pela mídia, sustentado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, de
separar a presidenta Dilma do presidente Lula, configura um novo momento da
luta política no país e exige uma nova atitude da esquerda para disputar os
rumos da revolução democrática em curso no Brasil.
A tentativa de separar Lula e Dilma, como se o projeto de
governo da presidenta fosse uma ruptura com tudo que Lula representou para o
país, nos seus dois governos, redundou num fracasso completo. Só quem não
conhece Dilma poderia achar que ela embarcaria nesta armadilha primária. Mas a
tática da direita e da centro-direita brasileira, no contexto político que vive
o país e a América Latina, não foi ingênua. Ela revela uma estratégia bem
concebida para restaurar a hegemonia do “conglomerado” centro-direitista que já
reinou no país.
Os protagonistas desta estratégia têm uma visão voltada, não
somente para as próximas duas eleições presidenciais, mas também para o
esfacelamento do principal partido de massas da esquerda brasileira. Com seus
acertos, erros, desvios e crises -que de resto atingem toda esquerda mundial no
“pós muro”- o PT vem mudando a estrutura de classes da sociedade brasileira e
reorganizando os interesses destas classes no cenário da “grande política”,
aquela que decide os rumos da democracia e dos modelos de desenvolvimento.
O PT, através dos nossos governos de “coalizão”, vem
promovendo uma ascensão extraordinária das classes populares, no plano social e
também no universo da política. O “incômodo PT”, formado por Lula, é o suporte
principal, com seus aliados de esquerda, das mudanças na letárgica desigualdade
social que imobilizava o país. O ascenso social de dezenas de milhões,
conjugado com as novas perspectivas para uma parte do empresariado compartilhar
de um novo projeto de nação - cooperativa, soberana e interdependente na
globalização - pode abrir um novo ciclo de mudanças.
A espetacularização do julgamento do “mensalão”, colocado
como marco “inaugural” da corrupção no Brasil e os vínculos deste processo
manipulado com o PT, como instituição; a insistência dos vínculos do “mensalão”
com a figura do ex-Presidente Lula; a demonização da política e a glorificação
da gestão pública “técnica”, isenta de “política”, que passa a ser sinônimo de
pureza institucional (tática sempre praticada pelo fascismo em momentos de
crise); a “revisão” do governo Lula, especialmente promovida por manifestações
do principal líder da oposição (FHC, o único que restou em avançada idade),
tudo isso aclara a tentativa de reorganização de um bloco político e social,
neoconservador e neoliberal, que já havia colocado o país numa situação
dramática. Como já registrou um editorial da Carta Maior:
“Para ficar apenas no
alicerce fiscal/monetário: em dezembro de 2002 - último mês do PSDB na
Presidência da República - a relação dívida/PIB atingia estratosféricos 63,2%,
praticamente o dobro dos 30,2% existentes no início do ciclo tucano, em 1994.
Anote-se: isso, depois de um salto da carga fiscal, que passou de 28,6% para
35% no período. Hoje a relação dívida/PIB é de 35%; a previsão para 2013 é de
32,7%” - (03/09/2012 – Saul Leblon).
Este bloco organiza a direita intelectual de corte liberal e
neoliberal, com o apoio ideológico dos grandes meios de comunicação (que jamais
engoliram Lula e o PT), visando recuperar o partido tucano. Arruinado pelas
suas lutas internas e fracionado pelos seus interesses regionais e empresariais
divergentes, é preciso dar ao PSDB algum novo conteúdo para que ele possa
renascer. Os Democratas não conseguiram cumprir esta função, o PMDB está
dividido segundo os seus interesses regionais fracionários e o PSDB é o único
sobrevivente autêntico do projeto representado pelos dois governos de FHC.
A tática supostamente renovadora deste “novo“ conglomerado
não leva em consideração, porém, três mudanças fundamentais, que o país sofreu
nos últimos dez anos. Estas mudanças possivelmente impeçam a restauração
neoliberal:
Primeiro, o país já tem um universo empresarial novo, que se
fortaleceu nos governos Lula, ao qual não mais interessa o projeto neoliberal
em crise. Novos processos de acumulação “via” mercado interno, pré-sal,
construção civil pesada e habitacional, setor de fabricação de máquinas e
equipamentos, produção de bioenergia, produção de alimentos para consumo
interno, negócios originários das políticas de cooperação e construção de
infraestrutura - tudo orientado por ações normativas do Estado - afastaram amplos
setores burgueses (tradicionalmente submissos à ideia de uma nação “associada e
dependente”) dos seus antigos comandantes. Agora estes setores vinculam a
reprodução do seu capital e dos seus negócios a outro modelo de
desenvolvimento, ao qual o neoliberalismo só atrapalha.
Segundo, como o projeto pretendido pelo “novo” conglomerado
não difere muito daquele do presidente FHC, e é uma restauração, ele tem
impedimentos sociais de monta. A combinação ousada de reorganização financeira
do Estado, com investimentos em infraestrutura, políticas de inclusão produtiva
e educacional voltadas para as comunidades de baixa renda e, ainda, a
incidência soberana do país no cenário internacional, constituíram bases
populares fortes no país, em defesa do projeto comandado por Lula. Os governos
Lula recuperaram a nossa autoestima, reduziram as desigualdades sociais e
regionais, que sempre marcaram a história do Brasil e promoveram dezenas de
milhões a condições de mínima dignidade. Ao não levar em consideração estas mudanças,
o “novo” conglomerado tucano, mais a mídia e a intelectualidade liberal e
neoliberal, descolam-se do sentimento popular e não conseguem promover o seu
“novo” projeto.
Terceiro, a organização do “novo” conglomerado não leva em
consideração, também, a existência nos dias de hoje das redes sociais, das
novas tecnologias de informação, das redes de comunicação e informação
alternativas, que formam núcleos de resistência e de produção de uma opinião
pública livre. São os novos espaços autônomos que não estão subordinados aos
velhos métodos de manipulação que permeiam a maior parte da grande imprensa. O
controle da produção e formação da opinião não é mais aquele legado pela
ditadura, já que há um amplo espaço autônomo de promoção da circulação da
informação e da opinião, que é impossível de controlar.
Concordemos ou não com as sentenças que advirão do
“mensalão”, elas deverão ser respeitadas por todos e por nós. É o Estado de
Direito funcionando. Especialmente nós, do Partido dos Trabalhadores, devemos
tirar lições políticas e jurídicas do episódio. Analisar todas as causas que
abriram as maiores feridas na nossa história não significa inculpar pessoas ou
buscar bodes expiatórios, pois a função de um partido político socialista não é
a de ser sucursal de um Tribunal ou de uma Delegacia de Polícia. A função de um
partido como o nosso é promover a condução intelectual e moral de um
contingente do povo para levá-lo a melhores níveis de emancipação política e
social.
O nosso patrimônio é maior do que este legado do “mensalão”.
O nosso dever, agora, é compreender que se abre um novo cenário na luta
política do Brasil e que devemos compor uma força política orgânica e plural,
que amarre fortemente as convicções da esquerda democrática e socialista com os
ideais progressistas da centro-esquerda e do centro-democrático. É um novo
patamar de unidade política que deve ser pautado pelos partidos de esquerda, em
conjunto, para organizar e dirigir esses novos contingentes sociais, que se
organizaram na estrutura de classes da sociedade e cujo futuro não tem chances
de ser beneficiado pelo “novo” e velho conglomerado.
(*) Governador do Estado do Rio Grande do Sul.
Mensalão foi conluio da imprensa contra Lula
Veja aqui o que o
Partido da Imprensa Golpista (PIG- Partido da Imprensa Golpista) não mostra!
TESE É DO JURISTA CELSO
BANDEIRA DE MELLO; LEIA SUA ENTREVISTA À REVISTA CONSULTOR JURÍDICO
Do Sintonia Fina - 13
de Agosto de 2012
Estrela do direito
administrativo, o jurista Celso Bandeira de Mello falou sobre o processo do
mensalão. Leia trechos de sua entrevista ao repórter Elton Bezerra, da revista
Consultor Jurídico,, na qual ele também falou sobre meios de comunicação e os
governos Lula e FHC:
ConJur — Como que o
senhor vê o processo do mensalão?
Celso Antônio Bandeira
de Melo − Para ser bem sincero, eu nem sei se o mensalão existe. Porque houve
evidentemente um conluio da imprensa para tentar derrubar o presidente Lula na
época. Portanto, é possível que o mensalão seja em parte uma criação da
imprensa. Eu não estou dizendo que é, mas não posso excluir que não seja.
ConJur − Como o senhor
espera que o Supremo vá se portar?
Bandeira de Melo − Eu
não tenho muita esperança de que seja uma decisão estritamente técnica. Mas
posso me enganar, às vezes a gente acha que o Supremo vai decidir tecnicamente
e ele vai e decide tecnicamente.
ConJur − O ministro
Eros Grau disse uma vez que o Supremo decidia muitos casos com base no
princípio da razoabilidade e não com base na Constituição. O que o senhor acha
disso?
Bandeira de Melo − Pode
até ser, mas eu acho que muitas vezes quem decide é a opinião pública.
ConJur – E o que o
senhor acha disso?
Bandeira de Melo –
Péssimo. A opinião pública é a opinião da imprensa, não existe opinião pública.
Acho muito ruim decidir de acordo com a imprensa.
ConJur – E como o
senhor avalia a imprensa?
Bandeira de Melo − A
grande imprensa é o porta-voz do pensamento das classes conservadoras. E o
domesticador do pensamento das classes dominadas. As pessoas costumam encarar
os meios de comunicação como entidades e empresas cujo objetivo é informar as
pessoas. Mas esquecem que são empresas, que elas estão aí para ganhar dinheiro.
Graças a Deus vivemos numa época em que a internet nos proporciona a
possibilidade de abeberarmos nos meios mais variados. Eu mesmo tenho uma
relação com uns quarenta sites onde posso encontrar uma abordagem dos
acontecimentos do mundo ou uma avaliação deles por olhos muito diversos; que
vai da extrema esquerda até a extrema direita. Não preciso ficar escravizado
pelo que diz a chamada grande imprensa. Você pega a Folha de S.Paulo e é
inacreditável. É muito irresponsável. Eles dizem o que querem, é por isso que
eu ponho muita responsabilidade no judiciário.
ConJur – O que o
Judiciário deveria fazer?
Bandeira de Melo −
Quando as pessoas movem ações contra eles, contra os absurdos que eles fazem,
as indenizações são ridículas. Não adianta você condenar uma Folha, por
exemplo, ou uma Veja a pagar R$ 30 mil, R$ 50 mil, R$ 100 mil. Isso não é
dinheiro. Tem que condenar em R$ 2 milhões, R$ 3 milhões. Aí, sim, eles iriam
aprender. Do contrário eles fazem o que querem. Lembra que acabaram com a vida
de várias pessoas com o caso Escola Base? Que nível de responsabilidade é esse
que você acaba com a dignidade das pessoas, com a vida das pessoas, com a saúde
das pessoas e fica por isso mesmo? Essa é nossa imprensa.
ConJur − O senhor é a
favor da diminuição da maioridade penal?
Celso Antônio Bandeira
de Melo − Não consigo ser porque a vida inteira eu fui contra, mas hoje eu
balanço. Eu era firme como uma rocha, achava um absurdo, achava que era
necessário dar boas condições de vida para as crianças. Claro que devemos fazer
isso, mas enquanto existir televisão e não for permitida a censura, nós vamos
ter a continuidade dessa violência e as crianças vão assistir violência.
ConJur − O senhor é a
favor da censura na TV?
Bandeira de Melo − Sou
absolutamente a favor. Sou contra a censura ideológica. Essa eu sou
visceralmente contra. Mas a censura de costumes eu sou a favor.
ConJur − Como seria
essa censura de costumes?
Bandeira de Melo − Todo
mundo é [a favor], só que não tem coragem de dizer. Você é a favor de passar
filmes pedófilos na televisão? Eu não sou. Mas se passasse você se sentiria
como? Você é a favor de censurar. As pessoas não têm coragem de dizer, porque
depois do golpe virou palavrão ser a favor da censura. Você é a favor que passe
um filme que pregue o racismo, não importa que tipo de racismo, nem contra que
povo? Todo mundo é a favor da censura, mas as pessoas não têm coragem de dizer
por que não é politicamente correto.
ConJur − E a quem
caberia exercer essa censura?
Bandeira de Melo − Não
precisa ser de funcionário público. Um corpo da sociedade escolhido por
organismos razoavelmente confiáveis, como a OAB e certas entidades de
benemerência.
ConJur – Mas a censura
não é vedada pelas leis do país?
Bandeira de Melo − Você
diria que é proibido. Eu diria que não é tão proibido assim. Pegue a
Constituição e veja o que ela diz a respeito da defesa da criança, inclusive na
televisão. Portanto, seria perfeitamente possível, mas a palavra ficou
amaldiçoada.
ConJur – Por que
deveria haver censura?
Bandeira de Melo − A
imprensa escolhe o que noticia e usa uma merda de argumento que diz o seguinte:
“Nós não somos responsáveis por essas coisas, isso existe, são os outros que
fazem isso. Só estamos contando, nada mais.” Se fosse por isso, a humanidade
não teria dado um passo, porque a humanidade adorava ver os cristãos sendo
devorados pelos animais ou os gladiadores se matando. A humanidade adorava ver
as supostas feiticeiras sendo queimadas. A humanidade sempre gostou de coisas
de baixo nível e vis. Dizer que tem gente que gosta de assistir esses programas
ordinários não é argumento válido. Você diz esse mesmo argumento para passar e
acabou. A imprensa poderia dar notícias de coisas maravilhosas. Existe muita
gente boa, que fazem coisas excelentes. Não. Ela noticia só o que há de pior, e
você fica intoxicado por aquilo no último grau.
ConJur − O senhor acha
que a imprensa deveria ser obrigada a noticiar outras coisas?
Bandeira de Melo − Acho
que não dá para tolher a liberdade das pessoas nesse nível. Deveria haver uma
regulamentação da imprensa importante.
ConJur − Em todos os
meios: impresso, eletrônico?
Bandeira de Melo −
Todos. De maneira que os que trabalham, os empregados, deveriam ter uma
participação obrigatória e importante. O dono do jornal, da televisão tem
direito ao dinheiro daquele lugar, mas não às opiniões. Porque do contrário não
há mais a liberdade de pensamento. Há liberdade de meia dúzia de caras. O
pensamento é dos que produzem o jornal, é dos jornalistas. Não é um problema de
censura, é um problema de não entregar o controle a uma meia dúzia de famílias.
Abrir para a sociedade, abrir para os que trabalham no jornal, ou na rádio ou
na televisão, para que eles possam expressar sua opinião. E haver, sim, um
controle ético de moralidade e impedir certas indignidades.
ConJur − Algum exemplo
de uma indignidade cometida pela imprensa?
Bandeira de Melo −
Mostrar crianças sendo torturadas ou mostrar corpos dilacerados. Isso incentiva
[a violência], sim. O ser humano não é bonzinho. Você não tem que incentivar a
maldade. Porque os EUA são desse jeito? Eles exportam para nós tudo o que há de
pior. A boa imagem dos EUA no mundo quem dá é o cinema. Porque o cinema deles
tem coisas muito humanas, muito boas também. Para cá vem o lixo, o povo gosta
do lixo.
ConJur − Na época do
governo FHC havia um grande número de ações por improbidade administrativa, e
de certa forma, durante o governo do PT isso deu uma diminuída. O senhor acha
que o Ministério Público amadureceu, houve alguma mudança?
Bandeira de Melo − No
governo do Fernando Henrique houve muita corrupção, e essas ações eram uma demonstração
disso. Houve corrupções confessadas, por exemplo, foi gravado o senhor Fernando
Henrique dizendo que podia usar o nome dele numa licitação. O que aconteceu com
ele? Nada. Ele está endeusado pela imprensa. Nada. O senhor Menem andou uma
temporada na cadeia, o senhor Fujimori está [na prisão] até hoje, e com ele
[FHC] nem isso aconteceu. Não estou dizendo que era para ele ir para a cadeia
ou não. Mas foi um crime e não aconteceu nada. Olha os dois pesos e duas
medidas. Pegaram aquele italiano [Salvatore Cacciola] e meteram na cadeia. Ele
ficou algum tempo e agora está solto.
ConJur – E no governo
Lula?
Bandeira de Melo − As
pessoas podem dizer o que quiserem a respeito dele, mas só não se podem renegar
fatos: 30 milhões de pessoas foram trazidas das classes D e E para as classes B
e C. Basta isso para consagrar esse homem como o maior governante que esse país
já teve na história. Mas não só isso. Foi, portanto, a primeira vez que
começaram a ser reduzidas as desigualdades sociais, que a Constituição desde
1988 já mandava. E veja outro fenômeno tão típico: olha o ódio que certos
segmentos da classe média têm deste governante, deste político. É profundo,
visceral. É o ódio daqueles que não suportam alguém de origem mais modesta
estar equiparado a ele. (Grifo do ContrapontoPIG)
ConJur − Como o senhor
vê a sucessão no STF, com a proximidade da aposentadoria dos ministros Ayres
Britto e Cezar Peluso?
Bandeira de Melo − Não
tenho a menor expectativa a respeito de quem vem e quem não vem. Claro que eu
queria um candidato, todo mundo sempre tem um. Mas o que eu penso não
interessa.
ConJur − O senhor já
leu as poesias do ministro Ayres Britto?
Bandeira de Melo −
Claro. Gosto delas. São poesias despretensiosas como ele. O Carlos é uma pessoa
maravilhosa, não é só um grande ministro, um grande juiz, um grande
constitucionalista. Ele fez mestrado em Direito Constitucional com um
ex-assistente meu, Celso Bastos. O Carlos eu já conhecia e fez Direito
Administrativo, que era cadeira obrigatória, comigo. Nós já tínhamos um
relacionamento pessoal muito bom. À noite em casa o Carlos tocava violão. Ele é
um ser humano maravilhoso, e isso é a coisa mais importante que existe. Ele é
uma pessoa para se tirar o chapéu. Se eu fosse espírita, diria que o Carlos não
reencarna mais. Ele vai direto, de tão perfeito que é.
Sintonia Fina
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