domingo, 9 de setembro de 2012

Pronunciamento da Presidenta Dilma Rousseff

 

Governo responde a “mensalão” com bem-estar social


A mega produção do julgamento do mensalão e a chuva de “más notícias” sobre a economia vêm dominando há meses o noticiário. A primeira atração pretende condenar criminalmente os oito anos do governo Lula e o Partido dos Trabalhadores inteiro; a segunda, pretende convencer os brasileiros de que a economia do país vai de mal a pior.

Por meses a fio, a oposição ao governo federal, como ocorre há quase uma década, recebeu o apoio dos maiores meios de comunicação do pais à sua estratégia descrita no parágrafo anterior, estratégia que sucedeu a pressão oposicionista-midiática por demissão de ministros e as marchas “contra a corrupção” que vigeram no ano passado.

Em 2011, chegou a ocorrer como que uma capitulação do governo Dilma Rousseff diante de uma nova modalidade de ataque oposicionista-midiático aparentemente diferente da guerra desencadeada contra o governo Lula, mas que, em essência, era igual.

Nesse novo modelo, a presidente foi preservada de ataques diretos e os alvos foram o governo Lula (do qual ela participou em destaque) e a montagem que fez de seu próprio governo, pois cada ministro demitido no ano passado foi nomeado por ela, sendo a tese da “faxina” mera tentativa de convencer a matreira presidente da República de que um ataque a beneficiária, o que revelou desprezo por sua inteligência.

Entre o fim do ano passado e o começo deste ano, Dilma pôs um fim à capitulação diante dos sucessivos ataques aos ministros, que, muitas vezes, perderam o cargo sem qualquer razão, como no caso do ex-ministro do Esporte Orlando Silva, demitido sob acusações sem provas e posteriormente inocentado em todas as investigações.

Quando a artilharia chegou ao ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Fernando Pimentel, possivelmente o ministro mais próximo de si, Dilma pôs o pé na porta e as pressões acabaram, ainda que tenham restado elucubrações sobre as quedas de ministros que ela teria permitido por ter desejado.

2012, porém, marcou a reação de um governo que já começava a enfraquecer de tanto ceder a pressões. Dilma iniciou o ano visivelmente decidida a mostrar que estava no controle e que seu governo tinha um plano. Ao esfriamento da economia, desde então vem atuando no sentido de aquecê-la e de aliviar a vida da população.

O primeiro grande lance foi colocar os bancos públicos para liderarem uma queda generalizada dos juros ao consumidor e às empresas. O ineditismo da medida na história recente do país pegou oposição e mídia de surpresa. Em um primeiro momento, esses agentes aliaram-se aos bancos contra a iniciativa do governo federal.

Não tardou para bancos, mídia e oposição entenderem o que se previu nesta página que ocorreria, que a presidente daria um salto em termos de popularidade, o que de fato ocorreu, fazendo com que alcançasse praticamente o mesmo patamar que Lula tinha ao deixar o governo. As críticas, diante do apoio popular, emudeceram.

A essas medidas contrárias aos interesses dos bancos – que a presidente foi à televisão anunciar assim como fez ontem – somaram-se outras de indiscutível apelo popular e, o que é melhor, à prova de acusações de “populismo”, pois não é moleza defender os setores da economia líderes de reclamações às entidades de defesa do consumidor.

Telefonia e planos de saúde também entraram na mira do governo, sendo penalizados com suspensão de captação de clientes e obrigados a apresentar planos de investimentos para resolver os problemas geradores de queixas.

Paralelamente à defesa decidida dos interesses dos consumidores, o governo apresentou um poderoso plano de investimentos em infraestrutura que chega à casa da centena de bilhões de reais, uma quantidade de recursos que pouquíssimos países têm condição de investir hoje, o que vai revelando a solidez da economia brasileira.

Na última quinta-feira, Dilma respondeu ao recrudescimento exponencial da artilharia oposicionista-midiática contra si e contra o PT, baseada, exclusivamente, em um moralismo tão hipócrita que viu lideranças de partidos envolvidos até o pescoço em escândalos de corrupção apontarem o dedo para o partido do governo.

À maior artilharia, a presidente usou uma bomba: anunciou redução de gastos do consumidor e das empresas com energia, começando pela energia elétrica. Não é brincadeira o que Dilma anunciou. 16% para residências e 28% para indústrias serão sentidos diretamente no bolso de todos.

É imprevisível o impacto que isso terá sobretudo no setor industrial, mas será grande. O consumo de energia é um dos grandes custos desse setor. A medida, inclusive, tornará os produtos brasileiros mais competitivos.

Reduzir o custo da energia nesse nível é medida ainda mais popular do que pôr bancos públicos para liderarem queda de juros. No caso dos juros, a redução é lenta e não atinge o público de forma homogênea, pois beneficia mais os menos endividados e mais ricos, que, certamente, estão tendo acesso às melhores taxas. No caso da conta de luz, o alcance é estrondoso.

E para quem, como eu, reclamou de revide político, no mesmo pronunciamento em que deu tal presente à população a presidente ainda atacou, de novo, aquele que tentou atingi-la atacando seu padrinho político. Ao criticar a “privatização” que era feita “no passado”, Dilma concluiu a resposta que acaba de dar ao ataque de Fernando Henrique Cardoso a Lula.

O lance da última quinta-feira explica a política brasileira no novo milênio. Uma oposição perdida, sem propostas, usa a mídia – ou por ela é usada – para oferecer à população moralismo de quinta, pessimismo e hipocrisia. E zero de propostas. A isso, Dilma responde com desenvolvimento e bem-estar social.

Em sua opinião, leitor, quem irá vencer esse embate?

Dilma: "Recebi do ex-presidente Lula uma herança bendita"


 A presidenta Dilma Rousseff respondeu nesta segunda-feira (3) às críticas feitas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em artigo publicado no domingo (2) em O Estado de S. Paulo e O Globo. "Recebi do ex-presidente Lula uma herança bendita. Não recebi um país sob intervenção do FMI ou sob a ameaça de apagão", diz nota oficial da Presidência da República.

FHC chama de “herança pesada” o legado deixado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com duras críticas à política energética e às medidas econômicas adotadas por ele com consequências no governo Dilma.

No artigo, o ex-presidente também diz que o governo Dilma passou por uma crise moral, com a demissão de oito ministros, sete deles por suspeitas de envolvimento em corrupção.

Dilma afirma ter recebido um país com economia sólida, crescimento robusto e inflação sob controle. Leia abaixo a íntegra da nota:

Citada de modo incorreto pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em artigo publicado neste domingo, nos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo, creio ser necessário recolocar os fatos em seus devidos lugares.

Recebi do ex-presidente Lula uma herança bendita. Não recebi um país sob intervenção do FMI ou sob a ameaça de apagão.

Recebi uma economia sólida, com crescimento robusto, inflação sob controle, investimentos consistentes em infraestrutura e reservas cambiais recorde.

Recebi um país mais justo e menos desigual, com 40 milhões de pessoas ascendendo à classe média, pleno emprego e oportunidade de acesso à universidade a centenas de milhares de estudantes.

Recebi um Brasil mais respeitado lá fora graças às posições firmes do ex-presidente Lula no cenário internacional. Um democrata que não caiu na tentação de uma mudança constitucional que o beneficiasse. O ex-presidente Lula é um exemplo de estadista.

Não reconhecer os avanços que o país obteve nos últimos dez anos é uma tentativa menor de reescrever a história. O passado deve nos servir de contraponto, de lição, de visão crítica, não de ressentimento. Aprendi com os erros e, principalmente, com os acertos de todas as administrações que me antecederam. Mas governo com os olhos no futuro.

Dilma Rousseff

Presidenta da República Federativa do Brasil

Governo adota medidas para amenizar efeitos da crise sobre os produtores agropecuários, diz Dilma


A presidenta Dilma Rousseff disse hoje (4), na coluna semanal Conversa com a Presidenta, que o governo tem adotado medidas para diminuir os efeitos do aumento dos custos de produção e da crise financeira internacional sobre a suinocultura brasileira. Ao responder pergunta do produtor rural Rodolfo Pires Vasques, de Uruaçu (GO), ela destacou que no Plano Agrícola e Pecuário 2012/2013 foi criada uma linha de crédito para produtores independentes, com limite de R$ 2 milhões por produtor e taxa de juros de 5,5% ao ano.

 “Criamos, também, uma linha especial de crédito, com valor inicial de R$ 200 milhões, para os suinocultores adquirirem leitões. Nossa expectativa é de que essas ações, mais o trabalho dos suinocultores, consigam amenizar as dificuldades e assegurar a renda do setor até que o mercado volte à normalidade”, disse.

Dilma também falou sobre a qualificação de profissionais para o setor turístico brasileiro. Em resposta ao engenheiro Jairo Bastos Lima, de São Paulo (SP), a presidenta destacou a criação do Pronatec Copa, que irá capacitar profissionais para atuar, principalmente, na Copa das Confederações em 2013, na Copa do Mundo de 2014 e nas Olimpíadas de 2016.

 “Criamos o Pronatec Copa, com cursos gratuitos, para formar ou aperfeiçoar profissionais do setor. Já foram abertas 40 mil vagas e, até 2014, serão 240 mil vagas, em 29 atividades do setor, como agentes de viagem, garçons, recepcionistas, camareiras e muitas outras profissões. Esperamos que a maior capacitação de nossos profissionais permita que brasileiros e estrangeiros tenham ótimas experiências nas viagens para conhecer as belezas de nosso país”, enfatizou.

Na coluna, a presidenta disse, ainda, que o governo fiscaliza a distribuição do Bolsa Família para garantir que os benefícios do programa cheguem a quem realmente precisa. Questionada por Cassia Ribeiro, operadora de caixa em Itaberaba (BA), ela destacou que os cidadãos também podem contribuir denunciando irregularidades.

 “Para combater eventuais erros e desvios, as famílias beneficiárias devem atualizar seus dados, no mínimo, a cada dois anos. Todo cidadão que tiver conhecimento de alguma irregularidade pode, e deve, denunciá-la diretamente ao gestor local ou à Instância de Controle Social do seu município. O Ministério Público, a Controladoria-Geral da União e o Tribunal de Contas da União também fiscalizam o programa e, junto com o controle de toda a sociedade, ajudam a garantir que o Bolsa Família chegue realmente às famílias que precisam dele”.

Com o programa TI Maior, governo vai investir R$ 500 milhões para a produção de software no Brasil, diz Dilma


 

Com o programa estratégico de software e serviços de tecnologia da informação, o TI Maior, o governo vai investir R$ 500 milhões para estimular o desenvolvimento e a produção de software no Brasil, afirmou hoje (3) a presidenta Dilma Rousseff, no programa de rádio Café com a Presidenta. Segundo ela, o objetivo é ampliar o número de empresas de tecnologia e ofertar cursos para trabalhadores do setor.

 “Temos, no Brasil, quase nove mil empresas que desenvolvem softwares e queremos ampliar esse número. Por isso vamos investir nas pequenas empresas de tecnologia, que geram muitos empregos, principalmente contando com jovens que têm uma imensa capacidade de criar. Uma das medidas mais importantes desse programa é que nós vamos oferecer cursos para 50 mil trabalhadores do setor de tecnologia da informação”, disse.

A presidenta explicou que dentro do programa de política industrial Brasil Maior, várias medidas também vem sendo adotadas para fortalecer a indústria de tecnologia da informação. Houve redução de impostos cobrados dessas indústrias, de acordo com Dilma, para que o custo da produção diminuísse sem atingir os direitos dos trabalhadores.

 “Nós já demos um grande salto quando elevamos 40 milhões de pessoas para a classe média. Agora, esse país tem o desafio de conseguir erradicar a pobreza e, ao mesmo tempo, produzir ciência e tecnologia, agregar valor à sua produção e inovar. Esse é o caminho para o Brasil chegar à economia do conhecimento e se encaminhar cada vez mais para ser uma grande nação”, destacou.

No programa, a presidenta também destacou os resultados e a importância da Olimpíada Brasileira de Matemática, que teve a participação de mais de 18 milhões de alunos de 44 mil escolas públicas de todo o país.

 “A matemática é o primeiro passo para o desenvolvimento científico e para a inovação tecnológica, porque a matemática é a base de todas as ciências e é fundamental para o aprendizado das engenharias, da física, da tecnologia da informação, da ciência dos computadores, por exemplo. A matemática ajuda a despertar o interesse dos nossos jovens pela ciência e pelo conhecimento”.

Folha de São Paulo mente ao publicar que Lula....



Ao contrário do que publicou hoje o jornal “Folha de S.Paulo”, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não teve nenhuma reunião com governadores durante a Rio+20.

O ex-presidente esteve no Rio de Janeiro nos dias 20 e 21 de junho de 2012, partindo no dia 22 pela manhã. Na época, por recomendação médica após um exame de biópsia na laringe, ele foi orientado a poupar sua voz. A nota sobre isso pode ser lida aqui.

Durante o evento, Lula teve encontros com os presidentes da França e de Cuba. Assistiu à abertura da conferência na quarta-feira, dia 20, e participou, junto com a presidenta Dilma Rousseff, o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes, de um jantar oferecido pela prefeitura do Rio de Janeiro para chefes de Estado africanos na quinta-feira, dia 21.

A agenda do ex-presidente na Rio+20 foi reduzida por razões médicas, mas nunca previu nenhuma reunião com governadores, como pode ser visto no comunicado do dia 15 de junho (clique aqui para ler).

As atividades do ex-presidente e das autoridades presentes na Rio+20 foram acompanhadas pela imprensa e amplamente noticiadas na época.

Por isso, a Folha de S.Paulo mente ao publicar, meses depois, que Lula teve uma reunião com governadores durante a Rio+20.

O poder da mídia

Por Marilena Chauí

Palestra proferida no lançamento da campanha “Para Expressar a Liberdade – Uma nova lei para um novo tempo”, em 27/08/2012, no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.

I. Democracia e autoritarismo social

Estamos acostumados a aceitar a definição liberal da democracia como regime da lei e da ordem para a garantia das liberdades individuais. Visto que o pensamento e a prática liberais identificam a liberdade com a ausência de obstáculos à competição, essa definição da democracia significa, em primeiro lugar, que a liberdade se reduz à competição econômica da chamada “livre iniciativa” e à competição política entre partidos que disputam eleições; em segundo, que embora a democracia apareça justificada como “valor” ou como “bem”, é encarada, de fato, pelo critério da eficácia, medida no plano do poder executivo pela atividade de uma elite de técnicos competentes aos quais cabe a direção do Estado. A democracia é, assim, reduzida a um regime político eficaz, baseado na idéia de cidadania organizada em partidos políticos, e se manifesta no processo eleitoral de escolha dos representantes, na rotatividade dos governantes e nas soluções técnicas para os problemas econômicos e sociais.

Ora, há, na prática democrática e nas ideias democráticas, uma profundidade e uma verdade muito maiores e superiores ao que liberalismo percebe e deixa perceber.

Podemos, em traços breves e gerais, caracterizar a democracia ultrapassando a simples idéia de um regime político identificado à forma do governo, tomando-a como forma geral de uma sociedade e, assim, considerá-la:

1. Forma sociopolítica definida pelo princípio da isonomia ( igualdade dos cidadãos perante a lei) e da isegoria (direito de todos para expor em público suas opiniões, vê-las discutidas, aceitas ou recusadas em público), tendo como base a afirmação de que todos são iguais porque livres, isto é, ninguém está sob o poder de um outro porque todos obedecem às mesmas leis das quais todos são autores (autores diretamente, numa democracia participativa; indiretamente, numa democracia representativa). Donde o maior problema da democracia numa sociedade de classes ser o da manutenção de seus princípios – igualdade e liberdade – sob os efeitos da desigualdade real;

2. Forma política na qual, ao contrário de todas as outras, o conflito é considerado legítimo e necessário, buscando mediações institucionais para que possa exprimir-se. A democracia não é o regime do consenso, mas do trabalho dos e sobre os conflitos. Donde uma outra dificuldade democrática nas sociedades de classes: como operar com os conflitos quando estes possuem a forma da contradição e não a da mera oposição?

3. Forma sociopolítica que busca enfrentar as dificuldades acima apontadas conciliando o princípio da igualdade e da liberdade e a existência real das desigualdades, bem como o princípio da legitimidade do conflito e a existência de contradições materiais introduzindo, para isso, a ideia dos direitos ( econômicos, sociais, políticos e culturais). Graças aos direitos, os desiguais conquistam a igualdade, entrando no espaço político para reivindicar a participação nos direitos existentes e sobretudo para criar novos direitos. Estes são novos não simplesmente porque não existiam anteriormente, mas porque são diferentes daqueles que existem, uma vez que fazem surgir, como cidadãos, novos sujeitos políticos que os afirmaram e os fizeram ser reconhecidos por toda a sociedade.

4. Graças à ideia e à prática da criação de direitos, a democracia não define a liberdade apenas pela ausência de obstáculos externos à ação, mas a define pela autonomia, isto é, pela capacidade dos sujeitos sociais e políticos darem a si mesmos suas próprias normas e regras de ação. Passa-se, portanto, de uma definição negativa da liberdade – o não obstáculo ou o não-constrangimento externo – a uma definição positiva – dar a si mesmo suas regras e normas de ação. A liberdade possibilita aos cidadãos instituir contrapoderes sociais por meio dos quais interferem diretamente no poder por meio de reivindicações e controle das ações estatais.

5. Pela criação dos direitos, a democracia surge como o único regime político realmente aberto às mudanças temporais, uma vez que faz surgir o novo como parte de sua existência e, consequentemente, a temporalidade é constitutiva de seu modo de ser, de maneira que a democracia é a sociedade verdadeiramente histórica, isto é, aberta ao tempo, ao possível, às transformações e ao novo. Com efeito, pela criação de novos direitos e pela existência dos contrapoderes sociais, a sociedade democrática não está fixada numa forma para sempre determinada, pois não cessa de trabalhar suas divisões e diferenças internas, de orientar-se pela possibilidade objetiva de alterar-se pela própria práxis;

6. Única forma sociopolítica na qual o caráter popular do poder e das lutas tende a evidenciar-se nas sociedades de classes, na medida em que os direitos só ampliam seu alcance ou só surgem como novos pela ação das classes populares contra a cristalização jurídico-política que favorece a classe dominante. Em outras palavras, a marca da democracia moderna, permitindo sua passagem de democracia liberal á democracia social, encontra-se no fato de que somente as classes populares e os excluídos (as “minorias”) reivindicam direitos e criam novos direitos;

7. Forma política na qual a distinção entre o poder e o governante é garantida não só pela presença de leis e pela divisão de várias esferas de autoridade, mas também pela existência das eleições, pois estas (contrariamente do que afirma a ciência política) não significam mera “alternância no poder”, mas assinalam que o poder está sempre vazio, que seu detentor é a sociedade e que o governante apenas o ocupa por haver recebido um mandato temporário para isto. Em outras palavras, os sujeitos políticos não são simples votantes, mas eleitores. Eleger significa não só exercer o poder, mas manifestar a origem do poder, repondo o princípio afirmado pelos romanos quando inventaram a política: eleger é “dar a alguém aquilo que se possui, porque ninguém pode dar o que não tem”, isto é, eleger é afirmar-se soberano para escolher ocupantes temporários do governo.

Dizemos, então, que uma sociedade – e não um simples regime de governo – é democrática quando, além de eleições, partidos políticos, divisão dos três poderes da república, respeito à vontade da maioria e da minoria, institui algo mais profundo, que é condição do próprio regime político, ou seja, quando institui direitos e que essa instituição é uma criação social, de tal maneira que a atividade democrática social realiza-se como uma contrapoder social que determina, dirige, controla e modifica a ação estatal e o poder dos governantes.

Se esses são os principais traços da sociedade democrática, podemos avaliar as enormes dificuldades para instituir a democracia no Brasil. De fato, a sociedade brasileira é estruturalmente violenta, hierárquica, vertical, autoritária e oligárquica e o Estado é patrimonialista e cartorial, organizado segundo a lógica clientelista e burocrática. O clientelismo bloqueia a prática democrática da representação – o representante não é visto como portador de um mandato dos representados, mas como provedor de favores aos eleitores. A burocracia bloqueia a democratização do Estado porque não é uma organização do trabalho e sim uma forma de poder fundada em três princípios opostos aos democráticos: a hierarquia, oposta à igualdade; o segredo, oposto ao direito à informação; e a rotina de procedimentos, oposta à abertura temporal da ação política.

Além disso, social e economicamente nossa sociedade está polarizada entre a carência absoluta das camadas populares e o privilégio absoluto das camadas dominantes e dirigentes, bloqueando a instituição e a consolidação da democracia. Um privilégio é, por definição, algo particular que não pode generalizar-se nem universalizar-se sem deixar de ser privilégio. Uma carência é uma falta também particular ou específica que se exprime numa demanda também particular ou específica, não conseguindo generalizar-se nem universalizar-se. Um direito, ao contrário de carências e privilégios, não é particular e específico, mas geral e universal, seja porque é o mesmo e válido para todos os indivíduos, grupos e classes sociais, seja porque embora diferenciado é reconhecido por todos (como é caso dos chamados direitos das minorias). Assim, a polarização econômico-social entre a carência e o privilégio ergue-se como obstáculo à instituição de direitos, definidora da democracia.

A esses obstáculos, podemos acrescentar ainda aquele decorrente do neoliberalismo, qual seja o encolhimento do espaço público e o alargamento do espaço privado. Economicamente, trata-se da eliminação de direitos econômicos, sociais e políticos garantidos pelo poder público, em proveito dos interesses privados da classe dominante, isto é, em proveito do capital; a economia e a política neoliberais são a decisão de destinar os fundos públicos aos investimentos do capital e de cortar os investimentos públicos destinados aos direitos sociais, transformando-os em serviços definidos pela lógica do mercado, isto é, a privatização dos direitos transformados em serviços, privatização que aumenta a cisão social entre a carência e o privilégio, aumentando todas formas de exclusão. Politicamente o encolhimento do público e o alargamento do privado colocam em evidência o bloqueio a um direito democrático fundamental sem o qual a cidadania, entendida como participação social, política e cultural é impossível, qual seja, o direito à informação.

II. Os meios de comunicação como exercício de poder

Podemos focalizar o exercício do poder pelos meios de comunicação de massa sob dois aspectos principais: o econômico e o ideológico.

Do ponto de vista econômico, os meios de comunicação fazem parte da indústria cultural. Indústria porque são empresas privadas operando no mercado e que, hoje, sob a ação da chamada globalização, passa por profundas mudanças estruturais, “num processo nunca visto de fusões e aquisições, companhias globais ganharam posições de domínio na mídia.”, como diz o jornalista Caio Túlio Costa. Além da forte concentração (os oligopólios beiram o monopólio), também é significativa a presença, no setor das comunicações, de empresas que não tinham vínculos com ele nem tradição nessa área. O porte dos investimentos e a perspectiva de lucros jamais vistos levaram grupos proprietários de bancos, indústria metalúrgica, indústria elétrica e eletrônica, fabricantes de armamentos e aviões de combate, indústria de telecomunicações a adquirir, mundo afora, jornais, revistas, serviços de telefonia, rádios e televisões, portais de internet, satélites, etc..

No caso do Brasil, o poderio econômico dos meios é inseparável da forma oligárquica do poder do Estado, produzindo um dos fenômenos mais contrários à democracia, qual seja, o que Alberto Dines chamou de “coronelismo eletrônico”, isto é, a forma privatizada das concessões públicas de canais de rádio e televisão, concedidos a parlamentares e lobbies privados, de tal maneira que aqueles que deveriam fiscalizar as concessões públicas se tornam concessionários privados, apropriando-se de um bem público para manter privilégios, monopolizando a comunicação e a informação. Esse privilégio é um poder político que se ergue contra dois direitos democráticos essenciais: a isonomia (a igualdade perante a lei) e a isegoria (o direito à palavra ou o igual direito de todos de expressar-se em público e ter suas opiniões publicamente discutidas e avaliadas). Numa palavra, a cidadania democrática exige que os cidadãos estejam informados para que possam opinar e intervir politicamente e isso lhes é roubado pelo poder econômico dos meios de comunicação.

A isonomia e a isegoria são também ameaçadas e destruídas pelo poder ideológico dos meios de comunicação. De fato, do ponto de vista ideológico, a mídia exerce o poder sob a forma do denominamos a ideologia da competência, cuja peculiaridade está em seu modo de aparecer sob a forma anônima e impessoal do discurso do conhecimento, e cuja eficácia social, política e cultural está fundada na crença na racionalidade técnico-científica.

A ideologia da competência pode ser resumida da seguinte maneira: não é qualquer um que pode em qualquer lugar e em qualquer ocasião dizer qualquer coisa a qualquer outro. O discurso competente determina de antemão quem tem o direito de falar e quem deve ouvir, assim como pré-determina os lugares e as circunstâncias em que é permitido falar e ouvir, e define previamente a forma e o conteúdo do que deve ser dito e precisa ser ouvido. Essas distinções têm como fundamento uma distinção principal, aquela que divide socialmente os detentores de um saber ou de um conhecimento (científico, técnico, religioso, político, artístico), que podem falar e têm o direito de mandar e comandar, e os desprovidos de saber, que devem ouvir e obedecer. Numa palavra, a ideologia da competência institui a divisão social entre os competentes, que sabem e por isso mandam, e os incompetentes, que não sabem e por isso obedecem.

Enquanto discurso do conhecimento, essa ideologia opera com a figura do especialista. Os meios de comunicação não só se alimentam dessa figura, mas não cessam de instituí-la como sujeito da comunicação. O especialista competente é aquele que, no rádio, na TV, na revista, no jornal ou no multimídia, divulga saberes, falando das últimas descobertas da ciência ou nos ensinando a agir, pensar, sentir e viver. O especialista competente nos ensina a bem fazer sexo, jardinagem, culinária, educação das crianças, decoração da casa, boas maneiras, uso de roupas apropriadas em horas e locais apropriados, como amar Jesus e ganhar o céu, meditação espiritual, como ter um corpo juvenil e saudável, como ganhar dinheiro e subir na vida. O principal especialista, porém, não se confunde com nenhum dos anteriores, mas é uma espécie de síntese, construída a partir das figuras precedentes: é aquele que explica e interpreta as notícias e os acontecimentos econômicos, sociais, políticos, culturais, religiosos e esportivos, aquele que devassa, eleva e rebaixa entrevistados, zomba, premia e pune calouros – em suma, o chamado “formador de opinião” e o “comunicador”.

Ideologicamente, o poder da comunicação de massa não é um simples inculcação de valores e ideias, pois, dizendo-nos o que devemos pensar, sentir, falar e fazer, o especialista, o formador de opinião e o comunicados nos dizem que nada sabemos e por isso seu poder se realiza como manipulação e intimidação social e cultural.

Um dos aspectos mais terríveis desse duplo poder dos meios de comunicação se manifesta nos procedimentos midiáticos de produção da culpa e condenação sumária dos indivíduos, por meio de um instrumento psicológico profundo: a suspeição, que pressupõe a presunção de culpa. Ao se referir ao período do Terror, durante a Revolução Francesa, Hegel considerou que uma de suas marcas essenciais é afirmar que, por princípio, todos são suspeitos e que os suspeitos são culpados antes de qualquer prova. Ao praticar o terror, a mídia fere dois direitos constitucionais democráticos, instituídos pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 (Revolução Francesa) e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, quais sejam: a presunção de inocência (ninguém pode ser considerado culpado antes da prova da culpa) e a retratação pública dos atingidos por danos físicos, psíquicos e morais, isto é, atingidos pela infâmia, pela injúria e pela calúnia. É para assegurar esses dois direitos que as sociedades democráticas exigem leis para regulação dos meios de comunicação, pois essa regulação é condição da liberdade e da igualdade que definem a sociedade democrática.

III

Faz parte da vida da grande maioria da população brasileira ser espectadora de um tipo de programa de televisão no qual a intimidade das pessoas é o objeto central do espetáculo: programas de auditório, de entrevistas e de debates com adultos, jovens e crianças contando suas preferências pessoais desde o sexo até o brinquedo, da culinária ao vestuário, da leitura à religiosidade, do ato de escrever ou encenar uma peça teatral, de compor uma música ou um balé até os hábitos de lazer e cuidados corporais.

As ondas sonoras do rádio e as transmissões televisivas tornam-se cada vez mais consultórios sentimental, sexual, gastronômico, geriátrico, ginecológico, culinário, de cuidados com o corpo (ginástica, cosméticos, vestuário, medicamentos), de jardinagem, carpintaria, bastidores da criação artística, literária e da vida doméstica. Há programas de entrevista no rádio e na televisão que ou simulam uma cena doméstica – um almoço, um jantar – ou se realizam nas casas dos entrevistados durante o café da manhã, o almoço ou o jantar, nos quais a casa é exibida, os hábitos cotidianos são descritos e comentados, álbuns de família ou a própria são mostrados ao vivo e em cores. Os entrevistados e debatedores, os competidores dos torneios de auditório, os que aparecem nos noticiários, todos são convidados e mesmo instados com vigor a que falem de suas preferências, indo desde sabores de sorvete até partidos políticos, desde livros e filmes até hábitos sociais. Não é casual que os noticiários, no rádio e na televisão, ao promoverem entrevistas em que a notícia é intercalada com a fala dos direta ou indiretamente envolvidos no fato, tenham sempre repórteres indagando a alguém: “o que você sentiu/sente com isso?” ou “o que você achou/acha disso?” ou “você gosta? não gosta disso?”. Não se pergunta aos entrevistados o que pensam ou o que julgam dos acontecimentos, mas o que sentem, o que acham, se lhes agrada ou desagrada.

Também tornou-se um hábito nacional jornais e revistas especializarem-se cada vez mais em telefonemas a “personalidades” indagando-lhes sobre o que estão lendo no momento, que filme foram ver na última semana, que roupa usam para dormir, qual a lembrança infantil mais querida que guardam na memória, que música preferiam aos 15 anos de idade, o que sentiram diante de uma catástrofe nuclear ou ecológica, ou diante de um genocídio ou de um resultado eleitoral, qual o sabor do sorvete preferido, qual o restaurante predileto, qual o perfume desejado. Os assuntos se equivalem, todos são questão de gosto ou preferência, todos se reduzem à igual banalidade do “gosto” ou “não gosto”, do “achei ótimo” ou “achei horrível”.

Todos esses fatos nos conduzem a uma conclusão: a mídia está imersa na cultura do narcisismo.

Como observa Christopher Lash, em A Cultura do Narcisismo, os mass media tornaram irrelevantes as categorias da verdade e da falsidade substituindo-as pelas noções de credibilidade ou plausibilidade e confiabilidade – para que algo seja aceito como real basta que apareça como crível ou plausível, ou como oferecido por alguém confiável. Os fatos cedem lugar a declarações de “personalidades autorizadas”, que não transmitem informações, mas preferências e estas se convertem imediatamente em propaganda. Como escreve Lash, “sabendo que um público cultivado é ávido por fatos e cultiva a ilusão de estar bem informado, o propagandista moderno evita slogans grandiloqüentes e se atém a ‘fatos’, dando a ilusão de que a propaganda é informação”.

Qual a base de apoio da credibilidade e da confiabilidade? A resposta encontra-se num outro ponto comum aos programas de auditório, às entrevistas, aos debates, às indagações telefônicas de rádios, revistas e jornais, aos comerciais de propaganda. Trata-se do apelo à intimidade, à personalidade, à vida privada como suporte e garantia da ordem pública. Em outras palavras, os códigos da vida pública passam a ser determinados e definidos pelos códigos da vida privada, abolindo-se a diferença entre espaço público e espaço privado. Assim, as relações interpessoais, as relações intersubjetivas e as relações grupais aparecem com a função de ocultar ou de dissimular as relações sociais enquanto sociais e as relações políticas enquanto políticas, uma vez que a marca das relações sociais e políticas é serem determinadas pelas instituições sociais e políticas, ou seja, são relações mediatas, diferentemente das relações pessoais, que são imediatas, isto é, definidas pelo relacionamento direto entre pessoas e por isso mesmo nelas os sentimentos, as emoções, as preferências e os gostos têm um papel decisivo. As relações sociais e políticas, que são mediações referentes a interesses e a direitos regulados pelas instituições, pela divisão social das classes e pela separação entre o social e o poder político, perdem sua especificidade e passam a operar sob a aparência da vida privada, portanto, referidas a preferências, sentimentos, emoções, gostos, agrado e aversão.

Não é casual, mas uma consequência necessária dessa privatização do social e do político, a destruição de uma categoria essencial das democracias, qual seja a da opinião pública. Esta, em seus inícios (desde a Revolução Francesa de 1789), era definida como a expressão, no espaço público, de uma reflexão individual ou coletiva sobre uma questão controvertida e concernente ao interesse ou ao direito de uma classe social, de um grupo ou mesmo da maioria. A opinião pública era um juízo emitido em público sobre uma questão relativa à vida política, era uma reflexão feita em público e por isso definia-se como uso público da razão e como direito à liberdade de pensamento e de expressão.

É sintomático que, hoje, se fale em “sondagem de opinião”. Com efeito, a palavra sondagem indica que não se procura a expressão pública racional de interesses ou direitos e sim que se vai buscar um fundo silencioso, um fundo não formulado e não refletido, isto é, que se procura fazer vir à tona o não-pensado, que existe sob a forma de sentimentos e emoções, de preferências, gostos, aversões e predileções, como se os fatos e os acontecimentos da vida social e política pudessem vir a se exprimir pelos sentimentos pessoais. Em lugar de opinião pública, tem-se a manifestação pública de sentimentos.

Nada mais constrangedor e, ao mesmo tempo, nada mais esclarecedor do que os instantes em que o noticiário coloca nas ondas sonoras ou na tela os participantes de um acontecimento falando de seus sentimentos, enquanto locutores explicam e interpretam o que se passa, como se os participantes fossem incapazes de pensar e de emitir juízo sobre aquilo de que foram testemunhas diretas e partes envolvidas. Constrangedor, porque o rádio e a televisão declaram tacitamente a incompetência dos participantes e envolvidos para compreender e explicar fatos e acontecimentos de que são protagonistas. Esclarecedor, porque esse procedimento permite, no instante mesmo em que se dão, criar a versão do fato e do acontecimento como se fossem o próprio fato e o próprio acontecimento. Assim, uma partilha é claramente estabelecida: os participantes “sentem”, portanto, não sabem nem compreendem (não pensam); em contrapartida, o locutor pensa, portanto, sabe e, graças ao seu saber, explica o acontecimento.

É possível perceber três deslocamentos sofridos pela ideia e prática da opinião pública: o primeiro, como salientamos, é a substituição da ideia de uso público da razão para exprimir interesses e direitos de um indivíduo, um grupo ou uma classe social pela ideia de expressão em público de sentimentos, emoções, gostos e preferências individuais; o segundo, como também observamos, é a substituição do direito de cada um e de todos de opinar em público pelo poder de alguns para exercer esse direito, surgindo, assim, a curiosa expressão “formador de opinião”, aplicada a intelectuais, artistas e jornalistas; o terceiro, que ainda não havíamos mencionado, decorre de uma mudança na relação entre s vários meios de comunicação sob os efeitos das tecnologias eletrônica e digital e da formação de oligopólios midiáticos globalizados (alguns autores afirmam que o século XXI começou com a existência de 10 ou 12 conglomerados de mass media de alcance global). Esse terceiro deslocamento se refere à forma de ocupação do espaço da opinião pública pelos profissionais dos meios de comunicação. Esses deslocamentos explicam algo curioso, ocorrido durante as sondagens de intenção de voto nas eleições presidenciais de 2006: diante dos resultados, uma jornalista do jornal O Globo escreveu que o povo estava contra a opinião pública!

O caso mais interessante é, sem dúvida, o do jornalismo impresso. Em tempos passados, cabia aos jornais a tarefa noticiosa e um jornal era fundamentalmente um órgão de notícias. Sem dúvida, um jornal possuía opiniões e as exprimia: isso era feito, de um lado, pelos editorais e por artigos de não-jornalistas, e, de outro, pelo modo de apresentação da notícia (escolha das manchetes e do “olho”, determinação da página em que deveria aparecer e na vizinhança de quais outras, do tamanho do texto, da presença ou ausência de fotos, etc.). Ora, com os meios eletrônicos e digitais e a televisão, os fatos tendem a ser noticiados enquanto estão ocorrendo, de maneira que a função noticiosa do jornal é prejudicada, pois a notícia impressa é posterior à sua transmissão pelos meios eletrônicos e pela televisão. Ou na linguagem mais costumeira dos meios de comunicação: no mercado de notícias, o jornalismo impresso vem perdendo competitividade (alguns chamam a isso de progresso; outros, de racionalidade inexorável do mercado!).

O resultado dessa situação foi duplo: de um lado, a notícia é apresentada de forma mínima, rápida e, frequentemente, inexata – o modelo conhecido como news letter – e, de outro, deu-se a passagem gradual do jornal como órgão de notícias a órgão de opinião, ou seja, os jornalistas comentam e interpretam as notícias, opinando sobre elas. Gradualmente desaparece uma figura essencial do jornalismo: o jornalismo investigativo, que cede lugar ao jornalismo assertivo ou opinativo. Os jornalistas passam, assim, o ocupar o lugar que, tradicionalmente, cabia a grupos e classes sociais e a partidos políticos e, além disso, sua opinião não fica restrita ao meio impresso, mas passa a servir como material para os noticiários de rádio e televisão, ou seja, nesses noticiários, a notícia é interpretada e avaliada graças à referência às colunas dos jornais.

Os deslocamentos mencionados e, particularmente, este último, têm conseqüências graves sob dois aspectos principais:

1) Uma vez que o jornalista concentra poderes e forma a opinião pública, pode sentir-se tentado a ir além disso e criar a própria realidade, isto é, sua opinião passa a ter o valor de um fato e a ser tomada como um acontecimento real;

2) Os efeitos da concentração do poder econômico midiático. Os meios de comunicação tradicionais (jornal, rádio, cinema, televisão) sempre foram propriedade privada de indivíduos e grupos, não podendo deixar de exprimir seus interesses particulares ou privados, ainda que isso sempre tenha imposto problemas e limitações à liberdade de expressão, que fundamenta a ideia de opinião pública. Hoje, porém, os conglomerados de alcance global controlam não só os meios tradicionais, mas também os novos meios eletrônicos e digitais, e avaliam em termos de custo-benefício as vantagens e desvantagens do jornalismo escrito ou da imprensa, podendo liquidá-la, se não acompanhar os ares do tempo.

Esses dois aspectos incidem diretamente sobre a transformação da verdade e da falsidade em questão de credibilidade e plausibilidade. Rápido, barato, inexato, partidarista, mescla de informações aleatoriamente obtidas e pouco confiáveis, não investigativo, opinativo ou assertivo, detentor da credibilidade e da plausibilidade, o jornalismo se tornou protagonista da destruição da opinião pública.

De fato, a desinformação é o principal resultado da maioria dos noticiários nos jornais, no rádio e na televisão, pois, de modo geral, as notícias são apresentadas de maneira a impedir que se possa localizá-la no espaço e no tempo.

Ausência de referência espacial ou atopia: as diferenças próprias do espaço percebido (perto, longe, alto, baixo, grande, pequeno) são apagadas; o aparelho de rádio e a tela da televisão tornam-se o único espaço real. As distâncias e proximidades, as diferenças geográficas e territoriais são ignoradas, de tal modo que algo acontecido na China, na Índia, nos Estados Unidos ou em Campina Grande apareça igualmente próximo e igualmente distante.

Ausência de referência temporal ou acronia: os acontecimentos são relatados como se não tivessem causas passadas nem efeitos futuros; surgem como pontos puramente atuais ou presentes, sem continuidade no tempo, sem origem e sem conseqüências; existem enquanto forem objetos de transmissão e deixam de existir se não forem transmitidos. Têm a existência de um espetáculo e só permanecem na consciência dos ouvintes e espectadores enquanto permanecer o espetáculo de sua transmissão.

Como operam efetivamente os noticiários?

Em primeiro lugar, estabelecem diferenças no conteúdo e na forma das notícias de acordo com o horário da transmissão e o público, rumando para o sensacionalismo e o popularesco nos noticiários diurnos e do início da noite e buscando sofisticação e aumento de fatos nos noticiários de fim de noite. Em segundo, por seleção das notícias, omitindo aquelas que possam desagradar o patrocinador ou os poderes estabelecidos. Em terceiro, pela construção deliberada e sistemática de uma ordem apaziguadora: em sequência, apresentam, no início, notícias locais, com ênfase nas ocorrências policiais, sinalizando o sentimento de perigo; a seguir, entram as notícias regionais, com ênfase em crises e conflitos políticos e sociais, sinalizando novamente o perigo; passam às notícias internacionais, com ênfase em guerras e cataclismos (maremoto, terremoto, enchentes, furacões), ainda uma vez sinalizando perigo; mas concluem com as notícias nacionais, enfatizando as ideias de ordem e segurança, encarregadas de desfazer o medo produzido pelas demais notícias. E, nos finais de semana, terminam com notícias de eventos artísticos ou sobre animais (nascimento de um ursinho, fuga e retorno de um animal em cativeiro, proteção a espécies ameaçadas de extinção), de maneira a produzir o sentimento de bem-estar no espectador pacificado, sabedor de que, apesar dos pesares, o mundo vai bem, obrigado.

Paradoxalmente, rádio e televisão podem oferecer-nos o mundo inteiro num instante, mas o fazem de tal maneira que o mundo real desaparece, restando apenas retalhos fragmentados de uma realidade desprovida de raiz no espaço e no tempo. Como desconhecemos as determinações econômico-territoriais (geográficas, geopolíticas, etc.) e como ignoramos os antecedentes temporais e as consequências dos fatos noticiados, não podemos compreender seu verdadeiro significado. Essa situação se agrava com a TV a cabo, com emissoras dedicadas exclusivamente a notícias, durante 24 horas, colocando num mesmo espaço e num mesmo tempo (ou seja, na tela) informações de procedência, conteúdo e significado completamente diferentes, mas que se tornam homogêneas pelo modo de sua transmissão. O paradoxo está em que há uma verdadeira saturação de informação, mas, ao fim, nada sabemos, depois de termos tido a ilusão de que fomos informados sobre tudo.

Se não dispomos de recursos que nos permitam avaliar a realidade e a veracidade das imagens transmitidas, somos persuadidos de que efetivamente vemos o mundo quando vemos a TV ou quando navegamos pela internet. Entretanto, como o que vemos são as imagens escolhidas, selecionadas, editadas, comentadas e interpretadas pelo transmissor das notícias, então é preciso reconhecer que a TV é o mundo ou que a internet é o mundo.

A multimídia potencializa o fenômeno da indistinção entre as mensagens e entre os conteúdos. Como todas as mensagens estão integradas num mesmo padrão cognitivo e sensorial, uma vez que educação, notícias e espetáculos são fornecidos pelo mesmo meio, os conteúdos se misturam e se tornam indiscerníveis. No sistema de comunicação multimídia a própria realidade fica totalmente imersa em uma composição de imagens virtuais num mundo irreal, no qual as aparências não apenas se encontram na tela comunicadora da experiência, mas se transformam em experiência. Todas as mensagens de todos os tipos são incluídas no meio por que fica tão abrangente, tão diversificado, tão maleável, que absorve no mesmo texto ou no mesmo espaço/tempo toda a experiência humana, passada, presente e futura, como num ponto único do universo.

Se, portanto, levarmos em consideração o monopólio da informação pelas empresas de comunicação de massa, podemos considerar, do ponto de vista da ação política, as redes sociais como ação democratizadora tanto por quebrar esse monopólio, assegurando a produção e a circulação livres da informação, como também por promover acontecimentos políticos de afirmação do direito democrático à participação. No entanto, os usuários das redes sociais não possuem autonomia em sua ação e isto sob dois aspectos: em primeiro lugar, não possuem o domínio tecnológico da ferramenta que empregam e, em segundo, não detêm qualquer poder sobre a ferramenta empregada, pois este poder é uma estrutura altamente concentrada, a Internet Protocol, com dez servidores nos Estados Unidos e dois no Japão, nos quais estão alojados todos os endereços eletrônicos mundiais, de maneira que, se tais servidores decidirem se desligar, desaparece toda a internet; além disso, a gerência da internet é feita por uma empresa norte-americana em articulação com o Departamento de Comércio dos Estados Unidos, isto é, gere o cadastro da internet mundial. Assim, sob o aspecto maravilhosamente criativo e anárquico das redes sociais em ação política ocultam-se o controle e a vigilância sobre seus usuários em escala planetária, isto é, sobre toda a massa de informação do planeta.

Na perspectiva da democracia, a questão que se coloca, portanto, é saber quem detêm o controle dessa massa cósmica de informações. Ou seja, o problema é saber quem tem a gestão de toda a massa de informações que controla a sociedade, quem utiliza essas informações, como e para que as utiliza, sobretudo quando se leva em consideração um fato técnico, que define a operação da informática, qual seja, a concentração e centralização da informação, pois tecnicamente, os sistemas informáticos operam em rede, isto é, com a centralização dos dados e a produção de novos dados pela combinação dos já coletados.

O "novo" (velho) conglomerado



Tarso Genro (*) - Carta Maior

O julgamento do chamado “mensalão” e o esforço que vem sendo feito pela mídia, sustentado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, de separar a presidenta Dilma do presidente Lula, configura um novo momento da luta política no país e exige uma nova atitude da esquerda para disputar os rumos da revolução democrática em curso no Brasil.

A tentativa de separar Lula e Dilma, como se o projeto de governo da presidenta fosse uma ruptura com tudo que Lula representou para o país, nos seus dois governos, redundou num fracasso completo. Só quem não conhece Dilma poderia achar que ela embarcaria nesta armadilha primária. Mas a tática da direita e da centro-direita brasileira, no contexto político que vive o país e a América Latina, não foi ingênua. Ela revela uma estratégia bem concebida para restaurar a hegemonia do “conglomerado” centro-direitista que já reinou no país.

Os protagonistas desta estratégia têm uma visão voltada, não somente para as próximas duas eleições presidenciais, mas também para o esfacelamento do principal partido de massas da esquerda brasileira. Com seus acertos, erros, desvios e crises -que de resto atingem toda esquerda mundial no “pós muro”- o PT vem mudando a estrutura de classes da sociedade brasileira e reorganizando os interesses destas classes no cenário da “grande política”, aquela que decide os rumos da democracia e dos modelos de desenvolvimento.

O PT, através dos nossos governos de “coalizão”, vem promovendo uma ascensão extraordinária das classes populares, no plano social e também no universo da política. O “incômodo PT”, formado por Lula, é o suporte principal, com seus aliados de esquerda, das mudanças na letárgica desigualdade social que imobilizava o país. O ascenso social de dezenas de milhões, conjugado com as novas perspectivas para uma parte do empresariado compartilhar de um novo projeto de nação - cooperativa, soberana e interdependente na globalização - pode abrir um novo ciclo de mudanças.

 

A espetacularização do julgamento do “mensalão”, colocado como marco “inaugural” da corrupção no Brasil e os vínculos deste processo manipulado com o PT, como instituição; a insistência dos vínculos do “mensalão” com a figura do ex-Presidente Lula; a demonização da política e a glorificação da gestão pública “técnica”, isenta de “política”, que passa a ser sinônimo de pureza institucional (tática sempre praticada pelo fascismo em momentos de crise); a “revisão” do governo Lula, especialmente promovida por manifestações do principal líder da oposição (FHC, o único que restou em avançada idade), tudo isso aclara a tentativa de reorganização de um bloco político e social, neoconservador e neoliberal, que já havia colocado o país numa situação dramática. Como já registrou um editorial da Carta Maior:

 “Para ficar apenas no alicerce fiscal/monetário: em dezembro de 2002 - último mês do PSDB na Presidência da República - a relação dívida/PIB atingia estratosféricos 63,2%, praticamente o dobro dos 30,2% existentes no início do ciclo tucano, em 1994. Anote-se: isso, depois de um salto da carga fiscal, que passou de 28,6% para 35% no período. Hoje a relação dívida/PIB é de 35%; a previsão para 2013 é de 32,7%” - (03/09/2012 – Saul Leblon).

Este bloco organiza a direita intelectual de corte liberal e neoliberal, com o apoio ideológico dos grandes meios de comunicação (que jamais engoliram Lula e o PT), visando recuperar o partido tucano. Arruinado pelas suas lutas internas e fracionado pelos seus interesses regionais e empresariais divergentes, é preciso dar ao PSDB algum novo conteúdo para que ele possa renascer. Os Democratas não conseguiram cumprir esta função, o PMDB está dividido segundo os seus interesses regionais fracionários e o PSDB é o único sobrevivente autêntico do projeto representado pelos dois governos de FHC.

A tática supostamente renovadora deste “novo“ conglomerado não leva em consideração, porém, três mudanças fundamentais, que o país sofreu nos últimos dez anos. Estas mudanças possivelmente impeçam a restauração neoliberal:

Primeiro, o país já tem um universo empresarial novo, que se fortaleceu nos governos Lula, ao qual não mais interessa o projeto neoliberal em crise. Novos processos de acumulação “via” mercado interno, pré-sal, construção civil pesada e habitacional, setor de fabricação de máquinas e equipamentos, produção de bioenergia, produção de alimentos para consumo interno, negócios originários das políticas de cooperação e construção de infraestrutura - tudo orientado por ações normativas do Estado - afastaram amplos setores burgueses (tradicionalmente submissos à ideia de uma nação “associada e dependente”) dos seus antigos comandantes. Agora estes setores vinculam a reprodução do seu capital e dos seus negócios a outro modelo de desenvolvimento, ao qual o neoliberalismo só atrapalha.

Segundo, como o projeto pretendido pelo “novo” conglomerado não difere muito daquele do presidente FHC, e é uma restauração, ele tem impedimentos sociais de monta. A combinação ousada de reorganização financeira do Estado, com investimentos em infraestrutura, políticas de inclusão produtiva e educacional voltadas para as comunidades de baixa renda e, ainda, a incidência soberana do país no cenário internacional, constituíram bases populares fortes no país, em defesa do projeto comandado por Lula. Os governos Lula recuperaram a nossa autoestima, reduziram as desigualdades sociais e regionais, que sempre marcaram a história do Brasil e promoveram dezenas de milhões a condições de mínima dignidade. Ao não levar em consideração estas mudanças, o “novo” conglomerado tucano, mais a mídia e a intelectualidade liberal e neoliberal, descolam-se do sentimento popular e não conseguem promover o seu “novo” projeto.

Terceiro, a organização do “novo” conglomerado não leva em consideração, também, a existência nos dias de hoje das redes sociais, das novas tecnologias de informação, das redes de comunicação e informação alternativas, que formam núcleos de resistência e de produção de uma opinião pública livre. São os novos espaços autônomos que não estão subordinados aos velhos métodos de manipulação que permeiam a maior parte da grande imprensa. O controle da produção e formação da opinião não é mais aquele legado pela ditadura, já que há um amplo espaço autônomo de promoção da circulação da informação e da opinião, que é impossível de controlar.

Concordemos ou não com as sentenças que advirão do “mensalão”, elas deverão ser respeitadas por todos e por nós. É o Estado de Direito funcionando. Especialmente nós, do Partido dos Trabalhadores, devemos tirar lições políticas e jurídicas do episódio. Analisar todas as causas que abriram as maiores feridas na nossa história não significa inculpar pessoas ou buscar bodes expiatórios, pois a função de um partido político socialista não é a de ser sucursal de um Tribunal ou de uma Delegacia de Polícia. A função de um partido como o nosso é promover a condução intelectual e moral de um contingente do povo para levá-lo a melhores níveis de emancipação política e social.

O nosso patrimônio é maior do que este legado do “mensalão”. O nosso dever, agora, é compreender que se abre um novo cenário na luta política do Brasil e que devemos compor uma força política orgânica e plural, que amarre fortemente as convicções da esquerda democrática e socialista com os ideais progressistas da centro-esquerda e do centro-democrático. É um novo patamar de unidade política que deve ser pautado pelos partidos de esquerda, em conjunto, para organizar e dirigir esses novos contingentes sociais, que se organizaram na estrutura de classes da sociedade e cujo futuro não tem chances de ser beneficiado pelo “novo” e velho conglomerado.

(*) Governador do Estado do Rio Grande do Sul.

Mensalão foi conluio da imprensa contra Lula


Veja aqui o que o Partido da Imprensa Golpista (PIG- Partido da Imprensa Golpista) não mostra!

TESE É DO JURISTA CELSO BANDEIRA DE MELLO; LEIA SUA ENTREVISTA À REVISTA CONSULTOR JURÍDICO

Do Sintonia Fina - 13 de Agosto de 2012

Estrela do direito administrativo, o jurista Celso Bandeira de Mello falou sobre o processo do mensalão. Leia trechos de sua entrevista ao repórter Elton Bezerra, da revista Consultor Jurídico,, na qual ele também falou sobre meios de comunicação e os governos Lula e FHC:

ConJur — Como que o senhor vê o processo do mensalão?

Celso Antônio Bandeira de Melo − Para ser bem sincero, eu nem sei se o mensalão existe. Porque houve evidentemente um conluio da imprensa para tentar derrubar o presidente Lula na época. Portanto, é possível que o mensalão seja em parte uma criação da imprensa. Eu não estou dizendo que é, mas não posso excluir que não seja.

ConJur − Como o senhor espera que o Supremo vá se portar?

Bandeira de Melo − Eu não tenho muita esperança de que seja uma decisão estritamente técnica. Mas posso me enganar, às vezes a gente acha que o Supremo vai decidir tecnicamente e ele vai e decide tecnicamente.

ConJur − O ministro Eros Grau disse uma vez que o Supremo decidia muitos casos com base no princípio da razoabilidade e não com base na Constituição. O que o senhor acha disso?

Bandeira de Melo − Pode até ser, mas eu acho que muitas vezes quem decide é a opinião pública.

ConJur – E o que o senhor acha disso?

Bandeira de Melo – Péssimo. A opinião pública é a opinião da imprensa, não existe opinião pública. Acho muito ruim decidir de acordo com a imprensa.

ConJur – E como o senhor avalia a imprensa?

Bandeira de Melo − A grande imprensa é o porta-voz do pensamento das classes conservadoras. E o domesticador do pensamento das classes dominadas. As pessoas costumam encarar os meios de comunicação como entidades e empresas cujo objetivo é informar as pessoas. Mas esquecem que são empresas, que elas estão aí para ganhar dinheiro. Graças a Deus vivemos numa época em que a internet nos proporciona a possibilidade de abeberarmos nos meios mais variados. Eu mesmo tenho uma relação com uns quarenta sites onde posso encontrar uma abordagem dos acontecimentos do mundo ou uma avaliação deles por olhos muito diversos; que vai da extrema esquerda até a extrema direita. Não preciso ficar escravizado pelo que diz a chamada grande imprensa. Você pega a Folha de S.Paulo e é inacreditável. É muito irresponsável. Eles dizem o que querem, é por isso que eu ponho muita responsabilidade no judiciário.

ConJur – O que o Judiciário deveria fazer?

Bandeira de Melo − Quando as pessoas movem ações contra eles, contra os absurdos que eles fazem, as indenizações são ridículas. Não adianta você condenar uma Folha, por exemplo, ou uma Veja a pagar R$ 30 mil, R$ 50 mil, R$ 100 mil. Isso não é dinheiro. Tem que condenar em R$ 2 milhões, R$ 3 milhões. Aí, sim, eles iriam aprender. Do contrário eles fazem o que querem. Lembra que acabaram com a vida de várias pessoas com o caso Escola Base? Que nível de responsabilidade é esse que você acaba com a dignidade das pessoas, com a vida das pessoas, com a saúde das pessoas e fica por isso mesmo? Essa é nossa imprensa.

ConJur − O senhor é a favor da diminuição da maioridade penal?

Celso Antônio Bandeira de Melo − Não consigo ser porque a vida inteira eu fui contra, mas hoje eu balanço. Eu era firme como uma rocha, achava um absurdo, achava que era necessário dar boas condições de vida para as crianças. Claro que devemos fazer isso, mas enquanto existir televisão e não for permitida a censura, nós vamos ter a continuidade dessa violência e as crianças vão assistir violência.

ConJur − O senhor é a favor da censura na TV?

Bandeira de Melo − Sou absolutamente a favor. Sou contra a censura ideológica. Essa eu sou visceralmente contra. Mas a censura de costumes eu sou a favor.

ConJur − Como seria essa censura de costumes?

Bandeira de Melo − Todo mundo é [a favor], só que não tem coragem de dizer. Você é a favor de passar filmes pedófilos na televisão? Eu não sou. Mas se passasse você se sentiria como? Você é a favor de censurar. As pessoas não têm coragem de dizer, porque depois do golpe virou palavrão ser a favor da censura. Você é a favor que passe um filme que pregue o racismo, não importa que tipo de racismo, nem contra que povo? Todo mundo é a favor da censura, mas as pessoas não têm coragem de dizer por que não é politicamente correto.

ConJur − E a quem caberia exercer essa censura?

 

Bandeira de Melo − Não precisa ser de funcionário público. Um corpo da sociedade escolhido por organismos razoavelmente confiáveis, como a OAB e certas entidades de benemerência.

ConJur – Mas a censura não é vedada pelas leis do país?

Bandeira de Melo − Você diria que é proibido. Eu diria que não é tão proibido assim. Pegue a Constituição e veja o que ela diz a respeito da defesa da criança, inclusive na televisão. Portanto, seria perfeitamente possível, mas a palavra ficou amaldiçoada.

ConJur – Por que deveria haver censura?

Bandeira de Melo − A imprensa escolhe o que noticia e usa uma merda de argumento que diz o seguinte: “Nós não somos responsáveis por essas coisas, isso existe, são os outros que fazem isso. Só estamos contando, nada mais.” Se fosse por isso, a humanidade não teria dado um passo, porque a humanidade adorava ver os cristãos sendo devorados pelos animais ou os gladiadores se matando. A humanidade adorava ver as supostas feiticeiras sendo queimadas. A humanidade sempre gostou de coisas de baixo nível e vis. Dizer que tem gente que gosta de assistir esses programas ordinários não é argumento válido. Você diz esse mesmo argumento para passar e acabou. A imprensa poderia dar notícias de coisas maravilhosas. Existe muita gente boa, que fazem coisas excelentes. Não. Ela noticia só o que há de pior, e você fica intoxicado por aquilo no último grau.

ConJur − O senhor acha que a imprensa deveria ser obrigada a noticiar outras coisas?

Bandeira de Melo − Acho que não dá para tolher a liberdade das pessoas nesse nível. Deveria haver uma regulamentação da imprensa importante.

ConJur − Em todos os meios: impresso, eletrônico?

Bandeira de Melo − Todos. De maneira que os que trabalham, os empregados, deveriam ter uma participação obrigatória e importante. O dono do jornal, da televisão tem direito ao dinheiro daquele lugar, mas não às opiniões. Porque do contrário não há mais a liberdade de pensamento. Há liberdade de meia dúzia de caras. O pensamento é dos que produzem o jornal, é dos jornalistas. Não é um problema de censura, é um problema de não entregar o controle a uma meia dúzia de famílias. Abrir para a sociedade, abrir para os que trabalham no jornal, ou na rádio ou na televisão, para que eles possam expressar sua opinião. E haver, sim, um controle ético de moralidade e impedir certas indignidades.

ConJur − Algum exemplo de uma indignidade cometida pela imprensa?

Bandeira de Melo − Mostrar crianças sendo torturadas ou mostrar corpos dilacerados. Isso incentiva [a violência], sim. O ser humano não é bonzinho. Você não tem que incentivar a maldade. Porque os EUA são desse jeito? Eles exportam para nós tudo o que há de pior. A boa imagem dos EUA no mundo quem dá é o cinema. Porque o cinema deles tem coisas muito humanas, muito boas também. Para cá vem o lixo, o povo gosta do lixo.

ConJur − Na época do governo FHC havia um grande número de ações por improbidade administrativa, e de certa forma, durante o governo do PT isso deu uma diminuída. O senhor acha que o Ministério Público amadureceu, houve alguma mudança?

Bandeira de Melo − No governo do Fernando Henrique houve muita corrupção, e essas ações eram uma demonstração disso. Houve corrupções confessadas, por exemplo, foi gravado o senhor Fernando Henrique dizendo que podia usar o nome dele numa licitação. O que aconteceu com ele? Nada. Ele está endeusado pela imprensa. Nada. O senhor Menem andou uma temporada na cadeia, o senhor Fujimori está [na prisão] até hoje, e com ele [FHC] nem isso aconteceu. Não estou dizendo que era para ele ir para a cadeia ou não. Mas foi um crime e não aconteceu nada. Olha os dois pesos e duas medidas. Pegaram aquele italiano [Salvatore Cacciola] e meteram na cadeia. Ele ficou algum tempo e agora está solto.

ConJur – E no governo Lula?

Bandeira de Melo − As pessoas podem dizer o que quiserem a respeito dele, mas só não se podem renegar fatos: 30 milhões de pessoas foram trazidas das classes D e E para as classes B e C. Basta isso para consagrar esse homem como o maior governante que esse país já teve na história. Mas não só isso. Foi, portanto, a primeira vez que começaram a ser reduzidas as desigualdades sociais, que a Constituição desde 1988 já mandava. E veja outro fenômeno tão típico: olha o ódio que certos segmentos da classe média têm deste governante, deste político. É profundo, visceral. É o ódio daqueles que não suportam alguém de origem mais modesta estar equiparado a ele. (Grifo do ContrapontoPIG)

ConJur − Como o senhor vê a sucessão no STF, com a proximidade da aposentadoria dos ministros Ayres Britto e Cezar Peluso?

Bandeira de Melo − Não tenho a menor expectativa a respeito de quem vem e quem não vem. Claro que eu queria um candidato, todo mundo sempre tem um. Mas o que eu penso não interessa.

ConJur − O senhor já leu as poesias do ministro Ayres Britto?

Bandeira de Melo − Claro. Gosto delas. São poesias despretensiosas como ele. O Carlos é uma pessoa maravilhosa, não é só um grande ministro, um grande juiz, um grande constitucionalista. Ele fez mestrado em Direito Constitucional com um ex-assistente meu, Celso Bastos. O Carlos eu já conhecia e fez Direito Administrativo, que era cadeira obrigatória, comigo. Nós já tínhamos um relacionamento pessoal muito bom. À noite em casa o Carlos tocava violão. Ele é um ser humano maravilhoso, e isso é a coisa mais importante que existe. Ele é uma pessoa para se tirar o chapéu. Se eu fosse espírita, diria que o Carlos não reencarna mais. Ele vai direto, de tão perfeito que é.

Sintonia Fina