Ajuste
que desajusta não passa confiança à sociedade nem a empresários. Caberia, no
lugar do atual programa, retomar a combinação de democracia com crescimento e
distribuição de renda
por Márcio Pochmann
O diagnóstico de que a economia
brasileira não cresceria mais sem antes haver a recuperação do grau de
confiança dos empresários levou a equipe econômica do segundo governo da
presidenta Dilma Rousseff a defender um conjunto de medidas definidas como ajuste
fiscal. Isso porque a queda nas expectativas dos empresários foi entendida pelo
governo federal como decorrente de piora na situação das contas públicas.
Como somente o ajuste fiscal causaria
um novo contexto nacional de finanças saudáveis, plenamente satisfatório à
elevação das expectativas dos empresários, a retomada do crescimento econômico
brasileiro se tornaria mera consequência. Justificável, portanto, a
centralização do funcionamento do governo federal – neste início de 2015 – em
torno das políticas de ajuste fiscal de curto prazo.
Mas, junto com isso, passaram a surgir
contradições importantes, talvez inesperadas inicialmente. De um lado, a
posição dos ministérios da Fazenda e do Planejamento comprometida com a adoção
do programa de austeridade fiscal, que atinge valor próximo de R$ 106 bilhões e
se compõe de três partes, a saber. A primeira a ser anunciada foi a de cortes
nos benefícios sociais (abono salarial, seguro-desemprego, seguro-defeso,
pensão por morte e auxílio-doença), impulsionada pela expectativa da economia
de cerca de R$ 15 bilhões.
A segunda parte do programa de
austeridade fiscal implementado compreendeu a alta nos tributos sobre
combustíveis, cosméticos, operações financeiras e produtos importados, entre
outros. A arrecadação adicional esperada pelo governo federal foi de quase R$
21 bilhões.
Por fim, a terceira parte foi a
retenção das despesas orçamentárias (contingenciamento), que limitaram os
gastos nos ministérios. Para 2015, por exemplo, o governo federal contingenciou
a soma de R$ 69,9 bilhões, o que equivale a reter R$ 1 de cada R$ 4 que havia
previsto despender no orçamento deste ano – os cortes serão nas despesas
chamadas discricionárias (aquelas que não obrigatórias, definidas pela
Constituição federal, o piso mínimo para educação e saúde, por exemplo).
A maior parte da retenção orçamentária
veio do Programa de Aceleração do Crescimento, que contribuiu com R$ 25,7
bilhões (39% do total contingenciado), seguida de outras despesas como saúde,
educação, transporte, ciência e tecnologia, entre outras, representando R$ 22,8
bilhões (33% do total retido). As emendas parlamentares contingenciadas
envolveram a somatória de R$ 21,4 bilhões (31% do total contido).
Com esse esforço gigantesco, a equipe
econômica acreditou ser possível garantir a realização de superávit fiscal
equivalente a 1,1% do Produto Interno Bruto de 2015. Ou seja, terminar o ano
com um saldo positivo de R$ 55 bilhões, resultado de receita líquida federal
esperada de R$ 1,158 trilhão para uma despesa primária (sem contar gastos com
juros) fixada em R$ 1,103 trilhão.
Combinação contraditória
De outro lado, está a postura do Banco
Central comprometida com a elevação das taxas de juros. Somente nos primeiros
seis meses do ano, a taxa de juros subiu dois pontos percentuais (de 11,75%
anuais em dezembro de 2014 para 13,75% em junho de 2015).
Considera-se que a cada aumento de um
ponto percentual na taxa de juros o custo total anual da rolagem da dívida do
setor público indexada à Selic eleva-se em torno de R$ 13 bilhões. Com isso, o
Banco Central sozinho contribuiu para o aumento das despesas públicas em R$ 26
bilhões por força da alta nos juros somente neste primeiro semestre.
A combinação do programa de austeridade
fiscal com a elevação das taxas de juros provocou inexoravelmente o
encolhimento da economia brasileira. Diante da queda na renda nacional, a
diminuição da arrecadação tributária torna-se simples consequência.
Estimativas iniciais apontam a possibilidade de redução da arrecadação
tributária em até 3% em termos reais, o que poderia equivaler a algo próximo de
R$ 50 bilhões a menos nos cofres governamentais deste ano.
Eis aqui a contradição das políticas de
curto prazo em 2015: o programa de austeridade fiscal dos ministérios da
Fazenda e Planejamento visa à economia de R$ 106 bilhões, enquanto a ação do
Banco Central, com a elevação dos juros, e a recessão contaminando o caixa do
governo envolvem cerca de R$ 76 bilhões. Ou seja, o imbróglio de seis meses do
segundo governo Dilma encontra-se entregue a uma batalha de R$ 30 bilhões
capazes de fazer emergir o grau de confiança dos empresários e, por assim,
dizer, o retorno do crescimento da economia nacional com base em investimentos
do setor privado.
Sem superar essa armadilha de curto
prazo, o horizonte do crescimento dificilmente voltará a aparecer. Mas outra
agenda é possível, uma vez que o papel dos governos é o de trazer para o valor
presente o que o povo imagina ser apenas possível na forma de sonho.
O Brasil é um país em construção. Falta
ainda de tudo, da infraestrutura básica (saneamento, rodoviárias, ferrovias,
entre outros) à pesquisa científica e tecnológica. Essa deveria ser a agenda
retomada, em que o segundo Programa de Investimento em Logística recentemente
anunciado poderia se constituir em nova direção a seguir.
Na esteira desse rumo, a implementação
de uma política pública democraticamente negociada em defesa da produção e do
emprego nacional se colocaria essencial. São milhões de ocupações ceifadas pelo
curso da recessão que, acrescida da queda dos rendimentos do trabalho,
aprofunda o desgaste no interior da estrutura social e ameaça combinar-se com
as faces política e econômica da crise aberta.
Estancar o sofrimento humano, que
resulta de um programa que em vez de ajustar desajusta, deve ser prioridade,
alcançável por meio da adoção de outra agenda. O crescimento de uma economia
como a brasileira não se constitui de uma simples e natural confiança dos
empresários, ainda que fundamental, mas não o suficiente.
O sentido, a direção e a motivação geral que definem o crescimento
econômico dependem da confiança da sociedade no seu governo. O programa atual
de austeridade fiscal não tem conseguido estimular a maior confiança tanto da
sociedade como dos empresários. Para que outra agenda se mostre capaz de
recuperar a força do desenvolvimento, a combinação da democracia com
crescimento econômico e distribuição de renda deve seguir sendo a principal
força motriz.
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