terça-feira, 31 de julho de 2012

Lula recebe prêmio da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganhou nesta sexta-feira (20) o prêmio José Aparecido de Oliveira, oferecido pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) na sua IX Conferência de Chefes de Estado e de Governo, em Maputo, Moçambique.

O Prêmio José Aparecido de Oliveira é uma forma de homenagear personalidades e instituições que se destacam na defesa, valorização e promoção da CPLP, dos seus princípios, valores e objetivos. Entre os objetivos da CPLP estão a cooperação e a coordenação política e diplomática entre seus estados membros para reforço de sua presença no cenário internacional, e projetos de promoção e difusão da língua portuguesa.

“Recebo este prêmio, não tanto como uma homenagem à minha trajetória pessoal – sindical e política – e mais como o reconhecimento das conquistas recentes da lusofonia”, disse Lula, que ressaltou a importância da contínua valorização da relação entre os países da comunidade e a criação no seu governo da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), em Redenção, no Ceará.

A homenagem inclui um prêmio de 30 mil euros e seu nome homenageia o embaixador brasileiro José Aparecido de Oliveira (1929-2007) um dos fundadores da CPLP, e o júri é formado pelos representantes dos países membros da CPLP. Os países que compõem a CPLP são Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Portugal e Timor Leste.

MERCOSUL, A FRONTEIRA DO AMANHÃ

Delúbio Soares (*)
O Mercosul nasceu em 1991 por iniciativa do Brasil e da Argentina, com as imediatas adesões do Uruguai e Paraguai. Ele foi a consolidação de um anterior “Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento”, celebrado entre os governos brasileiro e argentino em meados de 1988, onde se fixava como meta o estabelecimento de um organismo de regulação comercial, regional e multilateral, que congregasse os países do Cone Sul.
Tentativas anteriores, com escasso êxito, já haviam sido impulsionadas. No início dos anos 60 a ALALC (Asociación Latino-Americana de Libre Comércio) nasceu de um tratado de integração entre países do continente, visando a flexibilização das regras e normas legais e alfandegárias, possibilitando um intercâmbio comercial mais intenso, fluído e produtivo, eliminando barreiras e vencendo fronteiras. Nos anos 80 a ALADI (Asociación Latino-Americana de Integración) foi formada em substituição à ALALC e com alguns inovadores instrumentos para a dinamização dos velhos anseios do estabelecimento de um mercado comum em nossa região. Brasil e Argentina – sempre encabeçando os esforços – assinaram a “Declaração de Iguaçú”, que determinou a formação de um grupo bilateral de estudos que possibilitasse a celebração de diversos acordos comerciais, avançando bastante em direção ao tão sonhado Mercosul. E assim foi feito.
Mas foi na capital paraguaia, em 1991, que os quatro parceiros inauguraram o “Mercado Comun del Sur”, o Mercosur. Através da assinatura do “Tratado de Asunción”, determinou-se uma aliança comercial visando dinamizar a economia regional, movimentando entre si mercadorias, pessoas, força de trabalho e capitais. Inicialmente foi estabelecida uma zona de livre comércio, em que os países signatários não tributariam ou restringiriam as importações mútuas. Sem dúvidas, um imenso progresso para as atividades econômicas e o desenvolvimento do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, os países membros  pioneiros da aliança estratégica. Logo, Chile e Bolívia passariam a integrar o novo organismo na qualidade de associados.
A partir de 1 de janeiro de 1995, esta zona converteu-se em união aduaneira, na qual todos os signatários poderiam cobrar as mesmas quotas nas importações dos demais países (tarifa externa comum). Experiência inédita, ela significou imenso aporte às economias integrantes, com a possibilidade de as empresas de cada país ampliarem seus raios de ação, aumentando as vendas em mercados diversificados e crescentes.
O Mercosul enfrentou alguns percalços que merecem registro. O Chile, hoje em fase final do processo de entrada como integrante pleno, precisou resolver problemas de disputas territoriais com a Argentina. Algumas nações latino-americanas deixaram patente suas aspirações à integrarem a futurosa aliança, mas somente a Venezuela levou adiante os delicados procedimentos diplomáticos e jurídicos para tal inserção. Há uma exigência nos atos constitutivos do Mercosul, segundo a qual os parlamentos de cada país integrante dem aprovar a entrada de um novo sócio. Desnecessário dizer que os critérios de alguns legislativos possam ser mais políticos do que comerciais, atendo-se mais à questiúnculas da política nativa do que aos interesses maiores de desenvolvimento econômico, social e de integração continental.
Havia outro ponto, saliente e delicado, que emprestava evidentes dificuldades ao Mercosul. A ausência de uma instância superior e disciplinadora, que dirimisse disputas e normatizasse as relações multilaterais. Ela, porém, foi sanada com o estabelecimento do Tribunal Arbitral Permanente de Revisão do Mercosul, pondo fim à insegurança jurídica então existente no nascedouro do bloco comercial. Ele passou a atuar em 2004, por ação direta do governo do presidente Lula, transformando-o em realidade e tirando do papel o que havia sido pactado em 2002, no Protocolo de Olivos. A sede do tribunal é Assunção, a bela capital do Paraguai, e seu objetivo tem sido plenamente atingido.
Se comparado aos outros mercados comuns internacionais, o Mercosul ainda é razoavelmente pequeno. Mas suas possibilidades de crescimento são impressionantes, tanto pela importância estratégica da região quanto pelo alto grau de sofisticação das empresas dos países parceiros, além, é óbvio, do desenvolvimento econômico-social de cada um deles. A união aduaneira, o estabelecimento de uma imensa zona de livre comércio no hemisfério sul, a capacidade de entendimento transnacional e de convergência em afinidades e objetivos comuns, já demonstram a invulgar importância do organismo e a imensa viabilidade de suas ambiciosas metas.
Boicotado sem a menor cerimônia durante os oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso, quando nossa chancelaria desdenhou flagrantemente de suas grandes e evidentes possibilidades de êxito  e do crescimento da economia regional, atualmente o Mercosul é considerado como um dos principais pólos internacionais de investimentos. Os países que o integram ocupam uma área total de aproximadamente 12 milhões de quilômetros quadrados, equivalente a quatro vezes o tamanho da União Européia. Além disso, o Mercosul representa, também, um invejável mercado potencial de quase 300 milhões de habitantes e um PIB de mais de US$ 1 trilhão, colocando-se entre as quatro maiores economias do mundo, ficando abaixo, somente, da Nafta, da União Européia e do Japão.
As indústrias automobilística (36%), da construção e do comércio (12%), química e farmacêutica (11%), metalúrgica (9%), alimentos e bebidas (9%), elétrica e eletrônica (6%), encontraram na união entre os países da nova, crescente e audaciosa aliança comercial, um potencial mercado que se agiganta ano após ano, com sabidas possibilidades de negócios e interessantes desafios a serem enfrentados e vencidos.
A posição do Brasil, aliado à Argentina e ao Uruguai, fazendo valer a cláusula democrática constante na criação do Mercosul e suspendendo o Paraguai – país irmão e respeitado por todos nós – por conta de lamentáveis acontecimentos que feriram sua vida democrática, é mais do que justificável: é absolutamente correta. Não podemos conviver com simulacros de democracia sob qualquer pretexto, além da obrigação que temos de defender o valor do voto popular, do sistema democrático de governo e a investidura dos governantes por ele consagrados.
O Mercosul é, indiscutivelmente, um dos pilares sobre os quais se alicerça o futuro de uma das mais promissoras regiões do mundo, com impressionantes potencialidades e uma gente onde o talento, a disposição para o trabalho e a capacidade criativa não são figuras de retóricas, mas apenas a realidade da nova, promissora e exuberante fronteira do amanhã.

 (*) Delúbio Soares é professor

Espiões da ditadura não acabaram

Um dos principais nomes da Igreja Católica na luta contra o regime militar e ex-assessor da Presidência diz que tem certeza que o MST está entre os alvos dos militares hoje
 “É muita ingenuidade nossa pensar que tudo acabou”. A frase é do escritor Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, um dos principais nomes da Igreja Católica brasileira na resistência à ditadura militar (1964-1985). Preso entre 1969 e 1974, acusado de integrar a Ação Popular ao lado do guerrilheiro Carlos Marighella, Frei Betto está convencido de que os militares ainda agem nos bastidores do Planalto espionando as mais altas autoridades do país, inclusive a Presidência da República.
Em entrevista ao iG, Frei Betto, que foi assessor especial da Presidência no primeiro governo Lula, disse ter alertado o então chefe de gabinete Gilberto Carvalho sobre a possibilidade de escutas telefônicas no Palácio do Planalto. “Estou convencido de que isso existe até hoje. Não que eles (militares) estejam me seguindo ou espionando. Mas tenho certeza que o MST e até a Presidência da República, sim”, afirmou.
Frei Betto, que trabalhou na Presidência, está convencido de que os militares agem nos bastidores do Planalto
iG – Como era a atuação da Igreja na proteção dos perseguidos pela repressão? Registros mostram que até bispos de direita como d. Eugênio Sales ajudavam a esconder alvos da ditadura.
Frei Betto – A minha pergunta é por que o d. Eugênio (morto no último dia 9, aos 91 anos) fez isso para estrangeiros e não fez para brasileiros? Essa é a minha pergunta.

iG – Existia uma rede de solidariedade na Igreja, uma rota de fuga com conexões no exterior?
FB – Meu trabalho principal foi organizar essa rota de fuga. Mandei umas 10 pessoas. Em geral, sequestradores do embaixador americano (Charles Elbrick). Ninguém acredita, a repressão muito menos, mas a verdade é que eu nunca fui na fronteira. No entanto, eu dominava o esquema da fronteira porque o (Carlos) Marighella tinha me passado como funcionava. Só tinha que receber as pessoas em Porto Alegre e dar a dica. Tinha duas passagens. Uma em Santana do Livramento com Rivera, no Uruguai, e outra em Passo de Los Libres, na Argentina. Então eu tinha que dar as coordenadas e passar um telegrama em código para a pessoa que ia ficar lá esperando e já sabia que alguém ia chegar lá com uma revista na mão, aquelas coisas. E passava. Alguns voltaram. Outros foram presos no Uruguai, Mas havia muita solidariedade em igrejas, conventos etc.

iG – Protestantes e outros grupos religiosos participavam dessa rede de solidariedade?
FB – Muito. O pastor Jamie Wright, por exemplo. O irmão dele foi assassinado, Paulo Wright, líder da AP (Ação Popular). Geralmente em Igrejas históricas como a Batista, Luterana, Presbiteriana, Metodista, judeus. Naquela época quase não existiam as neopentecostais. E todos eles divididos a exemplo da Igreja Católica.

iG – Como era lidar com os infiltrados?
FB – Era muito difícil. Quando estávamos presos no Dops, em 1969, havia lá o delegado Alcides Cintra Bueno que era chamado “delegado do culto” por ser especializado em religiões. Era um homem de formação católica meio carola, mas torturador. Como ele conhecia muito a mecânica das Igrejas era o que mais interrogava religiosos. Nós vimos frades de hábito que eram agentes dele e iam lá dar informação sobre subversão na Igreja. Além do Lenildo Tabosa que era do Jornal da Tarde, assistiu ao interrogatório do Frei Fernando e a vida inteira carregou esta cruz fazendo de tudo para negar. Mas nunca conseguiu convencer, Fernando viu.

iG – Até descobrirem a existência de infiltrados muitas pessoas caíram?
FB – Sim. Era muito difícil descobrir infiltrados. Muitos a gente detectou, mas tem gente que colaborou com a ditadura e vai morrer incólume. A não ser que tenha dado uma mancada. Tem um seminarista dominicano que a gente não sabe se ele já era colaborador quando entrou. Depois, na USP, descobriram que ele era agente da repressão. Ele sumiu do mapa durante uns cinco anos e então recebemos informação de que ele tinha sido levado para um treinamento na escola da CIA no Panamá. Quando eu saí da prisão ele reapareceu todo amiguinho dizendo que estava com saudade e falei para ele, cara a cara, “não sei se você é ou não é, mas não tenho a menor confiança em você e por favor não me apareça mais”.

iG – Essa paranoia durou até depois do fim da ditadura, não?
FB – Quando saí da prisão fui morar numa favela em Vitória e fiquei lá de 1974 a 1979. Já em 1977 comecei a voltar a São Paulo para trabalhar com educação popular. Quando Fernando Henrique, Almino Afonso e Plínio de Arruda Sampaio voltaram para o Brasil eles vieram com a ideia de fundar um partido socialista. Eu, naquele momento, estava no auge da mobilização pelas CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e eles me convocaram para uma reunião na casa de um jornalista, cujo nome não vou citar pois estou subjetivamente convencido que esta pessoa era da repressão mas não tenho prova. Sei que me estranhou o fato de ele ser um repórter e ter um padrão de vida tão alto. E tome vinho, tome vinho, conversamos, eles tentavam me convencer que tinham a forma, um partido socialista, e eu entrava com a massa, as CEBs. Eu respondi que ia surgir um partido de baixo para cima, isso em 1978, por intuição, e depois surgiu o PT em 1980. Marcamos outra conversa, o jornalista insistiu para que fosse novamente na casa dele e isso acabou num impasse. Até que um frade daqui, depois de muitos anos, me perguntou se eu havia participado de uma reunião na casa de fulano, com Fernando Henrique (Cardoso, ex-presidente) e Plínio (de Arruda Sampaio) etc. Perguntei como ele sabia daquilo e o frade respondeu que um general amigo dele ligado ao SNI foi quem contou. Aí caiu a ficha. Tinha muito esse tipo de coisa. Recentemente peguei no arquivo público nacional todo meu dossiê. Ele vai até 1992. E tem coisas absolutamente inverossímeis.

iG – O senhor ainda toma algum cuidado especial?

FB - Estou convencido de que isso existe até hoje. Não que eles (militares) estejam me seguindo ou espionando. Mas tenho certeza que o MST e até a Presidência da República, sim. Seria muita ingenuidade nossa achar que o Planalto não é espionado. É o centro, o coração do poder. Quando trabalhei no Planalto (no primeiro governo Lula) duas coisas me chamaram atenção. Primeiro que todos os garçons eram das Forças Armadas. E o garçom é a pessoa que entra no meio da reunião, que enquanto está servindo o cafezinho fica escutando tudo, fica amigo das secretárias, tem trânsito livre até na sala do presidente. Não entra o ministro, mas entra o garçom. E outra coisa foi num dia em que o Lula estava viajando, subi na sala do Gilberto Carvalho (então chefe de gabinete da Presidência) e vi um pessoal na sala do Lula cheio de equipamentos. Perguntei o que era aquilo e o Gilberto disse que era o pessoal da varredura do Exército. Eu perguntei para o Gilberto qual a garantia de que eles não tiram um equipamento de gravação e colocam outro. Gilberto disse que nunca tinha pensado nisso.
iG – Mas seriam os militares?
FB – Sim. Os militares.

iG – Com qual objetivo?
FB – O objetivo é simples. Informação é poder.

iG – O que se sabe é que existe uma grande rede de espionagem em Brasília mas por razões econômicas, chantagem etc.
FB – Os militares neste ponto são mais... é como nos EUA. A CIA não prende ninguém. Ela só trabalha com informação. Quem prende é o FBI. É muita ingenuidade nossa pensar que tudo acabou.

iG – Os militares teriam um projeto de retomar o poder?
FB – Não. Eles têm o projeto de não serem surpreendidos e eventualmente até de manipular.

iG – Eles são movidos pelo medo?
FB – Não. É uma questão de inteligência militar mesmo.

Gisele Silva  No iG
Postado por zcarlos

Um mundo de possibilidades

Ladislau Dowbor considerou a Rio+20 tímida. Mas criou espaços e oportunidades para os que querem dar um novo rumo ao planeta

Por: João Peres e Paulo Donizetti de Souza

Uma agenda para o futuro e um contexto favorável: são os ganhos da Rio+20, na visão de Ladislau Dowbor, professor do Núcleo de Estudos do Futuro, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e piloto de um site muito rico em informação científica e discussões sobre o planeta (dowbor.org).

Hoje existe uma concentração do poder corporativo, mas a crise sugere oportunidades. Temos um documento mais fraco, mas um contexto de mais oportunidades (Foto: Danilo Ramos/Revista do Brasil)

Se o documento final é mais fraco que o da Eco-92, o esgotamento da agenda neoliberal e a retomada do papel do Estado permitem vislumbrar um legado positivo. Mas, para o autor de O Que É o Poder Local? e de Democracia Econômica, será um grande cataclismo o que vai impulsionar a humanidade a encontrar um padrão sustentável de desenvolvimento.

Que balanço o senhor faz do documento elaborado pelo Brasil e negociado entre os países participantes da Rio+20?

Eu vejo um problema no todo. Os 283 pontos mencionam essencialmente “recomendamos que...”, “sugerimos que...”, “notamos que...”, não tem nenhum imperativo, afirmação mais forte, que determine a urgência no conjunto de informações. Também não há praticamente nenhum direcionamento para as causas dos problemas. Por exemplo, fala-se das dificuldades com a crise econômica, mas não dos bancos que criam essa crise. Menciona-se a desigualdade, mas não a falta de desapropriação das grandes fortunas. O aumento dos preços e a rotatividade do mercado de commodities, mas não os sistemas especulativos internacionais. Lista os problemas da contaminação das águas, mas não menciona os agrotóxicos e as formas de contaminação. Isso é um pouco grave.

O senhor acha que apenas mencionando as origens desses problemas o documento já seria mais efetivo?

Ou apontasse com força que há certas práticas que devem cessar, em particular coisas como os sistemas especulativos internacionais, a proteção dos paraísos fiscais, a proliferação das armas – e depois se queixam da violência, mas são grandes empresas que produzem essas armas, e são conhecidas.

 E que aspectos o senhor considera positivos?

O documento abre espaços para que a gente possa começar a cobrar. Por exemplo, o segundo ponto diz que erradicar a pobreza é o maior desafio global que enfrenta o mundo hoje. Apontar a desigualdade e a pobreza como eixo principal é extremamente positivo, porque, quando você começa a tirar as pessoas da pobreza, gera dinâmicas inclusivas, gera emprego e obtém apoio político para maiores transformações. Que é, aliás, o que vem ocorrendo no Brasil.

Mas são só dos governos as responsabilidades pelos problemas?

Outro ponto muito positivo, o 47, aponta a necessidade de transparência das corporações, porque a gente só grita contra a falta de transparência do governo, dos políticos corruptos. Mas, as empresas, o que fazem as grandes empresas, em diversos setores? Como estão estruturadas as dinâmicas financeiras dos bancos, enfim? Há ganchos que se abrem, a partir dos quais há espaço para batalhar. Bem ou mal, é um documento assinado pelos diversos países. Se a gente compara, na Rio+20, com um documento muito bom preparado pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e confronta com o Vision 2050, com a visão das corporações para 2050, encontra uma evolução forte. As corporações em grande parte são a causa dos problemas, mas são tão fortes que, sem sua participação, não serão os verdes nem a esquerda que vão levantar esse piano.

Desde que as pessoas sejam bem informadas.

Isso é outro ponto importante discutido na Rio+20, que a gente também está discutindo aqui no Brasil: o resgate do uso e do poder das telecomunicações. No documento, isso é colocado como um instrumento essencial. Ou seja, é uma guerra evidente, sobretudo para nós, que estamos dominados por algumas corporações da mídia, e por isso a democratização é essencial.

Mas o texto é relativamente cordial com­ ­as corporações...

As corporações em grande parte são a causa dos problemas, mas são tão fortes que, sem sua participação, não serão os verdes nem a esquerda que vão levantar esse piano

Quando você associa o grande eixo da conferência, o ambiental, com a dimensão da desigualdade, que é assegurar o emprego e a inclusão das pessoas, fica evidente toda a lógica de que a gestão desse processo se dê no nível local, nas cidades

“We also invite business and industry... to contri­bute”, diz um dos pontos. É simpático: convi­damos a indústria a contribuir (risos). É um convite. Mas outros pontos tocam no conceito de transfe­rência de tecnologia e, no fim do documento, tem um ­capítulo só sobre isso. É fundamental entender que quem controlava no século passado as empresas, as indústrias e as máquinas é quem hoje controla a ­comunicação e a informação, as tecnologias do ­conhecimento. E o acesso ao conhecimento é vital. O documento tem uma parte inteira sobre a transferência de tecnologias. Não menciona patentes, copyrights e royalties – o que faz parte da timidez do texto –, mas menciona, sim, o direito dos países de produzir seus medicamentos, de se posicionar em relação à Organização Mundial do Comércio e aos tratados de propriedade intelectual. É um gancho que abre uma brecha em toda essa blindagem no campo do oligopólio e no campo ético.

E como as partes se relacionam para acompanhar a aplicação dessas demandas?

Tem uma coisa que pode ser muito interessante, que está no ponto 84. É o universal inter­governmental high-level political forum – um ­fórum intergovernamental, universal e de alto nível –, no qual são detalhadas 12 funções desse corpo, que ­seria um tipo de fórum mundial de personalidades respeitadas. Isso deverá ser submetido às pro­postas elaboradas pelas Nações Unidas. O mais ­provável é que será de 30 representantes, equi­l­i­brando os ­diversos continentes, nos diversos segmentos ­sociais. Deverá ser aprovado na próxima reunião da Assembleia Geral da ONU, em setembro. ­Pela primeira vez a gente teria um corpo de refe­rência planetária. Temos problemas globais, mas não ­temos governos globais. Dos 193 países membros, cada um puxa para o seu lado, e isso está levando o planeta para o buraco.

O problema é que a representatividade das Nações Unidas em relação aos interesses do planeta é bastante distorcida, não é?

Aliás, o ponto 92 sugere repensar a representatividade dos organismos internacionais. Na época do sistema Bretton Woods (conferência que reuniu 44 países aliados, ainda em 1944, para discutir uma integração econômica e financeira com vistas a reerguer o capitalismo após a Segunda Guerra), grande parte dos países do mundo não existia como nação, eram colônias. Agora, no sistema das Nações Unidas, a Ilha de Vanuatu, no Pacífico, que tem 30 mil habitantes, tem um voto e a Índia, com mais de 1 bilhão de habitantes, tem um voto...

As corporações em grande parte são a causa dos problemas, mas são tão fortes que, sem sua participação, não serão os verdes nem a esquerda que vão levantar esse piano

Muito parecida com o nosso Congresso Nacional, guardadas as devidas proporções...

Exatamente. Estou dizendo o óbvio. Mas no particular a estrutura de votos no Conselho de Segurança, nos órgãos de financiamento internacional, é pré-histórica. É um avanço interessante que em diversas partes do documento haja a necessidade de planejamento, que tinha sido jogado para fora. “O mercado iria resolver”, né? É importante também, no item 104, a necessidade de repensar o sistema de indicadores para monitorar os resultados a serem buscados.

Medicina para todos, por exemplo, o ponto 142, é muito importante – ou seja, o direito dos países de produzir seus medicamentos. E ainda um capítulo importante sobre emprego e renda. Eu uso muito o exemplo do que a Índia está fazendo. Lá há uma lei da garantia do emprego. Cada cidade é obrigada a ter um cadastro de projeto de mão de obra, pagando um salário básico, e tem 30 dias para assegurar trabalho a uma pessoa que precise. Isso reduz a pobreza crítica e promove um conjunto de atividades, como arborização urbana, saneamento básico, drenagem de água, um monte de coisas que tem pra fazer. É um absurdo ter um monte de coisas a fazer e um monte de gente desempregada. 

Volta-se à questão: quem monitora a execução das intenções? Qual o papel das cidades?

Esse documento da Rio+20, que é o geralzão, tem de ser visto no contexto do movimento das cidades, do C-40 – um grupo de, na realidade, 59 cidades do mundo que decidiram fazer a lição de casa sem esperar os grandes poderes. E há milhares de cidades do mundo assumindo esse papel. Quando a gente pensa assim, arborizar a cidade, empregar as pessoas, assegurar educação mais decente e políticas sociais básicas, isso funciona muito no nível local. Quando você associa o grande eixo da conferência – o ambiental – e a dimensão da desigualdade, que é assegurar o emprego e a inclusão das pessoas, evidencia toda a lógica de que a gestão desse processo se dê no nível local.

A educação não deveria ser um processo mais integrado aos desafios da sustentabilidade?

Houve algumas tomadas de posição, por exemplo, da Fundação Getulio Vargas, de reforçar um ensino de desenvolvimento sustentável. O Instituto Paulo Freire faz referências fortes a educação ambiental. O mundo da educação no Brasil são cerca de 50 milhões de pessoas, entre alunos, educadores. Tem a mídia alternativa muito presente – outro eixo importante de participação, que se reforça na sua dinâmica informativa. Então, uma coisa é avaliar o documento, a fragilidade, as nações, os governos... Outra coisa é ver isso como um destravador de uma tendência planetária, de uma consciência mais ampla, que acontece de maneira muito forte. Uma coisa é dizer que estamos avançando, outra coisa é pensar se os avanços são compatíveis com o ritmo de andamento dos problemas.


Quando a comunidade científica começou a pautar governos e a ONU, em 1972, na Conferência de Estocolmo sobre desenvolvimento sustentável, estava em questão o mercado ser o regulador – Estado pequeno, mercado livre. Houve alguma reversão desse poder concentrado do mercado?

Tem mudanças muito fortes. A principal provavelmente é o que a gente chama de financeirização da economia. Está no meu site uma pesquisa inata­cável do instituto federal suíço de pesquisa tecnológica. Dos 37 milhões de empresas que estão no banco de dados dos bancos, pegaram as 43 mil principais e estudaram quem controla quem. Resultado: 80% do mundo corporativo é controlado por 737 corporações e, desse grupo, um núcleo duro de 147 con­trola 40%. Destas, 75% são intermediários financeiros. Na realidade, você não tem mais produtores. E a crise mostra que eles não conseguem se administrar.

A sustentabilidade foi apenas alegoria no processo de perversão dos modelos econômicos?

Em 1972, a repercussão (da Conferência de Esto­colmo) é relativamente frágil, mas há um contexto bom, o contexto dos anos de ouro do pós-guerra. Em 1992, é muito mais forte. Sai dali a Agenda 21, mas com toda a força do liberalismo avançando, do pós-Ronald Reagan, pós-Margaret Thatcher. Os grandes poderes não dão bola para a Agenda 21. Você tem um documento excelente, e muito pouco espaço. ­­E hoje tem esse sistema que reforçou muito a concentração do poder corporativo, e uma crise que sugere oportunidades. Muito mais oportunidades. A Agenda 21, de 1992, era um documento forte, com menos contexto. Hoje, em 2012, temos um documento mais fraco e mais contexto, mais oportunidades.

As corporações financeiras ainda mandam...

Quem, por exemplo, viu o filme Trabalho Interno (Inside Job, sobre os movimentos especulativos que levaram à quebra de gigantes como o banco Lehman Brothers, da seguradora AIG e de toda a economia americana) entende que se tratou essencialmente de fraude, de bandidagem, de apropriação indébita dos recurso alheios, de ganhar dinheiro não financiando produção, mas simplesmente especulando, desorganizando a economia. Isso provoca indignação, muita gente está começando a entender

O filme revela que parte das pessoas que operavam para que os mercados fizessem os estragos que fizeram desfruta de posições de poder no governo Obama e nas universidades, como Harvard e Colúmbia.

Nesse sentido, temos um texto bastante surrealista. Eu acho vital o papel do conjunto da mídia alternativa, das redes sociais, dos mais diversos sistemas com que as pessoas se comunicam, para criar outra cultura.

Quando você associa o grande eixo da conferência, o ambiental, com a dimensão da desigualdade, fica evidente toda a lógica de que a gestão desse processo se dê no nível local, nas cidades

O conceito de sustentabilidade já não é um termo acadêmico. As pessoas estão cada vez mais se apropriando dele?

Eu acredito nesse avanço. Meu trabalho é essencialmente de disseminação dessa compreensão científica. E temos de batalhar por essas redes de professores, de ciência aberta. Temos de informar, proporcionar a muito mais gente a compreensão dos desafios, para que haja pressão política, para que as coisas mudem.

Existe possibilidade de um capitalismo verde? Que se adapte para ser benéfico às pessoas?

Quando você diz isso, eu me lembro de uma reunião com o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. Ele respondeu a essa questão com outra: pode um tigre ser vegetariano (risos)? Eu acho que não seria esse o enfoque. As chamadas macrotendências, as florestas, a vida nos mares, os climas etc. são demasiado graves para que a gente possa ignorar. Muitas empresas entenderam o desafio e estão digerindo as transformações internas para passar a outro patamar tecnológico.

Faltam teóricos para formular diagnósticos e projetos de modelos de desenvolvimento?

Diversos autores, como Lester Brown, Ignacy ­Sachs, Paul Krugman, Joseph Stiglitz, apontam para onde vai estourar o sistema primeiro. Por que se criou a ONU e todo o primeiro sistema internacional de nações? Porque a Segunda Guerra Mundial foi um negócio pavoroso de onde saiu uma base política para a transformação. O mais provável é que haverá um cataclismo maior. Temos 1 bilhão de pessoas passando fome, 11 milhões de crianças morrem, por ano, de fome ou por falta de acesso a água limpa, 25 milhões de pessoas já morreram de aids. A conta já é alta. Provavelmente um choque mais repentino, maior, criará base política para uma nova transformação. Para mim, todo o sistema está mudando. Eu tenho dúvidas se o conceito de capitalismo se aplica ao que a gente está vivendo. A mais-valia já não é extraída por um produtor

Os bônus pagos a executivos de corporações financeiras já superam os dividendos pagos a acionistas de indústrias...

Não tenha dúvida. As coisas estão mudando e, pra mim, as qualificações capitalismo e socialismo nos remetem a um conjunto de conceitos que não se aplicam, porque não dão conta do que está acontecendo. Vale mais a pena fazer mais trabalho empírico para entender o que está acontecendo. 

Os velhos rótulos desbotaram?

A gente deve se dar o trabalho de reavaliar. ­A ­China é capitalista ou socialista? Se você tem um país com 15 anos de crescimento, que tirou 350 milhões da pobreza, e segundo as palavras do Peter Spink, inglês radicado no Brasil, é o único que está fazendo a lição de casa em termos ambientais, o mínimo que a gente tem a fazer é saber como ela funciona. Eu vi ontem um documentário sobre a educação em Xangai. Professores entram às 7h e saem às 17h. Nesse período, têm duas aulas de 40 minutos. O resto é apoio a alunos, reunião e elaboração de matérias com outros professores. Há muita coisa nova acontecendo.

O senhor acredita que esse Centro Rio+ pode ser um polo de difusão desses fragmentos de conhecimentos necessários para cada área? De educação, de saúde, de agricultura, de tecnologia...

Há muito menos polos agora. O que há é trabalho em rede. Tem um conceito que é importante, que chama cosmopolitan democracy. Uns caras que estudaram as mais variadas unidades... Qualquer hospital hoje tem acordos internacionais, intercâmbio de médicos, troca de tecnologias, qualquer universidade tem. Na PUC-SP, fizemos levantamentos e tivemos cerca de 1.600 eventos internacionais em um ano. Qualquer empresa média hoje tem um conjunto de sistemas de relações internacionais. Então se está gerando, não através de governo, da ONU, nem de Fundo Monetário, um tecido interativo que cobre todo o planeta, em que a comunicação gira na velocidade da luz, e está tudo na internet. Está se gerando um conjunto de dinâmicas horizontais muito interessantes. Na Alemanha de antes da crise, por exemplo, está na Economist: 60% das poupanças das famílias alemãs, que é muita coisa, está em caixas de poupança locais, comunitárias, das cidades.

A poupança não está concentrada em poucos bancos?

Muito pouco foi para o sistema especulativo. São muitas dinâmicas. E a gente tem de buscar como se identificam os quistos sociais. Por exemplo, São Paulo está a 14 quilômetros por hora, gastam-se 2h43 por dia no trânsito, e não se consegue mudar. As pessoas continuam pensando que produção é produzir tênis, mesa, automóvel, e isso aqui está se tornando uma coisa pequena dentro do universo produtivo. A gente sabe o que é agricultura e o que é a indústria, e depois vem todo um conjunto de “outros”. O consultor da IBM, o padre, a prostituta são todos um conceito “residual”. Se num universo em que 75% do que está estudando é “outros”, você tem um problema.

As grandes cidades perderam capacidade de propor soluções?

Eu acho que isso é muito difícil porque nós tivemos um êxodo rural menos por atração e mais por ex­pulsão. Foi a expulsão do campo que gerou as metrópoles, e as periferias. As seis grandes metrópoles brasileiras são essencialmente muito complicadas. Eu acho que o movimento Nossa São Paulo, que agora está se multiplicando, é um eixo muito legal porque começa a tomar em mãos a cidade. O que é problema sempre é oportunidade. A cidade tem pela frente o objetivo de criar uma vida decente, qualidade de vida, felicidade interna bruta, acesso a segurança, saúde, tem de ter a descentralização, assegurar que cada bairro tenha serviços acessíveis. Você pode descentralizar todos os serviços e manter a gestão coerente. O Brasil, com essa desigualdade, frente a tempos tenebrosos que vêm por aí, tem uma imensa oportunidade de ter um horizonte de expansão econômica aqui dentro e se apoiar nessa expansão. Isso cria apoio político, estabilidade e proporciona as oportunidades.

A batalha de Argel na América do Sul

Os choques elétricos, os métodos de interrogatórios, os sequestros em plena noite, a tortura sistemática, a guerra psicológica, os desaparecimentos e os voos da morte são técnicas que foram transmitidas pelos oficiais franceses aos militares sulamericanos. O cérebro destas doutrinas foi o coronel Roger Trinquier (foto). Professor na Escola das Américas dos EUA, Trinquier é o maior ideólogo francês da guerra suja cujo lema principal, a partir dos anos 50, foi que “a tortura é um elemento importante na guerra moderna contrarrevolucionária”. O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Paris.

Eduardo Febbro - Paris
Paris - “Uma vez na habitação e com a ajuda dos oficiais, agarramos Bem M’Hidi e o penduramos de tal maneira que pudesse parecer um suicídio”. A prosa do veterano general Paul Aussaresses não brilha pela originalidade, mas sim por sua precisão quando descreve as múltiplas ações ilegais que ele e seus homens protagonizaram na Argélia. A cena exposta aqui detalha o assassinato de um dos responsáveis do FLN argelino e não é mais que uma gota d’água na extensa descrição dos assassinatos premeditados organizados por oficiais do exército francês: torturas, execuções sumárias, assassinatos disfarçados de suicídios, matança de civis e utilização de helicópteros para jugar pessoas detidas com vida na Baía de Argel são moeda corrente ao longo de seu livro “Serviços Especiais, Argélia 1955-1957”.

O militar francês foi julgado por apologia da tortura. Sua história, sua passagem pelo Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) de Manaus como instrutor se nutrem de um passado, de duas guerras, Indochina e Argélia, e de quatro personagens centrais que, a partir de meados dos anos 50, alimentaram com suas teorias contrarrevolucionárias os militares da América do Sul. O “ensino” começou na Argentina a partir dos anos 50. O primeiro contato entre os exércitos da França e da Argentina ocorreu no ano seguinte à queda do general Perón, em 1957. O coronel argentino Carlos Rosas, recém-egresso da Escola de Guerra de Paris, posteriormente subdiretor da Escola de Guerra de Buenos Aires, criou um ciclo de estudos sobre “a guerra revolucionário comunista”. Foi neste marco que chegaram a Argentina os tenentes coronéis François-Patrice Badie e Patrice de Naurois.

Uma nota do futuro chefe da Polícia Federal argentina sob a ditadura de Videla, o general Ramón Camps, ilustra a importância dos dois visitantes: “seus cursos – escreve Camps – estavam diretamente inspirados na experiência francesa na Indochina e aplicada neste momento na Argélia”.

Em setembro de 1958, o ministro francês da Defesa, Pierre Guillaumat, autorizou que 60 soldados argentinos que haviam seguido esses cursos especiais fossem a Argélia, em plena guerra, em “viagem de estudos”. Outros 60 soldados viajaram no mesmo ano com destino a Paris e, em 1960, a cooperação entre exércitos deu lugar à criação de uma missão militar francesa permanente na Argentina. Composta por três oficiais superiores, sua missão consistia em “aumentar a eficácia técnica e a preparação do exército argentino”.

Nesse mesmo ano, Pierre Messmer, ministro da Defesa, enviou a Buenos Aires o chefe do Estado Maior do Exército, general André Demetz, e o coronel Henri Grand d’Esson. D’Esson é um personagem chave: foi que ele que realizou na Escola de Guerra de Buenos Aires a célebre conferência na qual descreve cada um dos aspectos da guerra subversiva e, sobretudo, o papel central do exército no controle “social da população e na destruição das forças revolucionárias”. Esse texto de 22 páginas foi publicado sob o título “Guerra Subversiva” na Revista da Escola Superior de Guerra, nº 338, Julho-Setembro de 1960. Todas essas ideias, viagens e experiências trocadas desembocarão numa espécie de cooperação continental baseada na dupla experiência dos franceses e dos argentinos.

Assim, em julho de 1961, o general Spirito, chefe do Estado Maior argentino, propôs a seus colegas da Conferência dos Exércitos da América a criação de um Curso Interamericano de luta antimarxista que seria ministrado por um ex-aluno argentino da Escola de Guerra de Paris, o coronel López Aufranc. Um total de 39 oficiais, representando 13 países, incluindo os EUA, assistiram a esses cursos. Em uma mensagem enviada à chancelaria francesa, o embaixador francês na Argentina explica: “cabe assinalar a presença de militares norteamericanos em um curso onde se deu um espaço importante ao estudo da luta anti-marxista em um espírito e segundo os métodos baseados na experiência do exército francês”.

Daí ao Plano Condor há uma rota sem obstáculos na qual se mesclam Videla, presente às aulas onde estavam os instrutores franceses, e o plano Conintes (Comoção interna do Estado). Entre 1963 e 1973 houve uma interrupção na colaboração francesa mas esta foi retomada a pedido dos argentinos.

Nos anos 70 abre-se um novo capítulo. A França mandou a Buenos Aires o coronel Pierre Servant, ex-comandante da Indochina e da Argélia, especializado em “interrogatórios”. Em abril de 1974, Servant se encontrou em Buenos Aires com um dos atores do golpe de 76, o tenente coronel Reynaldo Bignone. Servant, que negou quase todos os fatos quando a justiça francesa o interrogou há alguns anos, trabalhou no Escritório nº 3, situado no 12º andar do quartel general do Exército argentino e deu cursos nessa sede e nas províncias. Sem ligações com a embaixada francesa, Servant estava vinculado ao Secretariado Nacional da Defesa Nacional (SGDN), organismo controlado então pelo novo primeiro ministro e ex-presidente francês Jacques Chirac.

Bussi, Videla, Bignone, Vilas, Harguindeguy, todos estiveram em contato com Servant, beberam a cultura da tortura francesa e absorveram os livros teóricos de Trinquier como se fossem água benta. Servant deixou a Argentina em outubro de 1976, Aussaresses foi para o Brasil em pleno golpe de Estado.

O Plano Condor já estava em marcha. Uma nota de Henry Kissinger (ex-secretário de Estado dos EUA) distribuída nas embaixadas norte-americanas da Europa adverte que o grupo “murder” (assim era denominado o Plano Condor) operaria na velho continente, especialmente em Paris. A sede argentina do dito plano, o Centro Piloto, estava localizada no nº 83, da Avenida Henry Martin.

O cérebro destas doutrinas é o coronel Roger Trinquier. Professor emérito na Escola das Américas dos EUA, Trinquier é o maior ideólogo francês da guerra suja cujo sermão principal foi assegurar a partir dos anos 50 que “a tortura é um elemento importante na guerra moderna contra revolucionária”. A maior parte da estrutura “anti-revolucionária” foi elaborada por Trinquier. Os historiadores da Guerra da Argélia e da Indochina, que estabeleceram os nexos entre as práticas aplicadas durante esses conflitos e as que se viram depois na Argentina, Uruguai, Chile e Brasil tiram uma clara conclusão: o aperfeiçoamento do choque elétrico, a radiografia das agendas dos detidos, os sequestros em plena noite, a tortura sistemática, a guerra psicológica, os desaparecimentos, o uso de arquivos e os voos da morte são técnicas transmitidas pelos oficiais franceses.

Em um artigo de 4 de janeiro de 1981, publicado pelo diário argentino La Prensa, o general Ramón Camps assegurou que essas missões e cursos começaram “sob a direção dos tenentes coronéis Patrice de Naurois e François-Pierre Badie”. Aquelas sessões serviram para transmitir as experiências dos oficiais franceses nas guerras da Indochina e da Argélia. Os documentos existentes provam que esses ensinamentos se baseavam essencialmente nos trabalhos escritos por outro militar francês que confessou a prática da tortura na Argélia, o general Massu. O essencial, porém, foi “ensinado” pelo general Salan e, sobretudo, pelo tenente coronel Roger Trinquier.

Uma nota do general Massu, com data de 19 de março de 1957, argumenta em defesa de um dos princípios aplicados depois pelas ditaduras militares da América do Sul: “não se pode lutar contra a guerra revolucionária e subversiva protagonizada pelo comunismo internacional e seus intermediários com os procedimentos clássicos de combate. É preciso utilizar métodos e ações clandestinas e contrarrevolucionárias. É preciso que esses métodos sejam admitidos com a alma e nossas consciências como necessários e moralmente válidos”. Essa é a parte mais “filosófica” do “combate” contrarrevolucionário. A definição da ação prática corresponde a Trinquier, redator de números manuais militares difundidos na Argentina.

O tenente coronel Trinquier é o “organizador do conceito de guerra moderna”. Essa guerra se articula em torno de três eixos: a clandestinidade, a pressão psicológica e a moralidade estrita. Se se observam os dispositivos técnicos aplicados na Argélia, em seguida pode-se “ler sua tradução” na Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai e Brasil. Trinquier inventou um sistema de busca da informação conhecido na França como Destacamentos Operacionais de Proteção (DOP). Esse mesmo sistema foi adotado na Argentina mediante as forças tarefa. O leitor não pode senão assombrar-se com as semelhanças entre os DOP e as forças tarefa. Os DOP tinham a tarefa de interrogar os detidos argelinos e utilizavam a tortura. Eles arrancavam informação sobre a organização político-administrativa dos rebeldes e realizavam a prisão e a eliminação dos suspeitos em lugares ocultos. Essas mãos das sombras que foram as forças tarefa se inspiraram técnica e operacionalmente em todo o aparato repressivo dos DOP franceses.
Na Argélia, Trinquier elaborou a “doutrina da clandestinidade” que mais tarde causaria estragos durante os golpes de Estado na América do Sul: repressão baseada no ocultamento dos centros de detenção, desaparecimento de pessoas e eliminação dos corpos. O recurso a pessoal militar trajado como civis em comandos que percorriam à noite os centros urbanos em busca de vítimas ou de suspeitos para torturar é uma técnica implementada em Argel pelo general Aussaresses e Massu que foi importada para a Argentina por meio das missões de Patrice de Naurois e François-Pierre Badie, Trinquier teorizou por escrito sobre as bases da guerra suja e seus “manuais” se tornaram palavra sagrada nas academias nacionais.

O cronograma das missões francesas à Argentina permite situar com exatidão que foi a ditadura de Onganía a que começou a se alimentar com esses ensinamentos. Um testemunho direto do general Campos demonstra a “irmandade” técnica e moral que existia entre o corpo de oficiais argentinos e os “missionários” que vinham de Paris com a mala repleta de métodos para matar. No mesmo artigo citado anteriormente (4 de janeiro de 1981), Camps declarou, como uma forma de homenagem: “Na Argentina primeiro recebemos a influência francesa, depois a norte-americana. Aplicamos as duas respectivamente de maneira separada e depois conjunta tomando os conceitos de ambas até que a norte-americana predominou. Mas é preciso dizer que a concepção francesa era mais exata que a norte-americana. Esta última se limitava quase exclusivamente ao aspecto militar enquanto a francesa consistia em uma visão global”.

As metodologias se alimentam umas das outras. O general francês Paul Aussaresses foi instrutor militar na base norte-americana de Fort Bragg, Carolina do Norte, a escola dos paraquedistas norte-americanos onde se treinavam as “forças especiais” antes de elas irem para o Vietnã. Um texto ilustrativo escrito pelo coronel francês Henri Grand D’Esnon e destinado exclusivamente às forças armadas argentinas permite compreender como se elaboraram as bases “práticas” para que os generais argentinos incluíssem na vida civil. Gran D’Eson afirma que “a destruição da organização político-administrativa revolucionária corresponde à polícia, mas o exército deve apoiar essa ação toda vez que os métodos da polícia resultarem insuficientes, situação que se produz frequentemente quando a subversão se generaliza” (trecho de “A Guerra Subversiva”, artigo publicado na Revista da Escola Superior de Guerra, nº 338, Julho-Setembro de 1960).
O general Aussaresses reconheceu que ensinou “a tortura e as técnicas de interrogatório da Batalha de Argel” aos militares brasileiros e também norte-americanos. Isso ocorreu na época em que ele era professor em Fort Bragg. Nesse quartel geral dos Estados Unidos, Aussaresses conheceu o coronel Carl Bernard, a quem mostrou um rascunho do livro do coronel Trinquier, “A Guerra Moderna”. Bernard e Aussaresses resumiram o livro e o enviaram a Robert Komer, um agente da CIA que será nomeado conselheiro do presidente norte-americano Lyndon Johnson durante a Guerra do Vietnã. Segundo o coronel Bernard, Komer montou a operação Fênis a partir do resumo do Manuel de Trinquier. A Operação Fênix foi lançada no Vietnã no final dos anos 60: seus métodos são os mesmos que foram empregados depois na Argentina, Chile, Uruguai e Brasil.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

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Osasco está unida e terá o apoio da presidenta Dilma, diz João Paulo ao inaugurar o Comitê Central.

"Essa casa é nossa, é aqui que vamos nos preparar para a batalha que levará Osasco a ser cada vez melhor, com mais desenvolvimento, mais projetos habitacionais, mais investimentos da presidente Dilma e mais orgulho para o nosso povo". Com estas palavras, o deputado federal João Paulo (PT), candidato a prefeito de Osasco, inaugurou na sexta-feira, 20 de julho, o Comitê Central de campanha, na rua Narciso Sturlini, 204, centro de Osasco.

A festa contou com a presença do candidato a vice-prefeito, Jorge Lapas, do prefeito de Osasco, Emidio de Souza, e candidatos a vereador dos 20 partidos que integram a coligação "Osasco Unida com a Força do Povo", além da população e militantes. Bastante emocionado, João Paulo frisou que o ato, apesar de modesto, esteve carregado de símbolos e boas recordações, pois no mesmo lugar, em 2008, foi planejada a vitoriosa campanha do prefeito Emidio. "Este local nos deu sorte e foi daqui que saímos para comemorar a vitória de Emidio, no primeiro turno. E, se Deus quiser, será daqui que faremos a festa da vitória para aqueles que acreditam na esperança de fazer Osasco uma cidade cada vez melhor", disse o candidato.

A ansiedade gerada pela campanha e o apoio que tem recebido dos partidos e da população também foram tratados por João Paulo. "Tenho falado uma frase que é quase um mantra: campanha não importa como começa, importa como termina. Nós já vimos aqui em Osasco muitos candidatos começarem colocando uma infinidade de faixas, mas quando abriram as urnas os votos foram menos do que a quantidade de propaganda. Administrar a ansiedade não é tarefa simples. Toda campanha é difícil, mas se entrássemos numa batalha fácil demais teríamos dúvidas a respeito da razão da luta", disse.

Obras

Esperadas há décadas, João Paulo enumerou diversas obras que foram realizadas pelo prefeito. "Sabemos que o companheiro Emidio construiu dois CEU´s, um no Jardim Elvira e outro no Jd. Santo Antonio. Vamos construir mais CEU´s, levando cultura, lazer e educação para as nossas crianças. A prefeitura está construindo uma UPA no Jardim Conceição e na Vila Menck. Vamos também fazer uma UPA na região central da cidade".

Ao tratar sobre obras na malha viária, João Paulo citou o prolongamento da avenida Visconde de Nova Granada até a entrada da Vila Yolanda. "Se o Emidio levou a Visconde de Nova Granada até a entrada da Vila Yolanda, nós vamos levá-la ao Largo do Salgado e depois até a favela da 13, no Jaguaribe, onde foi anunciada recentemente a construção de um conjunto habitacional, com investimentos do Governo Federal. Serão construídos apartamentos e a favela será completamente urbanizada".

Enfrentar os problemas

João Paulo reconheceu que Osasco ainda tem deficiências e disse que trabalhará para resolver cada uma delas. "Sabemos que existem problemas na cidade, mas quero dizer a vocês que este grupo os enfrentará. Não vamos fugir dos desafios. Com apoio do Governo Federal e com muita vontade de trabalhar pelos mais humildes, criaremos condições para resolver cada questão."

Futuro

O prefeito de Osasco, Emidio de Souza, falou da alegria de ter João Paulo no comando de Osasco. "Vamos sepultar essa direita atrasada, que por tantos anos governou Osasco. O futuro é de quem trabalha com a Dilma e com o Lula, o futuro se chama João Paulo Cunha. Temos novos desafios, mas tenho certeza de que o João Paulo e o Jorge Lapas saberão resolvê-los. Peço o esforço, a garra e a luta de todos vocês para que Osasco continue crescendo. Se eu fiz muito, garanto a vocês que o João Paulo fará mais".

Melhor para Osasco

Para Jorge Lapas, é um orgulho fazer parte do time de João Paulo. "Está sendo uma grande satisfação iniciar a campanha com tanta gente boa, gene que representa o que há de melhor  na cidade de Osasco. É a primeira vez que sou candidato e é uma satisfação saber que sou vice de uma pessoa que fez tanto por Osasco, que o nosso companheiro João Paulo".

O apreço demonstrado por Lapas foi retribuído por João Paulo. "É gratificante ter ao meu lado o companheiro Jorge Lapas, que traz na memória tudo que o prefeito Emidio realizou e tudo que precisa ser feito nesta cidade. Ele integra nosso time, que é o time da presidente Dilma, do Lula, do Emidio e de todos aqueles que amam Osasco."

Mídia tenta intimidar Lula e o PT para proteger Serra da CPI


Na semana passada, este blogueiro participou de um lauto almoço em que o prato principal foi a CPI do Cachoeira. O repasto veio com um ingrediente especial: picadinho de José Serra ensopado com molho de Paulo Preto e Delta.

O que posso relatar é que vai se tornando inevitável que a CPI se debruce sobre os maiores contratos da Delta em todo país, os contratos de São Paulo, os quais estão sob escrutínio do Ministério Público.

A ocultação do escândalo pela mídia, aliás, é criminosa. Um escândalo dessas proporções não aparece em parte alguma devido ao envolvimento de alguns veículos que, inclusive, estão cada vez mais próximos de ser acusados.

A convocação de Serra seria, também, um desastre eleitoral para a sua cambaleante candidatura a prefeito de São Paulo, recentemente ferida de morte pela crescente desmoralização da administração Gilberto Kassab.

É nesse contexto que entra Roberto Jefferson, o golden boy da mídia tucana, o patrono de toda a sua cruzada contra o PT desencadeada em meados da década passada e que até hoje constitui a grande aposta da oposição para ao menos se manter viva.

Jefferson, que teve seu mandato de deputado cassado por não ter conseguido comprovar a existência do mensalão e que, à época de sua denúncia, inocentou Lula, agora muda a versão e tenta envolver o ex-presidente acusando-o de ser o mentor de tudo.

A acusação de Jefferson está sendo fermentada pela mídia apesar de ser um nada, inverossímil e descartável, pois, à época da denúncia do mensalão, a Polícia Federal e todos os órgãos de controle investigaram Lula exaustivamente e nada encontraram.

A denúncia contra Lula é tão débil que nem a peça delirante do ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza, construída exclusivamente sobre suposições, ousou sequer se aproximar do então presidente.

Todavia, como se sabe, o mundo midiático não precisa de fatos para construir suas campanhas difamatórias. É incontável o contingente de acusados pela mídia tucana que depois foram inocentados pela Justiça, mas que foram punidos antes do julgamento.

Um dos exemplos mais candentes é o ex-ministro do Esporte Orlando Silva, literalmente chacinado pela mídia e contra quem a Justiça nada encontrou que justificasse a sua demissão além das opiniões de pistoleiros midiáticos.

Como de costume, portanto, não faltaram esses pistoleiros de Serra na mídia a saírem disparando contra Lula por conta de uma declaração mal-explicada e sem qualquer elemento probatório, amparada apenas nas palavras vazias de Jefferson.

Pelo que sabe este blogueiro, porém, o esforço midiático é vão. O envolvimento de Serra e de outros paulistas no escândalo do Cachoeira, serão inevitáveis. A própria oposição, diante de fatos que ainda vão se tornar públicos, não terá como sequer reclamar.

O mês de agosto de 2012, assim, ficará marcado como um dos períodos mais conturbados da história política recente do país. Globo, Folha, Estadão e Veja já posicionaram seus principais pistoleiros para abrirem guerra contra Lula e o PT a partir da semana que vem.

Apesar do noticiário massacrante, porém, o fato é que a direita midiática está às portas de descobrir que o que começará a fazer a partir de agosto já era esperado e que, por conta disso, seus alvos se prepararam muito bem.

Aguardem.

Lula se une a Haddad em campanha pelas ruas de São Paulo


O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou dirigentes do PT para fazer um diagnóstico das candidaturas do partido e afirmou que em dentro de duas semanas espera entrar na campanha de Fernando Haddad à Prefeitura de São Paulo.

A expectativa é que ele seja liberado pelos médicos no dia 6 de agosto, quando fará exames de avaliação do tratamento a que se submeteu contra um câncer na laringe. A data também irá marcar o lançamento da Programa de Governo proposto pela coligação ‘Para Mudar e Renovar São Paulo’ – composta pelo PT, PCdoB, PSB e PP – para os 11 milhões de cidadãos paulistanos.

A ideia do partido é programar eventos externos de Haddad com Lula. Antes disso, o PT fará, no dia 30 deste mês, em um hotel em São Paulo, uma sessão de fotos de Lula com os candidatos a prefeitos do partido nas cidades com mais de 150 mil eleitores.

Capitais como Belo Horizonte e Recife também foram apontadas como prioritárias e podem contar com participação mais intensa do ex-presidente na campanha.

Lula, que voltou ao trabalho nesta segunda (23) depois de um descanso de dez dias no interior de São Paulo, se reuniu com a cúpula do partido na sede do instituto que leva seu nome, na zona sul da capital paulista. Participaram os deputados Rui Falcão e Edinho Silva, presidentes nacional e estadual do PT, além de Haddad e do coordenador de sua campanha, vereador Antonio Donato.

O ex-presidente pediu que a campanha de Haddad elabore uma lista de eventos dos quais ele possa participar ao lado do candidato. Ele também deverá participar de carreatas.

Com informações da Folha de S.Paulo.

Uma aula com Samuel Pinheiro Guimarães

Para analisar a conjuntura da América Latina, um dos principais ideólogos da política internacional do governo Lula resgata a história da política estadunidense para a região antes de situar o golpe no Paraguai, a entrada da Venezuela no Mercosul e os desafios do Brasil em suas relações internacionais. Samuel Pinheiro Guimarães afirmou que renunciou à a alta representação do Mercosul por uma limitação institucional do posto. "Eu fiz um relatório com um diagnóstico do Mercosul e propostas, mas não houve maior atenção", afirma.

Vinicius Mansur

Brasília - Convidado pela Comissão Brasileira Justiça e Paz, CBJP, organismo da CNBB, para falar sobre a conjuntura política da América Latina, especialmente da América do Sul pós-golpe no Paraguai, o embaixador e alto representante geral do Mercosul até junho deste ano, Samuel Pinheiro Guimarães, expandiu o recorte territorial e histórico para introduzir sua análise. “Para compreender essa situação é preciso compreender a política dos EUA para região e para o mundo”.

Segundo o embaixador, o objetivo estratégico permanente dos EUA é integrar todos os países da região numa única área econômica e uma de suas primeiras manifestações neste sentido aconteceu em 1889 na I Conferência Internacional Americana, em Washington, quando propuseram um acordo de livre comércio nas Américas e a adoção do dólar por todos os países. “Um projeto perfeito: de um lado a maior potência industrial do mundo, do outro um grupo de países agrícolas, mineradores, muito pobres, com grandes concentrações de renda”, ironizou.

Durante a conferência houve a proclamação da República no Brasil e a nova delegação brasileira aceitou a proposta estadunidense. “Isto porque uma das características da República era a idéia do panamericanismo e o Brasil queria afastar o estigma do Império, muito ligado à Europa, aos ingleses, uma ameaça aos países vizinhos independentes”, explicou, acrescentando que a área de livre comércio não foi criada por oposição da Argentina. “O antagonismo que existe nos EUA contra a Argentina já vem de longa data”, salientou.

É no pós-Segunda Guerra Mundial, entretanto, que as ações estadunidenses se intensificam rumo aos vizinhos do sul, ainda que antes disto os EUA já tivessem se apropriado de dois terços do território do México, se imiscuído na Nicarágua, República Dominicana, Haiti e Cuba e criado um país, ao separar o Panamá da Colômbia. “A América do Sul era mais distante”, brincou o diplomata, mas “aproximou-se” com as condições criadas após o triunfo em 1945: a Europa e os impérios coloniais destruídos abriram campo para a expansão de seu poderio e a União Soviética, o seu mais novo inimigo número 1, era o sinal de que a tarefa deveria ser cumprida rapidamente. Com a Revolução Cubana, em 1959, os EUA intensificaram a atuação em seu “quintal”.

De um lado, programas de cooperação com a Aliança para o Progresso, de outro, o apoio às violentas ditaduras civis-militares . “Enfatizo o termo civil. Hoje diz-se só militares, mas elas foram apoiadas em grande medida por elites de diferentes setores e meios de comunicação”, destacou. Ao passo em que estes regimes perdiam força – e Guimarães aponta o fato da repressão ter chegado aos setores médios e altos da sociedade como determinantes nesse processo – os EUA passaram a defender a sua substituição, emplacando uma nova plataforma política em prol dos direitos humanos, da democracia e do apoio a partidos políticos no contexto de início do neoliberalismo e de queda da União Soviética.

Dominação pelo mercado

Com a redemocratização da América do Sul a partir da década de 1970 e 1980 e com a ascensão da China no mercado mundial, o objetivo histórico dos EUA aponta cada vez mais para a celebração de acordos econômicos bilaterais, estratégia desenvolvida também em nível multilateral na Organização Mundial do Comércio (OMC). Em 1994, os planos dos EUA dão um salto com a incorporação do México, por iniciativa de seu então presidente Salinas de Gortari, no Tratado Norte Americano de Livre Comércio (Nafta), que contava também com o Canadá. “Causou certa perplexidade porque o México era um tradicional defensor das teses dos países em desenvolvimento, do tratamento preferencial. Aquilo teria um impacto muito grande sobre toda a política dos EUA de relacionamento com os países em desenvolvimento, porque o México era um grande líder com uma mudança de posição tão radical. No mesmo ano os EUA topou a negociação da Alca [Área de Livre Comércio das Américas]”, resgata Guimarães.

O projeto da Alca foi definitivamente arquivado em 2005, na Cúpula de Mar del Plata, Argentina, por atitude coordenada dos presidentes argentino, Nestor Kirchner, e brasileiro, Luis Inácio Lula da Silva, segundo Guimarães. Mas os EUA lograram acordos bilaterais com Chile, Peru e Colômbia depois disto. As negociações com o Equador avançaram bastante, mas foram interrompidas com a vitória de Rafael Correia, assim como Hugo Chávez havia feito em 1999 na Venezuela.

O problema desses acordos, aponta o embaixador, é “estabelecer as mesmas normas econômicas sob uma pretensão de reciprocidade, como se houvessem grandes investimentos de um país menor em outro maior”, impedindo assim o desenvolvimento autônomo das economias mais fracas e levando, quase que automaticamente, a um alinhamento político com os EUA nas grandes questões internacionais. “O Uruguai, que celebrou um acordo desses com os EUA, está sendo processado por uma empresa de cigarros que alega que legislação de controle do fumo do país prejudica seus lucros”, exemplificou.

O problema trágico para os estadunidenses, destaca Guimarães, é que com regimes democrático na América do Sul, com liberdade de expressão e eleições razoáveis, os presidentes eleitos tendem a ter programas progressistas, ainda que alguns não pretendam executá-los, ressalta. Porém, as elites tradicionais seguem com muita força para eleger seus representantes aos poderes legislativos, formando uma forte barreira de contenção, ao lado de veículos de comunicação, às políticas sociais e de desenvolvimento alternativo. “No Paraguai o presidente progressista sem nenhum apoio no Congresso não conseguiu fazer a sua política, perdendo prestígio junto à população por não executar as promessas de campanha e o próprio Congresso montou um golpe”, elucidou. Quando há maioria legislativa pró-governo progressistas, como na Argentina, onde mesmo os partidos de oposição aprovaram a suspensão do Paraguai e a entrada da Venezuela no Mercosul, por exemplo, o discurso é de que “não há democracia, eles controlam o Congresso”.

O golpe no Paraguai

Samuel Pinheiro Guimarães não hesita em qualificar a destituição de Fernando Lugo como golpe grosseiro. “Se fosse mais longo [o processo de impeachment] seria mais difícil contestá-lo e acabariam condenando do mesmo jeito. Eles foram receosos da reação dos vizinhos”.

O diplomata considerou a postura brasileira no episódio firme e prudente, discordando daqueles que qualificaram a posição do Brasil como “branda” em comparação com o ocorrido durante o golpe no presidente Manoel Zelaya em Honduras. “Lá em Honduras foi um golpe praticamente militar, tiraram o presidente do poder, colocaram em um avião e mandaram embora, morreram muitos jornalistas, a repressão foi muito forte. Por outro lado, a admissão da Venezuela era tudo que os paraguaios não queriam. Foi de certa forma uma punição. De outro lado, nossos interesses no Paraguai são muito reais. Há um número muito grande de descendentes brasileiros que moram no Paraguai, há a represa de Itaipu”, disse.

Porém, Guimarães salienta que os interesses do Paraguai nos países do Mercosul é de tamanha magnitude que dificilmente serão compensados com qualquer outro acordo internacional, nem mesmo pelos EUA. E caso o regime paraguaio recrudesça, o diplomata sinaliza que uma série de medidas podem ser tomadas de maneira gradativa, como a não aprovações de projetos do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem) que estão em análise e, numa etapa seguinte, a suspensão de projetos que já estão em curso. “O Brasil é o principal contribuinte deste fundo com 70%, Argentina com 27%, Paraguai com 1% e Uruguai com 2%. E há importantes projetos para o sistema de transporte deles”, afirmou.

Venezuela

Mais do que o Paraguai perdeu os EUA com a entrada da Venezuela no Mercosul. Por definição, um país membro do bloco está impedido de celebrar um acordo de livre comércio pretendidos por Washington. “Isso é grave pros EUA. Apesar de estarem mudando suas fontes de abastecimento, explorando suas reservas internas, continuam muito dependentes do petróleo importado, em grande parte, do Oriente, uma área delicada. E eles tem a Venezuela, a maior reserva do mundo, aqui pertinho deles”, detalha.

A entrada da Venezuela no bloco consolida um determinado tipo de visão econômica, também é importante por dificultar um golpe de Estado que não raro é sondado no país.

Em um país relativamente rico, de grande mercado, com 20 milhões de habitantes, com recursos naturais preciosos, que está procurando construir sua infraestrutura e se industrializar e cujo comércio com o Mercosul cresceu volumosamente na última década. “Além de ser um país altamente consumidor de produtos agrícolas, o que é uma oportunidade para outros países do bloco”, acrescenta o embaixador.

Imperialismo à brasileira?

Questionado sobre um crescente sentimento contra o Brasil devido à atuação do capital nacional em países vizinhos, levando até mesmo a formação de uma articulação dos Atingidos pelo BNDES, Guimarães ratificou que é este o grande desafio da diplomacia e do governo de um país tão assimétrico como o Brasil é em relação aos seus vizinhos. “O Brasil é mais da metade do PIB da América do Sul, é quatro ou cinco vezes o PIB da Argentina, que é o segundo maior.

Um PIB muito grande significa empresas muito grandes. Imagina se as empresas estrangeiras aqui fossem brasileiras, o que já teria acontecido?”, indaga para, em seguida, recordar que o problema da desnacionalização também afeta o Brasil, citando como emblemática a recente transferência do controle da maior rede varejista do país, o grupo Pão de Açúcar, ao capital estrangeiro.

Para o diplomata, o Brasil deveria ter uma política que em hipótese alguma financiasse a aquisição de empreendimentos estrangeiros por brasileiros e que estimulasse a associação dos capitais locais. Porém, ressaltou que há uma diferença entre a atuação independente das empresas e o financiamento do Estado. “O governo não pode impedir que as empresas façam investimento no exterior, a legislação não permite. Mas, a legislação daquele país pode, reservando setores para empresas nacionais”, esclareceu, acrescentando que o Brasil, em geral, financiou empreiteiras para participarem de licitações internacionais de obras de infraestrutura. “E essas empresas não ficam no país”.

Um caso qualificado por ele como grave está na Argentina, onde empresas brasileiras compraram um grande número de frigoríficos, atividade tradicional e importante daquele país. “Isso ainda não leva a grandes dificuldades, mas levará. As empresas estrangeiras, em geral tendem a recorrer aos seus países para fazer pressão ao governo local, o que cria grandes atritos”, alertou.

Exército no Haiti

No que tange a atuação militar brasileira no Haiti, Guimarães descarta que o Brasil tenha uma ação imperialista. “Se houvesse caso de morte, de agressão de brasileiros a haitianos sairia todo dia aqui no jornal”, retruca e completa: “Na questão dos refugiados haitianos a posição tem sido correta, apesar de não divulgada.” O diplomata recorda que foi o Conselho de Segurança da ONU quem criou da força de paz para o Haiti, sem a participação do Brasil, que posteriormente foi convidado a integrá-la, tal como já fez em países como Congo, Timor Leste e Angola. “Antes de aceitar, foram mandadas duas missões aos países do Caribe próximos para saber o que eles achavam e eles aprovaram. O Brasil comandou as forças nos dois primeiros anos e deveria ter rodízio, mas a própria ONU pediu que o Brasil continuasse e tem pedido até hoje. Se não fosse o Brasil seria outro país”, defendeu.

Política externa alternativa

Se por um lado o papel crescente do Brasil no cenário internacional o leva a questionamentos quanto a reprodução de relações de tipo imperialista, Guimarães salienta que há iniciativas concretas visando um modelo de integração de novo tipo, para além dos posicionamentos políticos progressistas. Ele destaca os bancos de leite materno e os programas contra a febre aftosa impulsionados em vários países, o aumento da presença de entidades brasileiras no mundo visando a cooperação sul-sul, tais como a Embrapa - com unidades de pesquisa em Gana e na Venezuela, a Fiocruz – com uma unidade de produção de medicamentos retrovirais em Moçambique, a Caixa Econômica Federal – com projetos de habitação na Venezuela e o Ipea, que deverá abrir um escritório em cada país do Mercosul.

Também entram na lista a criação da Universidade Federal Latino Americana (Unila), em Foz do Iguaçu (PR), e da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), com dois câmpus no Ceará e a cooperação na área da educação com o Timor Leste. “É preciso de mais recursos para a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), mas houve corte de dotação orçamentária”, cobrou o diplomata.

Saída do Mercosul

Por fim, Samuel Pinheiro Guimarães afirmou que renunciou à a alta representação do Mercosul por uma limitação institucional do posto. O cargo foi criado no final do governo Lula com a ideia de iniciar uma gestão do Mercosul acima dos governos, uma vez que o bloco não possui uma estrutura supranacional, como a União Europeia, que dinamize seu funcionamento. Mas, Guimarães não se sentiu respaldado, talvez por ser brasileiro, sugeriu: “O Brasil é um país tão assimétrico que gera sempre uma idéia de que o cargo não podia fazer propostas. Eu fiz um relatório com um diagnóstico do Mercosul e propostas. Mas não houve maior atenção, se não tem atenção não tem apoio, se não tem apoio não vale a pena”.