domingo, 23 de dezembro de 2012
2013 será um ano ainda melhor para todos os brasileiros e brasileiras, afirma Dilma
A presidenta Dilma Rousseff afirmou neste domingo (23), no
pronunciamento de Natal, que 2013 será um ano ainda melhor para todos. Segundo
ela, 2013 será o ano de ampliar o diálogo com todos os setores da sociedade,
acelerar obras, melhorar a qualidade dos serviços públicos e continuar
defendendo o emprego e o salário dos brasileiros.
“Tenho certeza que
2013 será um ano ainda melhor para todos os brasileiros e brasileiras. Das
janelas de nossas casas, fábricas e escritórios, das janelas dos ônibus e dos
automóveis, nós vemos, lá fora, resplandecer as luzes do Natal. Que elas
iluminem ainda mais o nosso caminho, pois estamos no rumo certo”, afirmou.
No pronunciamento, a presidenta afirmou que, apesar da crise
econômica internacional, está otimista com os rumos do Brasil. Ela pediu aos
empresários que acreditem e invistam no país. Segundo a presidenta, o governo
confia no povo, no empresariado, respeita contratos e está empenhado na
construção de novas parcerias entre os setores público e privado.
“Sou, como todos os
brasileiros, uma otimista. Tenho consciência dos desafios que a crise
internacional tem lançado ao nosso país. Sei também que momentos de crise podem
ser transformados em grandes oportunidades. Esse é o nosso propósito em cada
ação que implementamos em 2012. Nossa receita para um Brasil mais forte é
investir na superação da pobreza, na garantia da casa própria, na expansão do
emprego, no aumento das oportunidades de educação, no aprimoramento de nossa
infraestrutura e na competitividade de nossas empresas”, afirmou.
A presidenta fez um balanço das principais ações e medidas do
governo em 2012, assegurou a redução nas contas de energia elétrica para
consumidores residenciais e industriais em 2013 e concluiu o pronunciamento
desejando Feliz Natal e próspero Ano Novo a todos.
Lula: “Só existe uma possibilidade de me derrotarem: trabalhar mais do que eu”
O ex-presidente Lula afirmou nessa quarta-feira (19) que
voltará a andar pelo país em 2013 e que não será derrotado por nenhum vagabundo
"Só existe uma possibilidade de me derrotarem: trabalhar
mais do que eu. Se ficar um vagabundo numa sala com ar condicionado falando mal
de mim, vai perder", discursou Lula.
Lula discursou por mais de 40 minutos na posse do novo
presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, entidade a qual presidiu na
década de 70 e que o lançou para a vida política nacional.
Lula falou ainda dos
avançoes de seu governo e do governo da
presidente Dilma e pediu otimismo aos brasileiros diante da crise
internacional.
"Temos que pensar da forma mais positiva possível. Não é
porque nosso vizinho está doente que a gente vai ficar doente. Não é porque a
Europa está em uma crise que a gente tem que entrar em crise."
O ato, que teve a presença de políticos do PT, PC do B e do
presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), além de sindicalistas e
integrantes de movimentos sociais, virou uma manifestação de desagravo ao
ex-presidente, com faixas de "Lula é meu amigo, mexeu com ele mexeu
comigo" espalhadas pelo salão.
Ontem, recebeu oito governadores que lhe prestaram
solidariedade e apoio de deputados em ato na Câmara. Hoje, foi homenageado nos
discursos durante a posse do novo presidente do sindicato.
Vagner Freitas, presidente da Central Única dos Trabalhadores
(CUT), disse que as acusações são fruto
de perseguição da elite brasileira, que ainda não aceitou os avanços promovidos
pelo governo Lula.
"A elite percebeu que não consegue ganhar as eleições,
então quer jogar no tapetão, no Poder Judiciário", afirmou. "Se
quiserem colocar a democracia em jogo, vamos para a rua pelo direito de eleger
quem quisermos."
Lula e o combate à corrupção
Por Pedro Serrano
Os casos do “mensalão”, Operação Porto Seguro e tantas outras
noticias de investigações e ações judiciais contra integrantes e agentes do
governo federal criam em parte da população a impressão de que o governo do PT
é dos mais corruptos da história, para usar a desmedida expressão de alguns
veículos quanto ao julgamento da ação 470. Por outro lado, a uma parcela da
população fica a impressão da persecução indevida a Lula, Dilma, seus governos
e partido. Isso pode ser verdade em relação à mídia na maior parte desses
casos, mas o mesmo não pode ser dito dos órgãos de apuração que, na maioria das
vezes, nada mais fazem que cumprir seu dever legal.
Em verdade os fatos são complexos. Envolvem sim uma postura
disseminadora de ódio por parte de boa parte dos grandes veículos de mídia na
forma como estes traduzem em versões os fatos. Trazem como manchete qualquer
fofoca de bar, numa postura de evidente mau e anti-ético jornalismo, muitas
vezes sem qualquer apuração real e excluindo a priori qualquer fato que
contrarie a lógica moralista e espetacular do escândalo, por mais verdadeiro
que se apresente. Por outro lado, muitas vezes tratam-se sim de fatos
criminosos praticados por agentes públicos, que podem ocorrer em qualquer
governo e país e que devem ser adequadamente apurados e punidos.
Se por um lado ninguém desconhece que temos uma mídia
parcial, pouco plural e servil a interesses de nossas elites, propagadora do
ódio de classe, do qual Lula tem sido há tempos a vítima predileta, de outro
também ninguém desconhece que em nossos meios políticos e em nossa burocracia
estatal vige uma cultura histórica de práticas corruptas das mais variadas
estirpes e de cujo combate nosso desenvolvimento como Estado Democrático de Direito
carece.
O combate à corrupção pode, em certas circunstâncias
históricas, ser estimulado por manchetes, mas a manchete não combate por si a
corrupção. Muitas vezes, a manchete serve mais ao moralismo servil e ao ódio
irracional em lugar de concretamente mitigar o combate racional, cotidiano,
institucional e eficaz à corrupção.
O verdadeiro combate à corrupção se realiza, como demonstra a
experiência histórica global, com a formação de órgãos e instituições estatais
independentes, fortes, bem remuneradas e profissionalizadas. Ao mesmo tempo, é
preciso haver uma cultura social que acolha este combate, cortando na própria
carne, aceitando, por exemplo, que o filho vá para a cadeia quando é pego
bêbado dirigindo ou em qualquer outra prática delituosa. Não há Estado honesto
a partir de uma sociedade desonesta.
Não se combate a corrupção com discursos moralistas, no mais
das vezes hipócritas, mas sim com um duplo trabalho. Mudança da estrutura
estatal de combate e mudança da cultura social.
Uma primeira consequência do início do combate à corrupção é
o aumento de sua percepção pela população. Temos o perverso efeito de que o
governo que promove a criação e implementação de órgãos realmente independentes
de apuração é o que mais sofre as consequências políticas desta criação, pois
corrupção é um mal humano, ocorre em qualquer governo. Quando não existem
órgãos que apurem os crimes, a percepção de sua existência é bem menor que
quando esses órgãos existem.
No Brasil, o combate à corrupção vem se ampliando desde a restauração
da democracia, mas teve dois momentos marcantes: A promulgação da Constituição
de 1988, que criou as normas básicas de independência do Judiciário e do
Ministério Público, e o governo Lula, que criou as condições materiais para a
real existência de uma Policia Federal independente e bem remunerada, um
Ministério Público que fosse mais que um engavetador de investigações,
ampliando de fato sua autonomia face ao Executivo, e pela implementação de
nomeações ao STF de ministros não ligados politicamente ao Executivo, com isso
fomentando sua independência.
O trabalho de combate à corrupção, no entanto, estagnou,
exatamente por conta da ação exacerbadamente partidária de nossa mídia e pela
inação do PT como partido de oposição nos estados.
Ao contrário do Executivo e do Legislativo, que têm
competências muito concentradas na União, nosso Judiciário e, por consequência,
Ministério Público e Polícia Judiciária, têm competências descentralizadas pela
Federação. Em verdade, a maior parte dos crimes de nosso Código Penal são de
competência de julgamento e apuração dos Judiciário, Ministério Público e
polícias estaduais.
Para que o aparelho estatal esteja pleno em termos de combate
à corrupção as medidas do governo Lula teriam de se estender aos Esatdos
membros da Federação, quais sejam de criação de fato de uma polícia
independente e bem remunerada, um Ministério Público efetivamente autônomo face
ao Executivo e um Judiciário não servil aos governadores.
Infelizmente estamos longe disso nos principais Estados da Federação.
Polícias Judiciárias submissas ao Executivo por conta de legislações que não
lhes conferem real autonomia, policiais pessimamente remunerados (o que faz a
corrupção corroer esses instituições, como antes ocorria com a Polícia
Federal), Ministérios Públicos que atuam em investigações contra prefeitos, em
especial os da oposição, mas que engavetam quase tudo que diz respeito aos
governadores, ainda são comuns.
Muitas vezes, membros das cúpulas dessas instituições vêm a
ocupar cargos relevantes nos primeiros escalões. Enquanto Lula nomeou um PGR
eleito pelos demais membros do MP Federal, o governador de São Paulo, Geraldo
Alckmin (PSDB), por exemplo, nomeou o segundo colocado na respectiva eleição do
MP Estadual, prática que evidentemente não estimula a independência da
instituição.
Os Judiciários Estaduais têm extrema dependência das verbas
orçamentárias do Executivo para arcar com seus custos. O que é um excelente
salário em termos nacionais não o é num Estado como São Paulo, por exemplo, com
alto custo de vida. O sistema de teto salarial puniu os juízes em fim de
carreira, exatamente aqueles competentes para o julgamento de governadores e
demais autoridades superiores. Tudo isso dificulta a realização da
independência dos Judiciários Estaduais.
O que se observa é que nada foi feito no âmbito dos
principais Estados da Federação para implementar medidas de real e permanente
combate à corrupção. E a mídia se mostra silente e complacente quanto a isso
por óbvias simpatias partidárias com o núcleo PSDB/PFL que governa Estados como
São Paulo, Minas Gerais etc, embora Estados governados pelo PT também não sejam
necessariamente exceção a esta regra.
A mídia nada fala quanto à inação de medidas legislativas que
confiram independência às polícias estaduais, que aumentem sensivelmente suas
remunerações trazendo-as ao nível da Polícia Federal, que estipulem real
independência aos MPs Estaduais e ampliem o orçamento do Judiciário cobrando
também do governo federal alteração na política de remuneração dos juízes.
Também a mídia nada apura nos governos estaduais, como se
fossem ilhas de honestidade. Não é o que ocorre. O que há é ausência de
percepção pela ausência de órgãos realmente independentes de apuração e por uma
mídia “chapa branca” regional. Nos Estados, ela não investiga, ou por não mais
saber investigar sem apoio de investigações estatais ou por não querer
investigar por simpatias partidárias dos donos dos veículos de comunicação.
Num momento em que a mídia e parte da população comemora os
ultra duvidosos resultados do julgamento do “mensalão” é importante lembrar que
ele não teria ocorrido:
- sem a investigação independente da Polícia Federal no
modelo criado pelo governo Lula. A antiga PF jamais realizaria uma investigação
assim contra figuras importantes do partido governista, isto era impensável
antes de Lula;
- sem a atuação do atual PGR nomeado a partir de eleição
entre os membros de sua carreira. Tendo sido o mais votado, ele não foi
escolhido por qualquer critério pessoal ou ideológico de Lula, mas sim pelo
fato de ter sido o mais votado por seus pares;
- sem a atuação de Joaquim Barbosa e outros ministros
nomeados por Lula e Dilma a partir de critérios republicanos, como demonstra
até o resultado do julgamento. Mesmo que injusto, ninguém o acusa de influenciado
ou influenciável por qualquer injunção do Executivo
Este modo de agir de Lula, como estadista, aquele que pensa
no futuro do Estado e não em seus interesses ocasionais como governante, é que
precisa ser reproduzido pelos governadores, trazendo os Estados ao esforço
empreendido pela União no sentido de implementar e manter estruturas estatais
permanentes, independentes e bem remuneradas de combate à corrupção, sem medo
de que o aumento natural de percepção gere prejuízos. O pais agradece e a história
saberá reconhecer.
Alfred Döblin faz lembrar nosso glorioso PT e outros tantos anos novos
O fim da miséria, que já está no horizonte, é impulso para exigências
mais complexas e isso exige um partido capaz de reestruturar a democracia
brasileira, com mais democracia, mais participação e transparência e mais
combate às desigualdades. Se o nome “refundação” ainda fere, por equívoco,
ouvidos mais sensíveis, falemos em renovação de fundo e de forma. Não para
fugir das nossas raízes, mas para ancorá-las no presente das novas classes
trabalhadoras, das novas classes médias, das novas formas de produzir e
distribuir riqueza. O artigo é de Tarso Genro.
Tarso Genro
(*)
Na introdução ao seu “Berlim Alexanderplatz” (1929) o grande escritor
Alfred Döblin, da mesma estatura intelectual - artística e moral - de Thomas
Mann, disse que escrevia um livro sobre o personagem Franz Biberkopf, que
representava os que habitam uma pele humana e com os quais acontece “querer
mais da vida do que pão e manteiga”.
Lembro esta passagem lapidar da introdução de Döblin, porque sendo parte do grupo de dirigentes históricos minoritários no PT - desde a época que ocorreram os fatos que originaram a Ação Penal 470 - e tendo assumido a presidência do Partido num momento difícil da sua existência afirmei, em diversas oportunidades, que nenhum partido era uma comunidade de anjos. O que era afirmar o óbvio num momento em que dizer o óbvio parecia uma agressividade contra o meu próprio Partido.
Passados vários anos daquele fato e quase terminado o julgamento daquela Ação Penal, é bom retomar o fio da história presente para refletir, no período que se convenciona planejar o “ano novo”, sobre o futuro da esquerda e do PT. Pensar também sobre o futuro do nosso país, que nos últimos dez anos vem sofrendo grandes transformações econômico-sociais.
Brasil novo sujeito político no cenário mundial; Brasil tirando da miséria 40 milhões de pessoas; Brasil com os sindicalistas, os “sem-terra”, “sem teto”, “sem emprego”, sentados na grande mesa da concertação e da democracia; Brasil do Prouni, do Fundeb, da reestruturação das funções públicas do Estado; Brasil do baixo desemprego, inflação baixa e juros baixos; Brasil da nova Política de Defesa; Brasil da classe média ampliada e de melhores salários no setor público e privado; Brasil da Polícia Federal que age -em regra- segundo a Lei e a Constituição. Brasil em que todas as instituições do Estado cometem seus erros e acertos dentro das regras do jogo constitucional.
É ingenuidade perguntar qual o Brasil que transita no debate político: este, descrito acima, ou o Brasil da Ação Penal 470? Ou melhor, porque o Brasil que se debate é predominantemente o da Ação Penal 470 e não o Brasil legado, até agora, pelo centro progressista e pela esquerda, sob a hegemonia do Partido dos Trabalhadores? Quem compôs esta agenda e porquê ela é agenda hegemônica? As respostas a estas perguntas serão a base da compreensão dos partidos sobre o que ocorrerá bem além de 2018.
Aponto dois motivos básicos, que são fortes para manter a Ação Penal 470 -e a manterão por muito tempo - como o centro de todas as estratégias políticas da direita, em geral, e da oposição midiática, em particular. O primeiro motivo é que, através da judicialização do processo político, poder-se-á criar a ilusão que é possível escrever um novo Brasil -mais decente e mais democrático- por fora da política, logo principalmente através de decisões do Poder Judiciário, que é pouco influenciável pelos movimentos sociais populares e muito influenciável pela “opinião pública” da mídia conservadora.
O segundo motivo, ligado ao primeiro, é que este “deslocamento” da luta política para o âmbito do Judiciário poderá funcionar como uma alternativa à hegemonia do PT e da esquerda no âmbito eleitoral, já que a oposição conservadora, que sucateou o Brasil quando esteve no poder (representada pelo demo-tucanato) não ofereceu, até agora, nenhuma esperança de poder nos próximos anos. Assim, o Poder Judiciário, erigido -como está sendo proposto- à condição de grande menestrel da moral pública e da ética política, poderá transformar-se no centro político da vida política nacional, esvaziando a luta ideológica, programática e política, entre os partidos, nos movimentos e no Parlamento.
É construída, desta forma, a substituição dos Partidos, do Parlamento e dos movimentos sociais, pelo Poder Judiciário, através deste processo de “judicialização da política”. Sobre esta judicialização, o voto popular não pode exercer nenhuma influência direta ou visível, pois sobre o Poder Judiciário os jogos de influência são absolutamente restritos, totalmente elitizados e manipuláveis por poucos grupos sociais, o que, aliás, é normal em todas as democracias do mundo, como sempre analisava e reconhecia o mestre Norberto Bobbio.
Assim, a Ação Penal 470 continuará sendo - se o Parlamento e os Partidos não reagirem com reformas sérias que deem mais dignidade ao fazer político democrático - o centro do debate pautado pela mídia e pela direita anti-Lula. A oposição partidária não conseguiu - ao longo destes oito anos - configurar um projeto alternativo convincente em torno da hegemonia do capital financeiro, pois os interesses empresariais que lhes davam sustentação plena -tanto locais como internacionais- não estão mais unificados pela pauta neoliberal. O surto de crescimento e desenvolvimento das forças produtivas no país, durante os governos Lula, e a crise aguda do modelo neoliberal na Europa, que prosseguiram com o governo da Presidenta Dilma, abalaram esta unidade.
A unidade foi possível até a situação de crise que levou o país ao Plano Real, cujo resultado no desenvolvimento econômico, foi marcar regras mais claras para que os agentes econômicos pudessem planejar o futuro em torno de uma moeda estável, também retirando do Estado as condições de manipular o seu planejamento financeiro, utilizando a inflação. Como o PT e a esquerda foram protagonistas essenciais do período pós-real, no qual ocorreram formidáveis mudanças sociais e econômicas, é natural que tanto o Partido como os seus dirigentes sejam alvos de uma forte tentativa de neutralização dos seus méritos, através da exacerbação de seus defeitos ou limitações.
Mas estes, como se sabe, não são somente originários de condutas individuais estimuladas pelo sistema político atual e pela história pouco republicana do Estado brasileiro, mas também fazem parte, em maior ou menor grau, das “regras do jogo” de qualquer democracia. Refiro-me, aqui, às condutas que são formas não transparentes de promoção de políticas de estado, não aos delitos que sejam cometidos em qualquer época. Estes, os delitos, são normalmente de conta de Poder Judiciário, mas é costumeiramente depois do seu julgamento que passam a integrar, com maior ou menor intensidade, os debates eleitorais e as críticas que os partidos assacam, uns contra os outros, para ressaltar a sua própria autenticidade.
Os partidos democráticos e republicanos, independentemente da sua ideologia específica, devem compartilhar da luta para reduzir ao máximo estes aspectos perversos de qualquer democracia, sem criar a ilusão cínica que um processo judicial -seja ele qual for e contra quem for- terá a capacidade de iniciar uma “era de fim da impunidade”. Criar a ilusão de que iniciaremos, com qualquer processo judicial, uma era de “fim da impunidade”, é criar condições políticas para que, se a oposição atual chegar ao poder, por exemplo, ela não seja punida pelos seus erros e delitos, porque a Ação Penal 470, afinal, já fez “a limpeza necessária no país”, o que é uma supina fraude informativa.
Vou mencionar dois fatos midiáticos típicos, que simbolizam todo um período de luta política no país, que certamente serão arrolados aos milhares em teses acadêmicas futuramente apresentadas a bancas especializadas, o que ocorrerá certamente nos próximos dez anos. O primeiro, apoia-se numa entrevista concedida pelo meu especial amigo, ministro Ayres Britto - diga-se de passagem, ministro honrado e qualificado intelectualmente - que diz (Zero Hora 23.12.12 pg. 8): “O que estamos aqui julgando é um modo espúrio, delituoso, de fazer política. A política é mais importante atividade humana no plano coletivo.”
A afirmativa constante nas declarações do ministro Britto, que sintetiza muito bem a posição do Supremo na Ação Penal 470, elege um ponto de partida perigoso para orientar julgamentos numa Corte Suprema que é sim, também, uma Corte política. É uma Corte, porém, que não tem poderes para julgar “o modo de fazer política”, logo a própria política -que é feita de diferentes modos em distintos contextos históricos- e que é uma “atividade humana coletiva”, como bem diz o ministro Ayres Britto. Os poderes que são dados ao Supremo pela Constituição, em processos criminais, são para julgar comportamentos devidamente individualizados pelo Ministério Público, como determina a Constituição.
Aceitar que o Supremo possa julgar a “política” é promover a possibilidade de incriminações em abstrato de toda uma comunidade partidária ou de governos, como é comum em regimes de força. A Suprema Corte é uma corte política, porque seus julgamentos têm, muitas vezes, largos efeitos políticos sobre vastos períodos históricos e porque, na análise e na aplicação das normas, sempre pendem coordenadas políticas e convicções ideológicas.
O Supremo não é uma Corte política porque seja o julgador da esfera da política, pois esse tipo de julgamento, no Estado Democrático de Direito, é prerrogativa do povo, em eleições periódicas. E do Parlamento em procedimentos regulados. A conveniência política, por exemplo, em liberar uma emenda parlamentar (destinada a promover um investimento público numa região do país) visando uma votação da Câmara Federal, é uma política encravada na formação da nossa República. É hábito (negativo) do nosso sistema político, mas não constitui qualquer delito, se a liberação for feita dentro das regras vigentes. Fisiologismo parlamentar não é da órbita do Supremo: isso é política, em sentido negativo, é má política; mas é política, usada por todos os governantes para governar dentro da democracia. Isso só pode ser desmontado por uma reforma política, não por decisões judiciais.
O Ministro afirmou, portanto, que “estamos julgando um modo de fazer política”, o que implica em dizer que os fatos eventualmente delituosos passam pelo juízo preliminar sobre o “modo de fazer política”. Isso é um rotundo equívoco. Quem julga o “modo de fazer política” é o parlamento e o povo: o parlamento em procedimentos regrados pela Constituição e pelo Regimento Interno das Casas Legislativas e o povo em eleições periódicas. Ou seja, posicionar-se o Juiz, no caso concreto, sobre a “política que está sendo feita” - já tida pelo Magistrado como “espúria” e “delituosa” - é restringir a ampla defesa. A partir daquela convicção, o exame do comportamento individualizado dos réus passa a ser secundário, pois eles são agentes “de um modo espúrio e delituoso” de proceder: criminosos previamente identificados.
Assim, o indivíduo, como réu, subsome-se na criminalização da política presumidamente feita pelo governo e não tem saída nem defesa. O julgamento passa a ser principalmente o julgamento de um “modo de fazer política”, que tanto envolve os réus –integrantes do coletivo político considerado como espúrio e delituoso- como também todos os que estiveram ligados, direta ou indiretamente, às políticas de governo. Todos são culpados: inculpação em abstrato, que foi obrigada a buscar algum tipo de sentido na interpretação ampliada do “domínio funcional dos fatos”, para tentar justificar racionalmente as condenações.
O adequado às funções de uma Corte Superior em julgamentos desta natureza é apanhar os fatos e atos (individualizados na denúncia do Ministério Público) e contrastá-los com as normas que regulam as funções dos agentes públicos. Este contraste é que possibilita a criminalização, ou não, das condutas políticas dos indivíduos, através do sistema de direito. Este é o sistema que dá ordem, materialidade e previsibilidade ao sistema político e que pode promover tanto julgamentos políticos nas esferas pertinentes, como consolidar juízos públicos sobre partidos e indivíduos, com influência nos processos eleitorais.
A partir deste percurso, da quantidade das pessoas envolvidas nos delitos, da gravidade das violações legais e dos efeitos destas, sobre as funções públicas do estado, é que uma política de governo, no seu conjunto, pode ser taxada como “espúria” e “delituosa” e daí julgada pela soberania popular.
O que se constata, em contradição com os fundamentos da sentença da Ação Penal 470, é que o “modo de fazer política” do governo Lula (que na verdade não estava formalmente em julgamento na ação referida) levou o Brasil a um formidável progresso social e econômico, a um avanço democrático extraordinário, a um prestígio internacional inédito, que coloca o cidadão comum na velha disjuntiva: é melhor ter um governo que tenha um modo “espúrio” e “delituoso” de fazer política, que nos consiga tudo isso, ou um governo inepto, mas sério, no qual nós continuamos na marginalidade histórica e social?
Como a disjuntiva promovida pela decisão do STF é falsa, o cidadão comum -que é o principal objeto da manipulação midiática em torno do julgamento- responde por instinto de classe e pelo princípio da aparência imediata (“de onde vêm estes ataques?”): “prefiro o Lula e agora a Dilma, pois alguém está certamente me enganando nesta história toda”. E assim começam as pessoas a prestar atenção em quem serão os beneficiados pela eliminação da memória popular dos governos do Presidente Lula e do seu suposto modo de fazer política.
A razão histórica de caráter udenista do Supremo, julgando uma política “espúria” e não os réus, torna-se uma contribuição para uma razão cínica imediata, erguida sob premissas falsas (“prefiro” -pensa o povo- “quem rouba, mas faz”), mas a seguir se refaz como autoconsciência do protagonismo democrático do povo: “vamos reeleger a nossa Dilma, porque ela é uma boa continuadora do nosso Lula”.
Uma oposição sem rumo e sem propostas recebeu de presente um processo de judicialização da política, feito dentro da ordem jurídica e política atual, compartilhado pelo esquerdismo travestido de UDN pós-moderna. Não tinha como aproveitar, pois estava envolvida demais com o fetichismo neoliberal, com suas divisões internas, com a sua ausência de compreensão do país e do seu povo.
O segundo fato, ao qual quero referir, merece menos reflexão, mas não é menos significativo. Num dia desses, às 7h34 da manhã, na Globo News, a simpática Cristiana Lobo anunciava o seguinte, literalmente: “A CPI do Cachoeira não termina, enquanto isso o bicheiro ganha liberdade”. Atenção, a “culpa” do suposto delinquente ter saído da prisão não é decorrente de uma decisão do Poder Judiciário, que já estava condenando dirigentes petistas a pesadas penas, num processo altamente politizado. A culpa, sugere a notícia, foi da CPI, que é dirigida por um petista, que ainda não terminara certamente o seu trabalho “espúrio”. A culpa é, pois, da política e dos políticos, parece badalar o oposicionismo sem rumo.
Em todo este contexto, a Ação Penal 470, que poderia ser um grande marco de afirmação do Poder judiciário e de ressignificação da política em nosso país, tornou-se predominantemente uma arena de desgastes tentados contra Lula, a esquerda e o PT, como partido que lidera este formidável processo de mudanças no país: a judicialização da política despolitizou a oposição e empobreceu, ainda mais, nosso sistema político já falido.
É certo, porém, que esta ação penal não é apenas fracasso, o que poderá ser testado com os próximos processos que já estão em curso, que certamente não terão o mesmo interesse midiático que esta ação despertou. Mas ela incidiu largamente sobre o futuro do país e reorganizou a pauta dos partidos e da mídia: hoje a questão já é “o que faremos em 2018?” O “esquema” visivelmente não deu certo: Dilma, Lula e o PT, vão ganhar as eleições em 2014 pelo que já legaram ao país. Com isso, não estou dizendo que o Poder Judiciário entrou em algum esquema previamente concebido, mas que foi devidamente instrumentalizado e “aceitou” esta instrumentalização ora falida.
Trata-se, agora, nós da esquerda e do PT, de nos prepararmos para as próximas eleições de 2014 com Dilma, mas inaugurando uma nova estratégia. Descortinando -já a partir das próximas eleições presidenciais- os traços largos e os largos braços de um programa destinado a reestruturar a democracia brasileira, para mais democracia com participação cidadã, mais transparência com as novas tecnologias infodigitais, mais combate às desigualdades sociais e regionais. Sobretudo partindo da compreensão que todos “querem mais da vida do que pão e manteiga”, como dizia Döblin do seu personagem.
O fim da miséria, que já está no horizonte, é impulso para exigências mais complexas por parte de todo o povo e isso exige, também, um partido dirigente que supere os velhos métodos de direção tradicionais, que normalmente são apenas reativos às conjunturas às vezes difíceis, que atravessam os seus líderes: um partido que trate o cotidiano como tal, mas pense no processo e na História. Pensar em 14 pensando em 18. Neste ano de 2018, independentemente da qualidade dos nossos governos, o sentimento de renovação já estará em pauta no Brasil, face às próprias transformações que engendramos nos quatro governos seguidos, que provavelmente já teremos protagonizado no país.
Pensar assim é tarefa do Partido, não é tarefa de governo. A menos que abdiquemos da nossa função de sujeito político e passemos a ser um escritório de explicações sobre o passado. Se o nome “refundação” ainda fere, por equívoco, ouvidos mais sensíveis, falemos em renovação de fundo e de forma. Não para fugir das nossas raízes, mas para ancorá-las no presente das novas classes trabalhadoras, das novas classes médias, das novas formas de produzir, prestar serviços e distribuir riqueza, dos novos mundos da economia criativa, das novas formas de produção da inteligência, dos novos estatutos de relacionamento global, das novas demandas que não são necessariamente de classe, mas ingredientes básicos de uma sociedade justa e, sobretudo, mais e mais feliz. O nome disso é “novo socialismo” ou “nova social-democracia”: isso quem decide não é o partido.
(*) Governador do Estado do Rio Grande do Sul
Lembro esta passagem lapidar da introdução de Döblin, porque sendo parte do grupo de dirigentes históricos minoritários no PT - desde a época que ocorreram os fatos que originaram a Ação Penal 470 - e tendo assumido a presidência do Partido num momento difícil da sua existência afirmei, em diversas oportunidades, que nenhum partido era uma comunidade de anjos. O que era afirmar o óbvio num momento em que dizer o óbvio parecia uma agressividade contra o meu próprio Partido.
Passados vários anos daquele fato e quase terminado o julgamento daquela Ação Penal, é bom retomar o fio da história presente para refletir, no período que se convenciona planejar o “ano novo”, sobre o futuro da esquerda e do PT. Pensar também sobre o futuro do nosso país, que nos últimos dez anos vem sofrendo grandes transformações econômico-sociais.
Brasil novo sujeito político no cenário mundial; Brasil tirando da miséria 40 milhões de pessoas; Brasil com os sindicalistas, os “sem-terra”, “sem teto”, “sem emprego”, sentados na grande mesa da concertação e da democracia; Brasil do Prouni, do Fundeb, da reestruturação das funções públicas do Estado; Brasil do baixo desemprego, inflação baixa e juros baixos; Brasil da nova Política de Defesa; Brasil da classe média ampliada e de melhores salários no setor público e privado; Brasil da Polícia Federal que age -em regra- segundo a Lei e a Constituição. Brasil em que todas as instituições do Estado cometem seus erros e acertos dentro das regras do jogo constitucional.
É ingenuidade perguntar qual o Brasil que transita no debate político: este, descrito acima, ou o Brasil da Ação Penal 470? Ou melhor, porque o Brasil que se debate é predominantemente o da Ação Penal 470 e não o Brasil legado, até agora, pelo centro progressista e pela esquerda, sob a hegemonia do Partido dos Trabalhadores? Quem compôs esta agenda e porquê ela é agenda hegemônica? As respostas a estas perguntas serão a base da compreensão dos partidos sobre o que ocorrerá bem além de 2018.
Aponto dois motivos básicos, que são fortes para manter a Ação Penal 470 -e a manterão por muito tempo - como o centro de todas as estratégias políticas da direita, em geral, e da oposição midiática, em particular. O primeiro motivo é que, através da judicialização do processo político, poder-se-á criar a ilusão que é possível escrever um novo Brasil -mais decente e mais democrático- por fora da política, logo principalmente através de decisões do Poder Judiciário, que é pouco influenciável pelos movimentos sociais populares e muito influenciável pela “opinião pública” da mídia conservadora.
O segundo motivo, ligado ao primeiro, é que este “deslocamento” da luta política para o âmbito do Judiciário poderá funcionar como uma alternativa à hegemonia do PT e da esquerda no âmbito eleitoral, já que a oposição conservadora, que sucateou o Brasil quando esteve no poder (representada pelo demo-tucanato) não ofereceu, até agora, nenhuma esperança de poder nos próximos anos. Assim, o Poder Judiciário, erigido -como está sendo proposto- à condição de grande menestrel da moral pública e da ética política, poderá transformar-se no centro político da vida política nacional, esvaziando a luta ideológica, programática e política, entre os partidos, nos movimentos e no Parlamento.
É construída, desta forma, a substituição dos Partidos, do Parlamento e dos movimentos sociais, pelo Poder Judiciário, através deste processo de “judicialização da política”. Sobre esta judicialização, o voto popular não pode exercer nenhuma influência direta ou visível, pois sobre o Poder Judiciário os jogos de influência são absolutamente restritos, totalmente elitizados e manipuláveis por poucos grupos sociais, o que, aliás, é normal em todas as democracias do mundo, como sempre analisava e reconhecia o mestre Norberto Bobbio.
Assim, a Ação Penal 470 continuará sendo - se o Parlamento e os Partidos não reagirem com reformas sérias que deem mais dignidade ao fazer político democrático - o centro do debate pautado pela mídia e pela direita anti-Lula. A oposição partidária não conseguiu - ao longo destes oito anos - configurar um projeto alternativo convincente em torno da hegemonia do capital financeiro, pois os interesses empresariais que lhes davam sustentação plena -tanto locais como internacionais- não estão mais unificados pela pauta neoliberal. O surto de crescimento e desenvolvimento das forças produtivas no país, durante os governos Lula, e a crise aguda do modelo neoliberal na Europa, que prosseguiram com o governo da Presidenta Dilma, abalaram esta unidade.
A unidade foi possível até a situação de crise que levou o país ao Plano Real, cujo resultado no desenvolvimento econômico, foi marcar regras mais claras para que os agentes econômicos pudessem planejar o futuro em torno de uma moeda estável, também retirando do Estado as condições de manipular o seu planejamento financeiro, utilizando a inflação. Como o PT e a esquerda foram protagonistas essenciais do período pós-real, no qual ocorreram formidáveis mudanças sociais e econômicas, é natural que tanto o Partido como os seus dirigentes sejam alvos de uma forte tentativa de neutralização dos seus méritos, através da exacerbação de seus defeitos ou limitações.
Mas estes, como se sabe, não são somente originários de condutas individuais estimuladas pelo sistema político atual e pela história pouco republicana do Estado brasileiro, mas também fazem parte, em maior ou menor grau, das “regras do jogo” de qualquer democracia. Refiro-me, aqui, às condutas que são formas não transparentes de promoção de políticas de estado, não aos delitos que sejam cometidos em qualquer época. Estes, os delitos, são normalmente de conta de Poder Judiciário, mas é costumeiramente depois do seu julgamento que passam a integrar, com maior ou menor intensidade, os debates eleitorais e as críticas que os partidos assacam, uns contra os outros, para ressaltar a sua própria autenticidade.
Os partidos democráticos e republicanos, independentemente da sua ideologia específica, devem compartilhar da luta para reduzir ao máximo estes aspectos perversos de qualquer democracia, sem criar a ilusão cínica que um processo judicial -seja ele qual for e contra quem for- terá a capacidade de iniciar uma “era de fim da impunidade”. Criar a ilusão de que iniciaremos, com qualquer processo judicial, uma era de “fim da impunidade”, é criar condições políticas para que, se a oposição atual chegar ao poder, por exemplo, ela não seja punida pelos seus erros e delitos, porque a Ação Penal 470, afinal, já fez “a limpeza necessária no país”, o que é uma supina fraude informativa.
Vou mencionar dois fatos midiáticos típicos, que simbolizam todo um período de luta política no país, que certamente serão arrolados aos milhares em teses acadêmicas futuramente apresentadas a bancas especializadas, o que ocorrerá certamente nos próximos dez anos. O primeiro, apoia-se numa entrevista concedida pelo meu especial amigo, ministro Ayres Britto - diga-se de passagem, ministro honrado e qualificado intelectualmente - que diz (Zero Hora 23.12.12 pg. 8): “O que estamos aqui julgando é um modo espúrio, delituoso, de fazer política. A política é mais importante atividade humana no plano coletivo.”
A afirmativa constante nas declarações do ministro Britto, que sintetiza muito bem a posição do Supremo na Ação Penal 470, elege um ponto de partida perigoso para orientar julgamentos numa Corte Suprema que é sim, também, uma Corte política. É uma Corte, porém, que não tem poderes para julgar “o modo de fazer política”, logo a própria política -que é feita de diferentes modos em distintos contextos históricos- e que é uma “atividade humana coletiva”, como bem diz o ministro Ayres Britto. Os poderes que são dados ao Supremo pela Constituição, em processos criminais, são para julgar comportamentos devidamente individualizados pelo Ministério Público, como determina a Constituição.
Aceitar que o Supremo possa julgar a “política” é promover a possibilidade de incriminações em abstrato de toda uma comunidade partidária ou de governos, como é comum em regimes de força. A Suprema Corte é uma corte política, porque seus julgamentos têm, muitas vezes, largos efeitos políticos sobre vastos períodos históricos e porque, na análise e na aplicação das normas, sempre pendem coordenadas políticas e convicções ideológicas.
O Supremo não é uma Corte política porque seja o julgador da esfera da política, pois esse tipo de julgamento, no Estado Democrático de Direito, é prerrogativa do povo, em eleições periódicas. E do Parlamento em procedimentos regulados. A conveniência política, por exemplo, em liberar uma emenda parlamentar (destinada a promover um investimento público numa região do país) visando uma votação da Câmara Federal, é uma política encravada na formação da nossa República. É hábito (negativo) do nosso sistema político, mas não constitui qualquer delito, se a liberação for feita dentro das regras vigentes. Fisiologismo parlamentar não é da órbita do Supremo: isso é política, em sentido negativo, é má política; mas é política, usada por todos os governantes para governar dentro da democracia. Isso só pode ser desmontado por uma reforma política, não por decisões judiciais.
O Ministro afirmou, portanto, que “estamos julgando um modo de fazer política”, o que implica em dizer que os fatos eventualmente delituosos passam pelo juízo preliminar sobre o “modo de fazer política”. Isso é um rotundo equívoco. Quem julga o “modo de fazer política” é o parlamento e o povo: o parlamento em procedimentos regrados pela Constituição e pelo Regimento Interno das Casas Legislativas e o povo em eleições periódicas. Ou seja, posicionar-se o Juiz, no caso concreto, sobre a “política que está sendo feita” - já tida pelo Magistrado como “espúria” e “delituosa” - é restringir a ampla defesa. A partir daquela convicção, o exame do comportamento individualizado dos réus passa a ser secundário, pois eles são agentes “de um modo espúrio e delituoso” de proceder: criminosos previamente identificados.
Assim, o indivíduo, como réu, subsome-se na criminalização da política presumidamente feita pelo governo e não tem saída nem defesa. O julgamento passa a ser principalmente o julgamento de um “modo de fazer política”, que tanto envolve os réus –integrantes do coletivo político considerado como espúrio e delituoso- como também todos os que estiveram ligados, direta ou indiretamente, às políticas de governo. Todos são culpados: inculpação em abstrato, que foi obrigada a buscar algum tipo de sentido na interpretação ampliada do “domínio funcional dos fatos”, para tentar justificar racionalmente as condenações.
O adequado às funções de uma Corte Superior em julgamentos desta natureza é apanhar os fatos e atos (individualizados na denúncia do Ministério Público) e contrastá-los com as normas que regulam as funções dos agentes públicos. Este contraste é que possibilita a criminalização, ou não, das condutas políticas dos indivíduos, através do sistema de direito. Este é o sistema que dá ordem, materialidade e previsibilidade ao sistema político e que pode promover tanto julgamentos políticos nas esferas pertinentes, como consolidar juízos públicos sobre partidos e indivíduos, com influência nos processos eleitorais.
A partir deste percurso, da quantidade das pessoas envolvidas nos delitos, da gravidade das violações legais e dos efeitos destas, sobre as funções públicas do estado, é que uma política de governo, no seu conjunto, pode ser taxada como “espúria” e “delituosa” e daí julgada pela soberania popular.
O que se constata, em contradição com os fundamentos da sentença da Ação Penal 470, é que o “modo de fazer política” do governo Lula (que na verdade não estava formalmente em julgamento na ação referida) levou o Brasil a um formidável progresso social e econômico, a um avanço democrático extraordinário, a um prestígio internacional inédito, que coloca o cidadão comum na velha disjuntiva: é melhor ter um governo que tenha um modo “espúrio” e “delituoso” de fazer política, que nos consiga tudo isso, ou um governo inepto, mas sério, no qual nós continuamos na marginalidade histórica e social?
Como a disjuntiva promovida pela decisão do STF é falsa, o cidadão comum -que é o principal objeto da manipulação midiática em torno do julgamento- responde por instinto de classe e pelo princípio da aparência imediata (“de onde vêm estes ataques?”): “prefiro o Lula e agora a Dilma, pois alguém está certamente me enganando nesta história toda”. E assim começam as pessoas a prestar atenção em quem serão os beneficiados pela eliminação da memória popular dos governos do Presidente Lula e do seu suposto modo de fazer política.
A razão histórica de caráter udenista do Supremo, julgando uma política “espúria” e não os réus, torna-se uma contribuição para uma razão cínica imediata, erguida sob premissas falsas (“prefiro” -pensa o povo- “quem rouba, mas faz”), mas a seguir se refaz como autoconsciência do protagonismo democrático do povo: “vamos reeleger a nossa Dilma, porque ela é uma boa continuadora do nosso Lula”.
Uma oposição sem rumo e sem propostas recebeu de presente um processo de judicialização da política, feito dentro da ordem jurídica e política atual, compartilhado pelo esquerdismo travestido de UDN pós-moderna. Não tinha como aproveitar, pois estava envolvida demais com o fetichismo neoliberal, com suas divisões internas, com a sua ausência de compreensão do país e do seu povo.
O segundo fato, ao qual quero referir, merece menos reflexão, mas não é menos significativo. Num dia desses, às 7h34 da manhã, na Globo News, a simpática Cristiana Lobo anunciava o seguinte, literalmente: “A CPI do Cachoeira não termina, enquanto isso o bicheiro ganha liberdade”. Atenção, a “culpa” do suposto delinquente ter saído da prisão não é decorrente de uma decisão do Poder Judiciário, que já estava condenando dirigentes petistas a pesadas penas, num processo altamente politizado. A culpa, sugere a notícia, foi da CPI, que é dirigida por um petista, que ainda não terminara certamente o seu trabalho “espúrio”. A culpa é, pois, da política e dos políticos, parece badalar o oposicionismo sem rumo.
Em todo este contexto, a Ação Penal 470, que poderia ser um grande marco de afirmação do Poder judiciário e de ressignificação da política em nosso país, tornou-se predominantemente uma arena de desgastes tentados contra Lula, a esquerda e o PT, como partido que lidera este formidável processo de mudanças no país: a judicialização da política despolitizou a oposição e empobreceu, ainda mais, nosso sistema político já falido.
É certo, porém, que esta ação penal não é apenas fracasso, o que poderá ser testado com os próximos processos que já estão em curso, que certamente não terão o mesmo interesse midiático que esta ação despertou. Mas ela incidiu largamente sobre o futuro do país e reorganizou a pauta dos partidos e da mídia: hoje a questão já é “o que faremos em 2018?” O “esquema” visivelmente não deu certo: Dilma, Lula e o PT, vão ganhar as eleições em 2014 pelo que já legaram ao país. Com isso, não estou dizendo que o Poder Judiciário entrou em algum esquema previamente concebido, mas que foi devidamente instrumentalizado e “aceitou” esta instrumentalização ora falida.
Trata-se, agora, nós da esquerda e do PT, de nos prepararmos para as próximas eleições de 2014 com Dilma, mas inaugurando uma nova estratégia. Descortinando -já a partir das próximas eleições presidenciais- os traços largos e os largos braços de um programa destinado a reestruturar a democracia brasileira, para mais democracia com participação cidadã, mais transparência com as novas tecnologias infodigitais, mais combate às desigualdades sociais e regionais. Sobretudo partindo da compreensão que todos “querem mais da vida do que pão e manteiga”, como dizia Döblin do seu personagem.
O fim da miséria, que já está no horizonte, é impulso para exigências mais complexas por parte de todo o povo e isso exige, também, um partido dirigente que supere os velhos métodos de direção tradicionais, que normalmente são apenas reativos às conjunturas às vezes difíceis, que atravessam os seus líderes: um partido que trate o cotidiano como tal, mas pense no processo e na História. Pensar em 14 pensando em 18. Neste ano de 2018, independentemente da qualidade dos nossos governos, o sentimento de renovação já estará em pauta no Brasil, face às próprias transformações que engendramos nos quatro governos seguidos, que provavelmente já teremos protagonizado no país.
Pensar assim é tarefa do Partido, não é tarefa de governo. A menos que abdiquemos da nossa função de sujeito político e passemos a ser um escritório de explicações sobre o passado. Se o nome “refundação” ainda fere, por equívoco, ouvidos mais sensíveis, falemos em renovação de fundo e de forma. Não para fugir das nossas raízes, mas para ancorá-las no presente das novas classes trabalhadoras, das novas classes médias, das novas formas de produzir, prestar serviços e distribuir riqueza, dos novos mundos da economia criativa, das novas formas de produção da inteligência, dos novos estatutos de relacionamento global, das novas demandas que não são necessariamente de classe, mas ingredientes básicos de uma sociedade justa e, sobretudo, mais e mais feliz. O nome disso é “novo socialismo” ou “nova social-democracia”: isso quem decide não é o partido.
(*) Governador do Estado do Rio Grande do Sul
Amaury promete revelar bastidores do complô para derrubar Lula e Dilma
por Luiz
Carlos Azenha
Na
semana seguinte às eleições municipais em que Fernando Haddad derrotou José
Serra em São Paulo, episódios estranhos começaram a acontecer em torno do
premiado repórter Amaury Ribeiro Jr., autor do livro Privataria Tucana,
o best seller que vendeu 150 mil cópias.
Primeiro,
ele foi procurado por telefone por um homem de Guarulhos que prometeu
documentos relativos à Operação Parasita, da polícia paulista, que investigou
empresas que cometiam fraudes na área da saúde. Foi marcada uma reunião,
mas a fonte se negou a entrar no local de trabalho de Amaury. Quando se
encontraram pessoalmente, do lado de fora, a história mudou: o homem ofereceu a
Amaury a venda de material secreto que teria como origem o despachante Dirceu
Garcia.
No
inquérito da Polícia Federal que apura a quebra de sigilo de dirigentes do
PSDB, aberto durante a campanha eleitoral de 2010, Dirceu é a única testemunha
que acusa Amaury de ter participado da violação. “Novamente, estão querendo
armar contra mim”, diz Amaury. “Mas desta vez a trama foi toda gravada por
câmera de segurança”.
Em
seguida, outra situação nebulosa, desta vez supostamente para atingir a Editora
Geração Editorial, que publicou o Privataria Tucana. Um
“ganso” da polícia paulista marcou encontro com o diretor de comunicação,
William Novaes, com o objetivo de entregar um dossiê que incriminaria vários
políticos tucanos, entre eles o ex-senador Tasso Jereissati.
O
encontro, do qual Amaury também participou, foi gravado por câmeras ocultas.
Amaury acredita que o objetivo era entregar à editora material falso que
pudesse ser usado para desqualificar seu livro. Diante da recusa, a mesma
suposta “fonte”, que responde a vários processos por estelionato, ligou para a
editora dias depois dizendo que Amaury corria risco de vida.
“Acredito
que eles pretendiam me acusar de obstruir o processo em andamento, o que
poderia até resultar em minha prisão”, avalia o repórter.
Na
mesma semana, narra Amaury, o ex-sub-procurador da República, hoje advogado
José Roberto Santoro, que
segundo a revista Veja tem ligações com o tucano José Serra, procurou a
direção do jornal O Tempo, de Minas Gerais, para intermediar um
encontro com a direção do jornal Hoje em Dia, onde Amaury mantém
coluna semanal.
O
objetivo, segundo o repórter, seria reclamar de uma nota publicada na coluna de
Amaury relativa a uma mineradora de Minas e ao ex-governador do Espírito Santo,
Paulo Hartung. Mas, de acordo com Amaury, no encontro Santoro não reclamou
objetivamente do conteúdo da coluna. “Ele ficou falando mal de mim, tentando
levar à minha demissão e quando foi advertido pelos diretores do jornal
aumentou ainda mais o tom de voz, como se estivesse numa crise histérica”, diz
o repórter. A coluna continua a ser publicada.
Qual
seria a explicação para esta sequência de eventos?
Amaury
sustenta: “Está ocorrendo um verdadeiro complô, articulado provavelmente por
tucanos, com apoio de setores da Polícia Federal e do Ministério Público
Federal. O objetivo é derrubar primeiro o Lula e depois atingir a presidenta
Dilma”.
Aqui,
é importante lembrar que, na campanha de 2010, Amaury foi acusado pela mídia de
integrar um grupo de inteligência a serviço da campanha de Dilma Rousseff,
aquele que teria violado o sigilo fiscal de tucanos. O repórter nega: “Estão
querendo requentar um assunto velho, que sumiu das páginas dos jornais logo
depois das eleições de 2010. Pelo jeito vai voltar já pensando em 2014. Talvez
estejam pensando em me usar para chegar na Dilma”.
Amaury
estranha que o processo sobre a violação do sigilo de tucanos tenha voltado a
andar uma semana depois das eleições de 2012, quando foram chamados para depor
o jornalista Luiz Lanzetta e o secretário particular do diretor de redação
do Correio Braziliense e do Estado de Minas,
Josemar Gimenez.
Lanzetta
trabalhou na campanha de Dilma e foi acusado de ser o chefe do suposto núcleo
de inteligência. Quanto a Josemar, Amaury trabalhou em O Estado de
Minas, onde deu sequência à apuração dos fatos que resultaram no livro Privataria
Tucana. O repórter enfatiza sempre que baseou o livro em documentos
públicos obtidos em juntas comerciais e cartórios, na CPI do Banestado e
no Exterior.
Aqui,
pausa para uma bomba: segundo Amaury, o presidente do PSDB, Sergio Guerra,
entrou na Justiça de Brasília com uma ação em que pede a retirada de circulação
do livro, alegando que o Privataria Tucanacausa danos morais a
caciques do partido. O pedido foi feito durante a campanha de 2012 mas até hoje
a Justiça não se pronunciou.
“Com
certeza, o livro provocou muitos estragos nas eleições. Com certeza continuará
provocando. O curioso é que eles nunca respondem especificamente às acusações
ou documentos mostrados no livro”, diz Amaury.
Ele
também estranha que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que
recebeu dezenas de livros pelos Correios, de leitores indignados com o
conteúdo, não tenha aberto um procedimento para apurar as denúncias.
Amaury entregou parte dos documentos utilizados no Privataria
à Polícia Federal, que até hoje não abriu inquérito.
Além
disso, apesar de o deputado federal e ex-delegado da PF Protógenes Queiroz
(PCdoB-SP) ter conseguido o número de assinaturas necessárias à abertura da CPI
da Privataria, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), parece ter sentado
sobre o assunto.
NOVO
LIVRO
Desde
o lançamento do Privataria Tucana, Amaury fala em escrever a
sequência. O livro já tem nome:Privataria 2, o Grande Complô.
Viomundo:
Amaury, do que tratará o livro?
Amaury:
Vou mostrar como funciona o núcleo de inteligência do PSDB, que domina até hoje
setores da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Eles se movimentam
para desarticular o ex-presidente Lula e futuramente a presidenta Dilma. Quero
mostrar porque o PT não reage. No caso da CPI do Cachoeira, tinha a faca e o
queijo na mão para investigar melhor a relação entre o bicheiro e a
revista Veja.
Viomundo:
Você tem explicação para o recuo do relator Odair Cunha (PT-MG)?
Amaury:
O PT parece abafar todos os casos. Suspeito que é por um motivo simples. Herdou
e deu continuidade a esquemas dos tucanos. No caso do Odair Cunha, devemos
lembrar que o ex-sócio dele, que é da região de Boa Esperança, em Minas Gerais,
se tornou diretor de Furnas e controla verbas e cargos. Será que tem o rabo
preso e os tucanos descobriram?
Viomundo:
E a CPI da Privataria, agora sai?
Amaury:
Acho que não sai. Tudo indica que o PT tenha herdado o esquema promíscuo
que os tucanos tinham com as empresas de telecomunicações. Diante da nova
denúncia do Marcos Valério, que diz que a Brasil Telecom teria doado 7 milhões
de reais ao PT, o partido vai ficar totalmente desmoralizado se a CPI não for
aberta. Se não for aberta, vai ficar bem claro que eles temem que as
investigações atinjam o próprio PT.
Viomundo:
O líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto, chegou a convidar o ex-presidente FHC
para falar sobre a lista de Furnas. Mas foi desautorizado pelo líder do PT no
Senado, Walter Pinheiro. Afinal, essa lista de Furnas é falsa, como afirmam os
tucanos?
Amaury:
O laudo da perícia da Polícia Federal diz que é verdadeira. A lista mostra
doações de campanha feitas por um esquema montado em Furnas para vários
caciques do PSDB, dentre os quais Aécio Neves, Geraldo Alckmin e José
Serra. O caso foi denunciado na Justiça federal do Rio de Janeiro pela
procuradora Andrea Bayão Ferreira, que em seu relatório diz não ter dúvidas da
existência do esquema, que era abastecido por empresas fornecedoras de Furnas.
Mas a Justiça Federal transferiu o caso para a Justiça estadual do Rio de
Janeiro, apesar de Furnas ser uma estatal federal. É outro caso no qual o
procurador Gurgel não tomou qualquer providência. Será que ele faria o mesmo se
fosse um esquema petista?
Viomundo:
E essa história do mensalão tucano, anda?
Amaury:
Mais uma vez houve tratamento diferenciado ao PSDB. No caso do mensalão
tucano, houve desmembramento das investigações, encaminhadas à Justiça de
Minas. No STF só serão julgados os reús com foro privilegiado. Vai ficar mais
difícil montar o quebra-cabeças que facilitaria a condenação, como foi o caso
do mensalão petista. As teorias do Gurgel não teriam vingado se tivesse havido
desmembramento também no mensalão petista. No caso dos tucanos, houve.
Viomundo:
Lula nunca falou sobre a Operação Porto Seguro, aquela que desvendou um esquema
de tráfico de influência nas agências reguladoras e que teria a participação de
Rosemary Nogueira. A mídia explorou o que define como “relações íntimas”
entre o ex-presidente Lula e Rosemary. O que te pareceu o caso?
Amaury:
São denúncias sérias, que devem ser apuradas. Mas outra vez a imprensa, a
Polícia Federal e o Ministério Público dão tratamento desigual a petistas e
tucanos. Devemos lembrar que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
acreditava ter tido um filho com uma jornalista da Globo e a imprensa não só
calou a respeito durante quase duas décadas como ajudou a abafar o caso. Uma
concessionária pública, a Globo, transferiu a mãe do menino para a Espanha.
Conheço bem essa história. Nunca toquei no assunto por se tratar da vida
pessoal. Mas diante do cinismo da imprensa estou pensando em incluir no livro
algumas revelações sobre como era o esquema para sustentar mãe e filho na
Europa. É jornalistacamente relevante por se tratar de dinheiro de caixa dois,
de financiamento de campanha. Tenho uma testemunha que sabe de tudo.
Viomundo:
Você não poupa nem a PF, que vem trabalhando como nunca?
Amaury:
O governo é petista, mas há um núcleo tucano na PF, tanto que a presidente da
República só ficou sabendo da Operação Porto Seguro depois que ela foi
deflagrada. O ministro da Justiça apareceu na TV com aquela cara de bobo, ficou
vendido. Vale lembrar que o início das investigações se deu pelas mãos do
serviço de inteligência do PSDB, que cooptou testemunhas para levar o caso
adiante. Meu livro vai contar os detalhes de como isso aconteceu. Vai também
desnudar as relações promíscuas entre integrantes do Ministério Público e da
Polícia Federal com o alto tucanato. Como vou sustentar, é mesmo um grande
complô.
Viomundo:
Mas se a Rosemary foi exonerada no dia seguinte à operação da PF, Dilma não
sabia de nada antecipadamente? Há especulação de que ela deixou andar
justamente para eliminar um núcleo de corrupção que herdou do governo Lula…
Amaury:
Essa é a grande pergunta, até hoje não foi respondida. Pretendo responder no
livro.
Viomundo:
Já que estamos no campo das especulações, e a boataria sobre a saída de Dilma
do PT para o PDT?
Amaury:
Seria um suicídio político. No PDT há uma briga de vida e morte entre a família
Brizola e o ex-ministro Carlos Lupi. Só faria sentido ela sair do PT se o Lula
fosse candidato em 2014, o que o atual quadro político não indica.
Viomundo:
E essas gravações que você fez, do pessoal que tentou armar contra você, vão
entrar no livro?
Amaury:
Com certeza, mas antes vou entregar todo o material à Polícia Federal e à
Justiça. Quero deixar claríssimo que eles escolhem os casos para investigar e
punir. Como eles até agora não tomaram providências, pretendo entrar com representações
na PF e no Ministério Público pedindo a apuração das denúncias contidas
no Privataria Tucana. Quero ver eles sentarem em cima do assunto.
Pelo jeito só vai me restar fazer denúncias fora do Brasil por meio da
ICIJ, International Consortium of
Investigative Journalists, entidade que tem sede nos Estados Unidos e
representação em dezenas de paises. Fui o primeiro repórter brasileiro a
integrar a entidade e estou pensando em acioná-la se as autoridades brasileiras
não tomarem providências.
Senadores cassados pela ditadura recebem merecida homenagem
Blog do Zé Dirceu
Ontem (5ª feira) foi um dia especial no Senado. Assim como a
Câmara fez há duas semanas , o Senado devolveu simbolicamente o mandato de
parlamentares cassados pela ditadura. Foram homenageados oito senadores:
Juscelino Kubitschek (JK), Aarão Steinbruch, Arthur Virgílio Filho, João Abraão
Sobrinho, Marcello Nunes de Alencar, Mário de Souza Martins, Pedro Ludovico
Teixeira e Wilson de Queiroz Campos.
Todos foram representados pelas famílias. O único ainda vivo
é Marcelo Allencar, que não compareceu à cerimônia.
“O que o Senado
Federal está fazendo nesta sessão solene é um ato de justiça e representa o
resgate da memória nacional”, disse o presidente do Congresso, senador José
Sarney.
Dos oito homenageados, quero dar destaque especial a dois
deles: Mário Martins (1913-1994) e Marcello Alencar.
O primeiro, pai de Franklin Martins (ministro do governo
Lula), foi sempre solidário com o movimento estudantil e tinha uma coragem
ímpar à frente da resistência contra a ditadura.
Jornalista, Mário Martins foi preso durante o Estado Novo. Em
1955, elegeu-se deputado federal. Em 1966, chegou ao Senado e participou da
frente ampla, que reuniu políticos perseguidos pela ditadura. Em fevereiro de
1969, foi um dos primeiros parlamentares cassados pelo AI-5.
Marcello Alencar foi meu bravo advogado, junto com Aldo Lins
e Silva, durante o período em que estive preso na ditadura militar. Eles
defendiam também Vladimir Palmeira. Sem medo, Alencar e Lins e Silva batalharam
nos tribunais e na imprensa para nos defender, mesmo com a repressão da
ditadura.
São um exemplo para os advogados de hoje que enfrentam outros
arbítrios muitas vezes travestidos de justiça.
Marcello Alencar foi senador pela Guanabara. Ele perdeu o
mandato em 1969, também após o AI-5. Durante o primeiro governo de Leonel
Brizola no Rio de Janeiro, ele presidiu o Banerj e foi nomeado prefeito da
capital, cargo que ocupou até 1986. Em 1989, voltou à prefeitura, eleito pelo
voto popular. Em 1994, elegeu-se governador do Rio.
{Foto: Agência Brasil}
A REPÚBLICA, O STF E O PARLAMENTO
Estamos necessitando, e com urgência, de refletir sobre os
fundamentos do Estado Democrático. Mesmo nas monarquias, quando não absolutas,
o poder emana do povo, e é exercido pelo parlamento que o representa. Cabe ao
parlamento legislar e, nessa tarefa, estabelecer as prerrogativas e os limites
dos outros dois poderes, o executivo e o judiciário. Todas as leis, que estabelecem as regras de convívio na
sociedade e organizam e normatizam a ação do Poder Judiciário e do Executivo,
têm que ser discutidas e aprovadas pelos parlamentares, para que tenham a
legitimidade, uma vez que representam a vontade popular.
Só o poder legislativo, conforme a obviedade de sua
definição, outorga estatutos ao governo
e, em alguns casos, reforma o próprio Estado, se for eleito como poder
constituinte. O parlamento, ao receber do povo o poder legislativo, não pode
delegá-lo a ninguém, nem mesmo a outras instituições do Estado.
Em nosso caso, em conseqüência das deformações impostas pelos
acidentes históricos, o parlamento se viu enfraquecido e se submeteu ao poder
executivo. Houve, durante o governo militar, momentos que engrandeceram o
Congresso Nacional, entre eles a recusa de dar licença para que Márcio Moreira
Alves fosse processado pelos militares. O AI-5, com todas as suas
conseqüências, foi um momento de grandeza na história do parlamento nacional,
como foi o do fechamento da primeira Assembléia Constituinte por Pedro I. Mas o
parlamento não soube reagir quando Fernando Henrique mutilou a Constituição de
1988, no caso da reeleição e na supressão do artigo 170, que tratava da ordem
econômica.
Os parlamentos, ao representar as sociedades humanas, e
imperfeitas, não podem ser instituições exemplares. John Wilkes, o paladino da
liberdade de imprensa - e cujo nome, um século mais tarde foi usado pelo pai do
assassino de Lincoln para batizar o filho - era um dos homens mais feios e mais
inteligentes da Inglaterra, foi membro
da Câmara dos Comuns e prefeito de Londres. Libertário, e libertino, segundo
seus opositores, publicou em seu jornal que o Rei George III era um marido
enganado pela Rainha e deu o nome do amante. Mas ficou famoso sobretudo pelo
debate com John Montagu, Lord Sandwich (o das Ilhas e do pão com carne).
Montagu o insultou, dizendo-lhe que não sabia como Wilkes morreria, se nas
galés ou de sífilis. Wilkes lhe respondeu, de bate-pronto: Isso depende,
mylord, de que eu abrace os seus princípios morais ou sua mulher. A corrupção
sempre existiu nas casas parlamentares. Jugurta, o rei da Numídia, se dirigiu
ao Senado Romano, dizendo que Roma era uma cidade à venda, desde que houvesse
alguém disposto a comprá-la.
Em sua coluna de domingo, Élio Gaspari, ao analisar o
conflito latente entre o STF e a Câmara dos Deputados, sobre a atribuição de
cassar mandatos, lembrou que, nos Estados Unidos, a Justiça não cassa mandatos,
e citou o caso de Jay Kim que, condenado, em 1998, a dois meses de prisão
domiciliar por ter aceitado dinheiro de caixa-dois, ia, de tornozeleira
eletrônica, a todas as sessões da Casa dos Representantes.
Preso, duas vezes, por
corrupção, John Michael Curley, foi eleito, primeiro para vereador em Boston e,
depois, para a Casa dos Representantes (deputado federal). Manteve seu
prestígio político junto aos eleitores mais pobres, muitos deles de origem
irlandesa, e foi eleito quatro vezes prefeito de Boston, a partir de 1914. E no
exercício do mandato de prefeito, em 1947, esteve preso e disputou a reeleição,
perdendo-a, e foi perdoado por Truman, em 1950.
Essa tradição vem de longe. Em 1797, o representante Mattew
Lyon (o cavalheiro da foto), um radical, cuspiu na face de seu oponente Roger
Griswold, que respondeu com bengaladas. Lyon se valeu de uma tenaz de lareira,
e o duelo ficou famoso na história do parlamento. Os federalistas tentaram
cassar o mandato de Lyon, sem êxito, mas processado por sedição, ele foi preso
e condenado a uma multa, de 1000 dólares, elevadíssima para a época. E, embora estivesse na prisão,
foi reeleito para a Casa dos Representantes. Reelegeu-se durante mandatos
seguidos. Quarenta anos depois de ter sido preso, foi reabilitado e recebeu, de
volta, e com juros, a multa a que fora condenado.
Nenhuma comunidade
humana, das instituições religiosas aos partidos políticos e às corporações
profissionais e aos tribunais, é
composta de anjos. Isso não significa que a corrupção deva ser tolerada. É nesse, e em outros
embates, que se faz a História.
Com todo o respeito pela Justiça, o Supremo não pode decretar
a perda de mandatos parlamentares, e o apelo ao sistema norte-americano foi
precipitado, de acordo com os fatos históricos.
Janio diz que condenação de Dirceu é política
Do Brasil 247
Colunista afirma que o "julgamento para a história"
será lembrado também pelas motivações políticas para que o ex-ministro da Casa
Civil de Lula fosse condenado criminalmente; pedido de prisão antecipada feito
por Roberto Gurgel reforça essa percepção
247 - Principal voz crítica ao julgamento da Ação Penal 470,
a ponto de ser incluído na lista de inimigos de Veja e Augusto Nunes, o
jornalista Janio de Freitas, da Folha, insiste na tese de que a condenação
criminal de José Dirceu se deu por motivações políticas. Percepção reforçada
pelo pedido de prisão antecipada feito por Roberto Gurgel.
Três executivos do BB, nomeados no governo FHC, foram
excluídos do processo do mensalão
OUTRAS PECULIARIDADES, além das dimensões e da fartura de
condenações, confirmam o peso histórico atribuído com antecedência ao chamado
julgamento do mensalão, também referido com frequente ironia como ação penal
470.
É possível que já houvesse, entre os julgadores e entre os julgados,
personagens mais cedo ou mais tarde destinados à história, e outros aos buracos
de todas as memórias. O julgamento igualou-os, mas ficou a injusta recusa a
três pessoas de passarem também à história.
Documentos comprovam as assinaturas e rubricas de quatro
representantes do Banco do Brasil, dois diretores e dois gerentes executivos,
nas transações com a DNA de Marcos Valério em torno da Visanet. Incluído na
ação penal 470, porém, foi um só. Os três restantes foram deixados para
processo comum, de primeira instância, com direito a todos os recursos às
instâncias superiores, se condenados, e demandas de defesa. Ou seja,
possibilidade de sucessivas defesas e múltiplos julgamentos. Direito não
reconhecido aos julgados no Supremo Tribunal Federal, por ser instância única.
Os três barrados da história têm em comum o fato de que já
estavam nos cargos de confiança durante o governo Fernando Henrique, neles
sendo mantidos pelo governo Lula. E, em comum com o condenado pelo STF, terem
os quatro sempre assinado em conjunto, por norma do BB, todas as decisões e
medidas relativas ao fundo Visanet. Dado que uma das peculiaridades do
julgamento foi o valor especial das ilações e deduções, para efeito
condenatório, ficou liberada, para quem quiser, a inquietante dedução de
tratamento discriminatório e político, com inclusão nas durezas do STF apenas
do diretor definido como originário do PT.
O benefício desfrutado pelos três não foi criado pelo relator
Joaquim Barbosa, que o encontrou já na peça de acusação apresentada pelo
procurador-geral Roberto Gurgel, e o adotou. Um dentre numerosos problemas,
sobretudo quanto a provas. Por exemplo, como registrado a certa altura do
julgamento nas palavras bem dosadas de Marcelo Coelho:
"O ponto polêmico, na verdade, recai sobre a qualidade
das provas para incriminar José Dirceu. Não houve nenhum e-mail, nenhuma
transcrição de conversa telefônica, nenhuma filmagem, provando claramente que
ele deu ordens a Delúbio Soares para corromper parlamentares".
A condenação de José Dirceu está apoiada por motivos
políticos. E, à falta das provas cabais para condenação penal, forçosamente
originada de motivações políticas. Bastará, no futuro histórico do julgamento,
para caracterizá-lo como essencialmente político.
Caracterização que se reforça, desde logo, pelo tratamento
amigável concedido ao mensalão precursor, o do PSDB, de 1998 e há 14 anos
acomodado no sono judicial.
E caracterização outra vez reforçada pela incontinência do
procurador-geral Roberto Gurgel, com seu pedido de prisão imediata dos réus
condenados sem que representem perigo e sem que o processo haja tramitado em
julgado. A busca de "efetividade" da ação judicial, invocada pelo
procurador-geral para o pedido negado por Joaquim Barbosa, ficaria muito bem no
caso em que se omitiu, com explicação tardia e insuficiente.
Houvesse, então, o apego à efetividade, o Ministério Público
estaria em condições de evitar a enrolação de negociatas que usa Carlos
Cachoeira como eixo, inclusive no Congresso.
No primeiro dia do julgamento, o relator chamou o revisor de
"desleal", por manter a opinião que o relator abandonou. No segundo,
o revisor foi posto pelo relator sob a insinuação de ser advogado de defesa do
principal acusado, Marcos Valério. E de destrato em destrato até o fim, o julgamento
criou mais uma inovação inesperada para destacá-lo nos anais.
A Economist e suas premissas
Estou nesse ramo tempo suficiente para aprender que as
críticas à política econômica são uma necessidade. Em determinadas
circunstâncias são até bem-vindas, porque o simples fato de alguém estar em uma
situação de “poder” não lhe transfere o benefício da infalibilidade. Nem que,
para o poder incumbente, a eleição por uma eventual maioria lhe confira a
“onisciência” a exigir a sua “onipresença”.
Sempre tive grande admiração pela The Economist, que passei a
ler, semanalmente, desde 1952 na Faculdade de Economia e Administração, a
FEA-USP, graças aos exemplares filados do grande professor W. L. Stevens, a
quem o Brasil deve a introdução da estatística fisheriana.
Cativava-me a clareza dos textos, a imparcialidade (relativa)
e o tom doutoral e provocador dos editoriais. Até hoje a revista se considera,
convictamente, portadora de uma ciência econômica universal, independente da
História e da Geografia.
Criada em 1843, tinha como objetivo fundamental defender a
liberdade de comércio, então em discussão na Inglaterra. Fala, a seu favor, não
ter mudado nos seus 169 anos. É reconhecida como a mais influente revista
econômica internacional. Isso está longe, contudo, de garantir a validade dos
seus conceitos. Se há uma virtude escassa na excelente The Economist é a
humildade: ter, ao menos, uma pequena dúvida.
O deselegante e injusto ataque ad hominem ao ministro da
Fazenda, Guido Mantega, partiu de duas premissas falsas:
1. O Brasil não estava “bombando” no início de 2011. O PIB
caíra 0,3% em 2009 e, por puro efeito estatístico, aumentara 7,5% em 2010. O
crescimento médio de 2009/2010 foi de 3,6%, o mesmo número medíocre obtido nos
últimos 20 anos.
2. O ministro não errou sozinho, quando sugeriu um
crescimento no terceiro trimestre sobre o anterior entre 1,1% e 1,3%. Analistas
financeiros do Brasil e do restante do mundo, inclusive The Economist (por seu
instituto de análises), acreditavam na mesma coisa. O resultado apurado pelo
IBGE (sobre o qual não paira qualquer dúvida de credibilidade) foi mesmo uma
surpresa (0,6%). Isso nos deixa com um problema. Se os inúmeros estímulos
postos em prática produzirem um crescimento de 0,8% no quarto trimestre sobre o
terceiro, o PIB de 2012 será da ordem de 1%, com crescimento per capita nulo.
O baixo crescimento tem pouca relação com as políticas
monetária, fiscal e cambial. Tem mais a ver com uma redução dos investimentos
gerada pela desconfiança exagerada entre o setor privado e o governo. Mesmo com
a -pequena recuperação no setor industrial (que, é provável, continuará nos
próximos trimestres) não tem acontecido nada brilhante para entusiasmar o setor
privado.
Há gente, no meio empresarial, assustada com a forma de ação
do governo, a enxergar uma tendência intervencionista na atividade privada.
Quando acontece esse tipo de dúvida, fica difícil acelerar os investimentos.
Fala-se de quebra de contratos, quando isso não existe: todos
os contratos estão sendo garantidos na energia. O que talvez pudesse ter sido
diferente é a forma como a renovação das concessões das usinas foi tratada:
poderiam, talvez, ter mandado um projeto de lei ao Congresso. Mas todos sabem
ser preciso reduzir as tarifas de energia, claramente sobrecarregadas por
impostos.
A dúvida dos investidores é, dessa forma, muito menos
relacionada à qualidade da política econômica, no âmbito fiscal, monetário e
cambial.
Fez muito bem, portanto, a presidenta Dilma ao rejeitar a
impertinente sugestão da revista para demitir o ilustre ministro da Fazenda do
Brasil!
O comentário presidencial, muito mais para o uso interno, foi
simples e direto: “Não vou tirar o Guido”, sem precisar explicar coisa alguma,
mostrando apenas estar a par dos interesses contrariados, da choradeira nos
mercados financeiros que lamentam o fato de o Brasil não ser mais “o queridinho”
dos investidores-especuladores. Agora é o México, que os anjos o protejam… Como
se devêssemos nos chatear muito com isso…
Não diria que existe da parte da revista algum objetivo
maligno, apenas um ataque muito deselegante, a causar decepção, mas se insere
no espírito provocador que lhe é característico.
No fundo, a crítica procura disfarçar o mau humor de
investidores com o retorno em dólares na Bovespa (-8%) ante os 20% positivos na
Bolsa mexicana. E com o fim da era do ganho fácil e sem risco no Brasil.
Arquivos ligam trapaças de rede de tv a presidente do México
Documentos verificados pelo jornal britânico The Guardian
mostram que a maior rede de televisão mexicana vendeu cobertura favorável para
políticos proeminentes em seus principais jornais e programas de
entretenimento, além de tê-los usado para difamar um popular líder da esquerda.
Movimento coincidiu com a aparição dos movimentos de protesto que acusavam a
Televisa de manipulação da cobertura das eleições em favor do candidato
vencedor, Enrique Peña Nieto. O artigo é de Jo Tuckman
Jo Tuckman - The Guardian
Documentos verificados pelo jornal britânico The Guardian
mostram que a maior rede de televisão mexicana vendeu cobertura favorável para
políticos proeminentes em seus principais jornais e programas de
entretenimento, além de tê-los usado para difamar um popular líder da esquerda.
Os documentos consistem em dezenas de arquivos de computador
e foram descobertos apenas algumas semanas após as eleições presidenciais do
dia primeiro de julho. Coincidiram com a aparição dos arquivos enérgicos
movimentos de protesto que acusavam a Televisa de manipulação da cobertura das
eleições em favor do candidato vencedor, Enrique Peña Nieto.
Entres os arquivos, que aparentam remontar ao começo do ano,
há: uma descrição das taxas cobradas para tornar nacional a figura de Peña
Nieto, então governador do estado de México; uma estratégia midiática
evidentemente criada para torpedear a candidatura do esquerdista Andres Manuel
López Obrador, maior adversário de Peña Nieto; acordos de pagamento que sugerem
um gasto exorbitante de dinheiro público para promover o ex-presidente Vicente
Fox.
Embora não tenha sido possível a comprovação da autenticidade
dos documentos que foram transmitidos ao Guardian por uma fonte que trabalhava
na Televisa, o cruzamento de dados mostra que nomes, datas e circunstâncias
mencionados alinham-se amplamente aos acontecimentos.
Essas alegações surgiram num momento crucial para Peña Nieto,
o candidato do ideologicamente nebuloso Partido Revolucionário Institucional
(PRI): recentes pesquisas de opinião mostram que sua popularidade começa a
desfazer-se conforme a atuação da Televisa na campanha se torna uma questão
cada vez mais central.
Num país em que o público leitor de jornais é minúsculo e o
alcance da internet e da tevê a cabo limita-se às classes médias, a Televisa –
e a Tv Azteca, sua rival – exerce uma influência enorme na politica nacional.
Cerca de dois terços dos canais da televisão aberta mexicana
pertencem à Televisa, o maior império midiático do mundo hispanofalante. Os
documentos aparentam ter sido desenvolvidos pela Radar Servicios
Especializados, companhia de marketing dirigida por Alejandro Quintero,
vice-presidente da Televisa.
Contatada pelo Guardian, a Televisa declinou esclarecer a
relação com a Radar, ou o papel de Quintero nas companhias. Um porta-voz
recusou comentar as alegações antes de verificar os documentos. “Nós não
podemos opinar sobre informações e documentos que desconhecemos”, disse.
Muitos dos arquivos estavam salvos sob o nome de Yessica de
Lamadrid, que à época era empregada da Radar e amante de Peña Nieto.
De Lamadrid contou ao Guardian que pensava serem os
documentos falsificações. Ela disse que projetos promocionais em que trabalhou
jamais puseram conteúdo à venda.
Um dos arquivos é uma apresentação em PowerPoint que declara
ter como objetivo a certeza de que “López Obrador não vença as eleições de
2006”. Ele havia sido criado pouco após a meia-noite do dia 4 de abril de 2005,
horas depois do presidente Fox ter se encontrado com os dirigentes da Televisa
e da TV Azteca. A contestadíssima eleição terminou com o candidato da esquerda
dizendo que foi trapaceado.
Vicente Fox enfrentou muitas críticas após uma tentativa de
forçar um impeachmente sobre López Obrador, então prefeito da Cidade do México.
Estão descritas no arquivo medidas de curto prazo para conter qualquer
repercussão, como um período de luto nacional pela morte do então
recém-falecido Papa João Paulo II.
Consta nos arquivos que o objetivo a longo prazo é o
“desmantelamento da sensação popular de que López Obrador é um mártir”. As
estratégias para isso consistiam em dinamizar a cobertura de crimes na capital
e a revisitação de casos de corrupção envolvendo o líder da oposição. O plano
também compreendia “veicular histórias pessoais de celebridades vítimas de
crime na capital do país” e “insistir com que os participantes do Big Brother
contem casos”. Estrelas da Televisa fizeram justamente isso em maio daquele
ano.
O documento também sugeria que os roteiristas de um popular
programa de sátira política chamado El Privilegio de Mandar representassem
López Obrador de maneira “desajeitada” e “inapta”. O episódio final do
programa, transmitido durante a apuração, terminava com um ator convidando
López Obrador a aceitar a derrota. Um antigo empregado da Televisa, que não é a
fonte dos documentos, contou ao Guardian que os comediantes participaram de
reuniões na corporação em que a estratégia anti-López Obrador era discutida.
“Havia uma estratégia e um cliente que pagava muito dinheiro”, disse a fonte.
A maioria dos outros arquivos mostram estratégias e
orçamentos associados a elas.
Eles incluem três planilhas intituladas “Enrique Peña Nieto:
Orçamento 2005-2006”. Cada planilha detalha aproximadamente 200 reportagens, entrevistas
e programas de entretenimento. A primeira versão estipula o preço dos serviços
em 346,326,750 pesos (à época 36 milhões de dólares). O último inclui uma
“redução de 50% das taxas”.
Uma folha de papel contendo os mesmos dados foi usada por
López Obrador num debate presidencial, no qual ele repetiu que Peña Nieto era
um produto televisivo. Peña Nieto e a Televisa sugeriram que o documento -
publicado em primeira mão em 2005 pela revista Proceso, de inclinação
esquerdista - foi forjado. O documento foi obtido pelo jornalista investigativo
Jenaro Villamil, que sempre recusou revelar a identidade de sua fonte. A
Televisa acusa Villamil de difamação da companhia.
Perguntada se o estado de México alguma vez pagou pela
cobertura da Televisa, a equipe de campanha de Peña Nieto recusou comentar.
Numa resposta por escrito, David López, principal assessor de Peña Nieto,
disse: “durante o mandato do Enrique Peña Nieto (2005-11), não houve qualquer
contrato do tipo”. López acrescentou que “todos os contratos publicitários das
atividades do governos estão disponíveis na internet”.
Políticos mexicanos há muito tempo são criticados por gastar
prodigamente para promover as realizações de suas administrações. Raúl Trejo,
especialista em mídia, disse que as práticas detalhadas nos documentos não são
ilegais no México, só antiéticas.
O único documento que oferece minúcias sobre os serviços a
serem transmitidos referem-se ao discurso de campanha do presidente Fox,
proferida em 1º de setembro de 2005. Encontra-se descrito um “valor acordado”
de 60 milhões de pesos que cobre propagandas de tevê, treinamento de mídia para
cinco ministros e uma série de cinco entrevistas. O Guardian verificou que pelo
menos três das entrevistas aconteceram.
Uma seção refere-se a orçamentos deliberadamente manipulados
para ocultar a dimensão dos gastos. O documento diz que, “conforme combinado”,
do gabinete presidencial cobrou-se 3 milhões, os outros 57 milhões restantes
seriam cobrados quando o próprio “gabinete presidencial nos dizer quais outras
partes do governo devem arcar com os serviços”.
Os arquivos ainda contém propostas, orçamentos e materiais
promocionais envolvendo políticos como o ex-secretário do estado de Tamaulipas,
Tomás Yarrington, acusado por promotores norte-americanos de lavagem de
dinheiro para o Cartel del Golfo, organização traficante de drogas mais antiga
do país. Advogados de Yarrington negaram as acusações.
Outro político mencionado nos documentos, o ex-senador
Demetrio Sodi, disse não saber da estratégia elaborada pela Radar até pouco
antes de lançar sua candidatura, ao final fracassada, para prefeito da Cidade
do México. Sodi declarou não acreditar que os arquivos sejam forjados, mas
insistiu que nunca pagou por cobertura favorável.
Nenhum dos outros ex-governantes citados nos arquivos quis
dar entrevistas. A ainda presente onda de protestos contra os truques da mídia
recrudesceu no dia 10 de maio, quando a Televisa minimizou um protesto
anti-Peña Nieto numa universidade privada onde o presidente discursava – e
então fez ampla cobertura insistindo que o protesto foi organizado por
encrenqueiros que nem estudantes eram.
Num recente ato, um manifestante carregava uma placa com os
dizeres: “nem minha mãe me manipula como a Televisa”.
Enquanto protestos contra a parcialidade da imprensa ganham
popularidade, a Televisa esforça-se em provar que sua cobertura é ponderada. O
movimento é coberto em detalhes e os âncoras do principal jornal televisivo
recentemente entrevistaram Peña Nieto de maneira severa. No ápice das manifestações,
um debate presidencial foi transmitido no canal de maior audiência da Televisa,
que no debate anterior reservou horário para um show de talentos.
O ex-empregado da Televisa disse que o império midiático
promovia satisfeito Peña Nieto quando “ele era o melhor produto”, o compromisso
não necessariamente será duradouro. A fonte apontou para o fato de que López
Obrador dava-se muito bem com a Televisa antes da campanha. “Nunca perca de
vista que estamos falando de negócios. A fidelidade é à posição, não à pessoa”.
Tradução de André Cristi
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