Divulgação- Por *Venício A. de Lima
Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao fim de seus dois mandatos
presidenciais exibindo recordes mundiais de aprovação popular. Os resultados da
pesquisa CNI/IBOPE divulgados no dia 16 de dezembro de 2010 indicaram que a
aprovação pessoal e a confiança no presidente atingiram 87% e 81%,
respectivamente, e a avaliação positiva do governo chegou a 80%. Não há dúvida
de que foi um governo bem sucedido.
Quando se analisam setores específicos de atuação, todavia,
há divergências sobre os resultados alcançados. Uma dessas divergências se
refere ao amplo e complexo campo das Comunicações. Os dois mandatos do
presidente Lula representam um avanço para a democratização das Comunicações?
Qual o balanço que se pode fazer das políticas públicas para o setor no período
2003-2010?
Não será incorreto afirmar que a maioria das propostas de
políticas públicas que segmentos populares da sociedade civil organizada
consideram avanços– apesar de importantes exceções – não logrou sucesso nos
oito anos dos governos Lula. Ao contrário, muitas propostas foram abandonadas
ou substituídas por outras que negavam as intenções originais.
Há um número razoável de razões que explicam porque no
Brasil, ao contrário, inclusive, do que vem ocorrendo em países nossos vizinhos
na América Latina, existem históricas e poderosas resistências ao avanço nas
Comunicações. Lembro duas.
Primeiro, uma das dificuldades é que, aparentemente, tanto os
defensores do status quocomo os seus críticos insistem em focar o secundário e
ignorar o principal.
Embora as questões profissionais e de conteúdo sejam
relevantes, a mídia tem que ser entendida como uma instituição, uma totalidade.
É nesse nível que se colocam as questões relacionadas à estrutura de sua
organização na sociedade, à concentração da propriedade, à formação dos
monopólios e oligopólios, à propriedade cruzada, entre muitos outros.
No que se refere à radiodifusão sonora, de sons e imagens,
por exemplo, nunca será demais lembrar que compete constitucionalmente à União
explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão esses
serviços. Vale dizer: a radiodifusão privada é uma concessão pública. Ou
melhor: as empresas que operam os canais de TV são propriedade privada; os
canais são públicos.
Por outro lado, a Constituição de 88 refere-se ao serviço de
radiodifusão sonora e de sons e imagens em termos da complementaridade dos
sistemas privado, público e estatal. Nunca tivemos no Brasil complementaridade
entre os sistemas de radiodifusão. O rádio primeiro e a televisão, logo depois,
foram consolidados como sistemas hegemonicamente privados, comerciais,
sustentados pela publicidade, originariamente regulados por decretos de 1931 e
1932, durante o regime instalado pela Revolução de 1930, chefiado por Getúlio
Vargas.
Ao contrário do que aconteceu em outros países, a opção
prioritária por um modelo privado-comercial de radiodifusão foi feita nos
gabinetes do poder, sem debate e sem participação popular. Como em vários
outros momentos de nossa história, infelizmente, uma decisão que interessava a
toda a população foi tomada sem que ela sequer compreendesse o que estava sendo
decidido. Até hoje, as diferentes opções de organização da radiodifusão
permanecem uma não-questão para a grande maioria dos brasileiros. A sociedade
não teve a opção de escolher. E ainda não se deu conta de que tem o direito de
fazê-lo. Esse fato nos conduz ao segundo ponto.
Uma questão recorrente no debate sobre as políticas públicas
de Comunicações no Brasil é a exclusão histórica de setores populares da
sociedade civil como ator significativo na sua formulação. Salvo raras exceções
– e, mesmo assim, contraditórias e polêmicas – o principal interessado na
existência de uma comunicação democrática tem sido um não-ator,
sistematicamente excluído por aqueles que de fato exercem o poder, vale dizer,
os grupos privados de mídia e o Estado.
Ao contrário de políticas públicas que envolvem direitos
consolidados como a saúde, o salário mínimo, o emprego, a educação ou a
moradia, o direito à comunicação ainda não está positivado legalmente e a
consciência de sua existência é escassa e difusa na grande maioria da população
brasileira.
Reside aí, aliás, um dos principais nós da questão. Nas
Comunicações, são os atores cujos interesses historicamente predominam – os
grupos privados de mídia – os responsáveis principais pela colocação dos temas
na agenda pública. E mais: são esses atores que ainda têm o maior poder de
influenciar, direta e/ou indiretamente, na formação da consciência pública
sobre a questão.
Um complicador adicional é que os hábitos no consumo do
entretenimento e da informação são construídos no longo prazo. E quando não se
tem uma alternativa de referência, dificilmente o modelo cultural hegemônico é
questionado.
Quando a Federal Communications Commission – a agência
reguladora das comunicações nos Estados Unidos – tentou “flexibilizar” as
regras da propriedade cruzada da mídia, em 2003, uma imensa e inesperada reação
da população junto ao Congresso impediu que a medida fosse consumada. Milhões
de e-mails entupiram as caixas de correio eletrônico de deputados e senadores
mostrando o desserviço à democracia do que lá se chama “controle corporativo da
mídia”.
A reação popular nos Estados Unidos foi conseqüência de um
trabalho de “formiguinha” que dezenas de entidades de observação e crítica da
mídia vêm fazendo ao longo do tempo. No Brasil, ainda falta muito para que o
direito à comunicação se consolide junto à maioria de nossa população.
Dentro desse amplo quadro de questões e com o objetivo de
contribuir para a ampliação do debate sobre as Comunicações é que se organizou
este Política de comunicações: Um balanço dos governos Lula [2003-2010].
Não se trata apenas de apresentar um acompanhamento crítico
das iniciativas de governo em relação às políticas públicas de Comunicações ao
longo dos últimos oito anos, mas também de delinear o contexto cronológico
dentro do qual os principais atores interessados na formulação dessas políticas
se movimentaram no período. Para tanto, tomou-se como referencia cinco grandes
temas, divididos em subtemas.
Marco regulatório
O primeiro deles foi o Marco Regulatório. Reúnem-se aqui
trinta e sete artigos que discutem, em primeiro lugar, o estado geral de
desrregulação do setor, com ênfase na não regulamentação dos artigos do
capítulo sobre a Comunicação Social da Constituição de 1988. Em seguida,
trata-se da ausência de regulação da propriedade cruzada dos meios, fonte
principal do estado de concentração que caracteriza as atividades de mídia no
nosso país. Em seguida, discutem-se evidências da permanência da prática do
coronelismo eletrônico, incluindo-se aí o que nomeamos de “coronelismo
eletrônico evangélico”. E finalmente trata-se do vai-e-vem relativo à
elaboração de uma proposta de Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa que,
até o momento em que se escrevem essas linhas, não se materializou.
Evidentemente nem todas as áreas que um Marco Regulatório
deve abranger estão contempladas nos artigos desse capítulo. A regulamentação
da TV Paga, por exemplo, não está.
Desde 2007 tramita no Congresso Nacional um projeto de lei
que “abre o setor de TV por assinatura para as teles, cria a separação de
mercado entre produtores de conteúdo e empresas de distribuição e ainda cria
cotas de programação nacional nos pacotes de canais pagos”, além de revogar a
Lei do Cabo de 1995. Na sua versão atual o projeto – PLC 116 do Senado Federal
– é o resultado da articulação inicial de três propostas representando grupos e
interesses distintos: o PL 29/2007 representa as empresas de telefonia; o PL
70/2007 representa os radiodifusores; e o PL 323/2007 que se situa em posição
intermediária entre os interesses dos dois setores. Aprovado em junho de 2010
na Câmara dos Deputados, a posição de diferentes atores em relação ao projeto
tem oscilado na medida mesma em que o próprio projeto sofre alterações. A
operadora Sky (Grupo News Corporation/Globo) e a Associação Brasileira de
Programadores de TV por Assinatura (ABPTA) patrocinam uma campanha publicitária
denominada “Liberdade na TV“ [cf. o site http://www.liberdadenatv.com.br/],
contrária ao projeto com o mote “querem intervir na sua TV por assinatura” [o
PLC 116/SF transformado na Lei 12.485 de 12 de setembro de 2011].
Recuos
O segundo capítulo reúne dezenove artigos que representam
importantes recuos nas políticas públicas de Comunicações ocorridos no período
estudado. São discutidas a interrupção do processo de transformação da ANCINE
em ANCINAV; a ausência de iniciativas efetivas em relação aos canais
comunitários; o recuo em relação ao Serviço de Retransmissão de TV
Institucional; a mudança de direção em relação à escolha do modelo de televisão
digital; a não disponibilidade pública de um cadastro geral de concessionários
de radiodifusão [o cadastro geral foi recolocado no portal do MiniCom em junho
de 2011]e a interrupção no funcionamento do Conselho de Comunicação Social.
Apesar de serem mencionados em outros textos, não se faz no
livro uma discussão específica sobre dois temas relevantes. O primeiro é o
Conselho Federal de Jornalismo (CFJ). Como se sabe, o governo Lula encaminhou
projeto de criação do CFJ ao Congresso Nacional em agosto de 2004. Segundo a
Fenaj (Federação Nacional de Jornalistas), o principal objetivo era “promover
uma cultura de respeito ao Código de Ética dos Jornalistas”. Diante da intensa
e violenta oposição da grande mídia, no entanto, a própria Fenaj, preparou e
distribuiu, em Brasília, um substitutivo ao projeto original, em novembro,
agora de criação de um Conselho Federal de Jornalistas como “órgão de
habilitação, representação e defesa do jornalista e de normatização ética e
disciplina do exercício profissional de jornalista” [o texto do substitutivo
pode ser lido em http://www.fenaj.org.br/cfj/projeto_cfj.htm]. Apesar disso,
através de votação simbólica, por acordo de lideranças, a Câmara dos Deputados
optou por desconsiderar o substitutivo e rejeitar o primeiro projeto em
dezembro de 2004.
O segundo tema é o III Programa Nacional de Direitos Humanos(PNDH3).
Aqui houve importante recuo do governo Lula em relação às diretrizes originais
para a comunicação constantes da primeira versão do PNDH3 [Decreto nº 7.037, de
21 de Dezembro de 2009]. Menos de cinco meses depois, novo decreto [Decreto nº.
7.177 de 12 de maio de 2010] alterou o anterior e, no que se refere
especificamente ao direito à comunicação: (a) manteve a ação programática
(letra a) da Diretriz 22 que propõe “a criação de marco legal, nos termos do
art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos
serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou
autorizados”; (b) exclui as eventuais penalidades previstas no caso de
desrespeito às regras definidas; e (c) exclui também a letra d, que propunha a
elaboração de “critérios de acompanhamento editorial” para a criação de um
ranking nacional de veículos de comunicação.
Avanços
Neste capítulo estão reunidos dez artigos sobre a
descentralização das verbas de publicidade oficial e a realização da 1ª. Conferência
Nacional de Comunicação, CONFECOM. Não estão especificamente discutidos,
todavia, dois importantes avanços alcançados no período.
O primeiro é a criação da Empresa Brasil de
Comunicação(EBC/TV Brasil), em 2007, resultado da fusão da Radiobrás com a
ACERP/TVE, a TVE do Maranhão e o canal digital de São Paulo. Sua conformação
final surgiu das dezenas de emendas que a MP 398/07 recebeu no Congresso
Nacional. Apesar de críticas que podem ser feitas ao processo de sua
implantação, a EBC, finalmente criada pela Lei 11.652, de 7 de abril de 2008,
significa que está “no ar” uma TV institucionalmente definida como pública.
Isso desloca a disputa para definir o que é uma televisão pública para a sua
própria prática.
O segundo avanço importante que não está contemplado no livro
é o lançamento do Plano Nacional de Banda Larga(PNBL).Em maio de 2010, o
decreto n. 7.175/2010 instituiu o PNBL com o objetivo de “fomentar e difundir o
uso e o fornecimento de bens e serviços de tecnologias de informação e
comunicação, de modo a: massificar o acesso a serviços de conexão à Internet em
banda larga; acelerar o desenvolvimento econômico e social; promover a inclusão
digital; reduzir as desigualdades social e regional; promover a geração de
emprego e renda; ampliar os serviços de Governo Eletrônico e facilitar aos
cidadãos o uso dos serviços do Estado; promover a capacitação da população para
o uso das tecnologias de informação; e aumentar a autonomia tecnológica e a
competitividade brasileiras.” A Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebrás)
foi reativada e será a gestora do plano, estando prevista a atuação de empresas
privadas de forma complementar para fazer os serviços chegarem ao usuário
final.
O presidente da Telebrás tem acusado as empresas privadas de
telefonia de boicotarem o PNBL. Na verdade, cinco grupos são responsáveis por
95% da oferta atual de banda larga no Brasil – Oi, Telefônica, Embratel/Net,
GVT e CTBC – enquanto 2.125 pequenos provedores respondem pelos restantes 5% do
mercado. Há pouca ou nenhuma competição e os grupos dominantes são contra a
inclusão de metas de expansão da infraestrutura de banda larga nos contratos de
concessão das empresas de telefonia que estão em fase de revisão na ANATEL, a
agência reguladora do setor.
Balanços Anuais
O quarto capítulo reúne oito artigos, transformados em seis,
que são balanços anuais – e um semestral – das políticas públicas de
comunicações. Eles tentam mostrar como se comportaram as diferentes áreas
abarcadas neste amplo e complexo campo e fornecem o pano de fundo histórico
para a compreensão mais ampla do período 2003-2010.
Contexto e estratégias
O último capítulo reúne dezessete artigos divididos em torno
de seis subtemas Governabilidade; Divergências Internas; Internet;
Partidarização e Intolerância; Atraso e Futuro.
Pretende-se argumentar que, em diferentes ocasiões, o que
está de fato envolvido na formulação das políticas publicas de Comunicações é a
própria governabilidade do país. Ao longo do período 2003-2010, ficaram
evidentes as contradições e conflitos de orientação política entre setores
internos ao próprio governo, em especial o Ministério das Comunicações, o
Ministério da Cultura e a SECOM-PR. Da mesma forma, ficou mais de uma vez
evidente a impotência do Estado diante dos grandes grupos de mídia, assim como
ficou claro o enorme poder histórico desses grupos.
Registra-se também o formidável avanço da internet e o
recrudescimento da posição radical dos grupos privados de mídia em relação a
qualquer proposta de regulação das comunicações, oriunda ou não do governo. Em
relação à crescente partidarização da mídia é necessário lembrar que ela tem
como corolário não só o enfraquecimento dos partidos, como sua própria
despolitização, na medida em que são afastados da política cotidiana e
confinados às formalidades e à burocracia de seu funcionamento legal e dos
procedimentos eleitorais.
Especula-se ainda com relação ao futuro, tanto em relação a
propostas do empresariado do setor – autorregulamentação, por exemplo – quanto
às expectativas em relação ao programa e a declarações da presidente Dilma
Roussef, eleita presidente do país para os próximos quatro anos (2011-2014).
[Brasília, verão 2010/2012]
Do Observatório de Imprensa
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