Sem limites na defesa do capital imobiliário
Rede Brasil Atual
Em debate, moradores e comerciantes expõem que continuam a
não entender os motivos da gestão de Kassab para a privatização de bairro no
centro e se queixam de falta de diálogo.
A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, professora da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP), defendeu hoje (29) que a
prefeitura da capital paulista tenta destruir as características históricas da
região da Luz, onde está o polo comercial da rua Santa Ifigênia, para abrir
novas frentes para o mercado imobiliário. “Destruo o território para em seguida
destruir as pessoas que estão ali... Que são focos de resistência”, disse a
especialista, relatora da ONU para o direito à moradia adequada. A região é
alvo do projeto "Nova Luz", que prevê a requalificação de 45 quadras
com a transferência da administração para uma empresa ou consórcio de empresas
privadas que poderão desapropriar e comercializar imóveis.
Raquel participou do debate sobre planejamento urbano “Nova
Luz – Quem está ganhando? Quem está perdendo?”, com os urbanistas do Consórcio
Nova Luz Amelia Reynaldo e Lourenço Gimenes. Para moradores e comerciantes da
região atingida pelo projeto, a iniciativa do prefeito Gilberto Kassab (PSD)
continua sendo um “sonho que a prefeitura vende”, sem conexão com a realidade.
Para a relatora da ONU, a prefeitura construiu a ideia de
"cracolândia", supostamente tomada por dependentes químicos, para
justificar o "Nova Luz". Outras ações como a Operação Sufoco,
realizada em janeiro, e a retirada dos moradores da ocupação Mauá, de sem-teto,
fazem parte da política do poder público municipal para anular a resistência de
quem mora e trabalha na área. “O que está colocado para a Luz com a operação
militar de 3 de janeiro deste ano (Operação Sufoco), com a reintegração de
posse da Ocupação Mauá, combinada com a destruição que a prefeitura fez daquele
lugar (ao classificar de cracolândia) e a concessão urbanística na Nova Luz é
uma espécie de solução final”, disse.
Solução final foi o termo usado pelo nazismo para definir o
extermínio da população judaica durante a Segunda Guerra Mundial. “A solução
final (em São Paulo) é: tentei de várias formas entrar naquele lugar e
desconstituir aquele tecido, abrir aquele espaço para outra coisa. Não consegui
porque aquele espaço resiste, tem vida, organização, movimento. Então destruo o
território para em seguida destruir as pessoas que estão ali com operação
militar que viola radicalmente os direitos de quem está ali e desconstituo”,
interpretou.
Raquel considera que a questão da "Nova Luz" é “um
processo de conflito em marcha” porque São Paulo é uma das poucas cidades
globais cujo centro histórico resiste. Para a historiadora Hertla Franco, o
tratamento dado ao patrimônio tem sido de “eliminar a história e liberar
terrenos para novas atividades do mercado imobiliário”.
Centro vivo
A urbanista do Consórcio Nova Luz Amélia Reynaldo admitiu que
o “centro é vivíssimo” e argumentou que o capital privado “deve construir a
cidade social de todos”. O consórcio é formado pelas empresas Concremat
Engenharia, Companhia City, Aecom Technology Corporation e Fundação Getúlio
Vargas (FGV) e é responsável pelo projeto urbanístico.
O arquiteto e urbanista Lourenço Gimenes, que também faz
parte do consórcio, disse não se espantar com o "combate aguerrido" à
concessão urbanística, mas defendeu o projeto porque ele indica “como fazer de
forma coerente, como os empreendedores vão atuar, como deve ser a devida
densidade”. Segundo ele, seria pior se não houvesse diretrizes para o mercado
atuar.
Para moradores e comerciantes da região da Luz, as
explicações do consórcio contêm erros e mostram incoerências da administração
Kassab. “A prefeitura sempre tenta enfeitar e na verdade prospectar um sonho.
Não é nada daquilo”, apontou Rafaela Rocha, advogada da Associação de
Comerciantes da Santa Ifigênia (ACSI). “Sempre fica de lado o aspecto social.
Não existe programa de atendimento social e econômico para a população
afetada.”
“Sempre tem um 'inicialmente' na frente de qualquer
explicação. Sempre tem um 'foi estimado'. Não tem nenhuma resposta concreta e
não vai ser interesse dar explicações para a gente”, analisou Antonio Santana,
da Associação de Moradores da Santa Ifigênia (AMSI).
Regulação do mercado
O promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da capital,
Maurício Antonio Ribeiro Lopes, respondeu da plateia à indagação de Raquel
Rolnik – que seria dirigida aos técnicos do consórcio Nova Luz – sobre quais
instrumentos estão previstos para manutenção da população e das atividades
existentes frente à valorização imobiliária. “O instrumento chama-se mercado.
Foi isso que nós ouvimos do (Miguel) Bucalem, secretário de Desenvolvimento Urbano”,
lembrou.
Segundo o chefe da Assessoria Técnica da Secretaria Municipal
de Desenvolvimento Urbano, Luis Ramos, ainda não há detalhes sobre a licitação
dos 45 quarteirões do bairro da Luz para empresa privada, que está prometida
para este ano. “Sairá quando tiver todos os elementos. Não há detalhes nesse
momento.”
Postado por Cappacete
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