segunda-feira, 4 de junho de 2012

Relatora da ONU sobre Nova Luz: prefeitura quer destruir bairro para destruir as pessoas


Sem limites na defesa do capital imobiliário
Rede Brasil Atual
Em debate, moradores e comerciantes expõem que continuam a não entender os motivos da gestão de Kassab para a privatização de bairro no centro e se queixam de falta de diálogo.
A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP), defendeu hoje (29) que a prefeitura da capital paulista tenta destruir as características históricas da região da Luz, onde está o polo comercial da rua Santa Ifigênia, para abrir novas frentes para o mercado imobiliário. “Destruo o território para em seguida destruir as pessoas que estão ali... Que são focos de resistência”, disse a especialista, relatora da ONU para o direito à moradia adequada. A região é alvo do projeto "Nova Luz", que prevê a requalificação de 45 quadras com a transferência da administração para uma empresa ou consórcio de empresas privadas que poderão desapropriar e comercializar imóveis.
Raquel participou do debate sobre planejamento urbano “Nova Luz – Quem está ganhando? Quem está perdendo?”, com os urbanistas do Consórcio Nova Luz Amelia Reynaldo e Lourenço Gimenes. Para moradores e comerciantes da região atingida pelo projeto, a iniciativa do prefeito Gilberto Kassab (PSD) continua sendo um “sonho que a prefeitura vende”, sem conexão com a realidade.
Para a relatora da ONU, a prefeitura construiu a ideia de "cracolândia", supostamente tomada por dependentes químicos, para justificar o "Nova Luz". Outras ações como a Operação Sufoco, realizada em janeiro, e a retirada dos moradores da ocupação Mauá, de sem-teto, fazem parte da política do poder público municipal para anular a resistência de quem mora e trabalha na área. “O que está colocado para a Luz com a operação militar de 3 de janeiro deste ano (Operação Sufoco), com a reintegração de posse da Ocupação Mauá, combinada com a destruição que a prefeitura fez daquele lugar (ao classificar de cracolândia) e a concessão urbanística na Nova Luz é uma espécie de solução final”, disse.
Solução final foi o termo usado pelo nazismo para definir o extermínio da população judaica durante a Segunda Guerra Mundial. “A solução final (em São Paulo) é: tentei de várias formas entrar naquele lugar e desconstituir aquele tecido, abrir aquele espaço para outra coisa. Não consegui porque aquele espaço resiste, tem vida, organização, movimento. Então destruo o território para em seguida destruir as pessoas que estão ali com operação militar que viola radicalmente os direitos de quem está ali e desconstituo”, interpretou.
Raquel considera que a questão da "Nova Luz" é “um processo de conflito em marcha” porque São Paulo é uma das poucas cidades globais cujo centro histórico resiste. Para a historiadora Hertla Franco, o tratamento dado ao patrimônio tem sido de “eliminar a história e liberar terrenos para novas atividades do mercado imobiliário”.
Centro vivo
A urbanista do Consórcio Nova Luz Amélia Reynaldo admitiu que o “centro é vivíssimo” e argumentou que o capital privado “deve construir a cidade social de todos”. O consórcio é formado pelas empresas Concremat Engenharia, Companhia City, Aecom Technology Corporation e Fundação Getúlio Vargas (FGV) e é responsável pelo projeto urbanístico.
O arquiteto e urbanista Lourenço Gimenes, que também faz parte do consórcio, disse não se espantar com o "combate aguerrido" à concessão urbanística, mas defendeu o projeto porque ele indica “como fazer de forma coerente, como os empreendedores vão atuar, como deve ser a devida densidade”. Segundo ele, seria pior se não houvesse diretrizes para o mercado atuar.
Para moradores e comerciantes da região da Luz, as explicações do consórcio contêm erros e mostram incoerências da administração Kassab. “A prefeitura sempre tenta enfeitar e na verdade prospectar um sonho. Não é nada daquilo”, apontou Rafaela Rocha, advogada da Associação de Comerciantes da Santa Ifigênia (ACSI). “Sempre fica de lado o aspecto social. Não existe programa de atendimento social e econômico para a população afetada.”
“Sempre tem um 'inicialmente' na frente de qualquer explicação. Sempre tem um 'foi estimado'. Não tem nenhuma resposta concreta e não vai ser interesse dar explicações para a gente”, analisou Antonio Santana, da Associação de Moradores da Santa Ifigênia (AMSI).
Regulação do mercado
O promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da capital, Maurício Antonio Ribeiro Lopes, respondeu da plateia à indagação de Raquel Rolnik – que seria dirigida aos técnicos do consórcio Nova Luz – sobre quais instrumentos estão previstos para manutenção da população e das atividades existentes frente à valorização imobiliária. “O instrumento chama-se mercado. Foi isso que nós ouvimos do (Miguel) Bucalem, secretário de Desenvolvimento Urbano”, lembrou.
Segundo o chefe da Assessoria Técnica da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, Luis Ramos, ainda não há detalhes sobre a licitação dos 45 quarteirões do bairro da Luz para empresa privada, que está prometida para este ano. “Sairá quando tiver todos os elementos. Não há detalhes nesse momento.”
Postado por Cappacete

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