Por Carlos Castilho
O mensalão já é um divisor de águas na
comunicação, independente do resultado do julgamento do STF. O processo é um caso típico de situação
altamente complexa tratada de forma dicotômica pela imprensa e pelo marketing
eleitoral dos partidos políticos. E seja
qual for o desfecho, as sequelas vão mostrar qual o papel dos jornalistas na
formação de uma nova cultura informativa no país.
O mensalão é um caso complexo
tanto do ponto de vista legal como da ética e da institucionalidade. Ele não se limita ao caso de um ladrão comum
sendo flagrado com dinheiro na cueca pela polícia. Envolve um sistema de
financiamento de campanhas eleitorais existente há décadas no país, um esquema
de superfaturamento de obras igualmente instalado há muito tempo e
cumplicidades institucionais e financeiras difíceis de serem configuradas
legalmente. Qualquer especialista em Direito sabe disto.
Mas desde que o caso estourou, em
2005, o mensalão e seus protagonistas foram submetidos pela imprensa e pelos
políticos a um processo de simplificação para reduzi-lo a um fenômeno do bem
contra o mal, como se fosse uma moeda com apenas duas caras. A simplificação
visava facilitar as adesões a um lado ou outro. É o que acontece com quase
todas as questões complexas numa sociedade que não está acostumada a lidar com
problemas controversos.
Agora que o caso foi parar no
Supremo Tribunal Federal, a maior corte de justiça do país ficou numa situação
desconfortável porque acabou submetida a uma dupla pressão: a imposta pelo seu
mandato institucional que exige uma abordagem complexa baseada nos princípios
jurídicos, e um tratamento simplificado, imposto pela pressão da mídia, da
opinião publica e dos políticos, por um veredito tipo culpado ou inocente.
É uma situação muito difícil a
dos juízes do STF e uma evidência da responsabilidade da imprensa no
desenvolvimento da percepção pública sobre fatos complexos. Se o critério da
complexidade técnica levar os magistrados a absolvições, eles pagarão o preço
da reação adversa da opinião pública. Caso se curvem ao poder dos holofotes e
microfones, estarão pondo de lado o seu papel de árbitros e analistas de
situações em que não existem apenas dois lados, duas versões.
O tribunal não pode abrir mão de
sua missão institucional de analisar casos complexos usando critérios técnicos,
obviamente também complexos. Se renunciar a isso, ficará claro que o processo
jurídico brasileiro passou a depender dos humores da imprensa e dos formadores de
opinião. As grandes decisões não serão
tomadas mais por juízes, mas por marqueteiros. Mas para explicar uma decisão
técnica à opinião publica, os juízes necessitarão da imprensa, hoje
comprometida com a simplificação do caso.
Por aí fica fácil perceber o
papel crucial dos jornalistas nesse episódio, no qual eles são ao mesmo tempo
testemunhas e protagonistas. Testemunhas
porque deveriam levar aos cidadãos as informações necessárias para que estes
possam refletir sobre o caso da forma mais realista possível — ou seja, complexa. Mas, simultaneamente, são
protagonistas ao simplificar o mensalão
numa perspectiva dos bons contra os maus, ou da dicotomia culpado ou
inocente.
Na verdade, poderíamos dizer que,
em última análise, quem está sendo julgado no caso não são o ex-ministro José
Dirceu e seus mensaleiros, mas também a própria imprensa.
Mais importante do que saber quem
é culpado ou inocente é identificar por que e como o mensalão aconteceu. E isso é impossível com um julgamento
simplificado. Só a avaliação de toda a complexidade do caso é que permitirá
identificar as condições que permitiram o surgimento de uma estrutura paralela
de financiamento político-eleitoral tão duradoura, ampla e tão
sofisticada. É aí que a imprensa cumpre
um papel insubstituível e é onde ela deve ser cobrada pelo público. Esta função é muito mais importante do que a
briga pela primazia do furo na denúncia de escândalos.
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