domingo, 27 de novembro de 2011

Dinheiro não garante educação

Estudo do governo federal mostra que escolas públicas de cidade pobre conseguem, com boa gestão, resultados superiores aos dos municípios mais ricos do País.

Rachel Costa


Duas cidades médias brasileiras com cenários educacionais e recursos orçamentários bem diferentes. Uma é Sobral, no sertão cearense. Terra do humorista Renato Aragão e do músico Belchior, o município é conhecido por um evento curioso: lá foi testada a Teoria da Relatividade de Albert Einstein, em 1919. Como outras localidades do semiárido, tem à disposição um orçamento modesto e uma extensa lista de problemas sociais seculares a resolver. A outra é Barueri, na Grande São Paulo. Ali está Alphaville, espécie de Beverly Hills brasileira, onde residem várias celebridades, de cantores sertanejos a apresentadores de tevê. O município paulista ainda figura em primeiro lugar no ranking do Produto Interno Bruto (PIB) per capita das cidades brasileiras acima de 150 mil habitantes. Se o índice fosse dividido de maneira igual entre os baruerienses, cada um deles teria disponível, por ano, mais de R$ 100 mil. E o sobralense, menos de R$ 10 mil. Mas, se Barueri é rica, Sobral é bem educada. Explica-se: para tentar entender o impacto da riqueza dos municípios nas melhoras obtidas na educação, João Carlos Teatini, diretor de educação a distância da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), cruzou o indicador usado pelo Ministério da Educação para avaliar a qualidade do ensino, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), e o Produto Interno Bruto (PIB) per capita dos 159 municípios brasileiros com mais de 150 mil habitantes. A constatação foi de que os municípios brasileiros não estão transformando seu dinheiro em melhoria na educação. Barueri é um exemplo. Sobral, ao contrário, com poucos recursos, melhora seus índices a cada ano.

Sobral e Barueri chamaram a atenção de Teatini por representar extremos. A cidade cearense apresentou o maior crescimento no Ideb, embora figure apenas na 114ª posição no ranking do PIB per capita. Já Barueri, mesmo estando na ponta quando o assunto é dinheiro, foi bem mais discreta na variação do Ideb. Coincidentemente, os dois municípios partiram da mesma nota em 2005: 4,5. Porém, enquanto Sobral obteve 6,6 na última medição, um aumento de 48%, Barueri registrou modestos 5,4, crescimento de 20%. “Dinheiro é importante, mas não é tudo”, diz Austregésilo de Melo, pesquisador do Centro de Estudos Avançados de Governo da Universidade de Brasília. As cidades serão agora estudadas pelo Observatório da Educação da Capes, que tentará entender o porquê da discrepância dos resultados. “Por essa primeira análise, o que se pode supor é que muitos municípios estão aplicando um percentual baixo do orçamento na educação ou não estão aplicando da forma correta”, afirma Teatini.

O que se vê em Sobral pode servir de exemplo para gestores de educação de todo o País (leia quadro acima). Em 2001, três a cada cinco alunos estavam em série incompatível com a idade. No segundo ano do ensino fundamental, mais da metade das crianças não sabia ler nem escrever. Uma década depois, os indicadores educacionais não lembram em nada os do passado. A distorção entre idade e série caiu para 7,7% e praticamente todos os alunos (96%) já sabem ler no segundo ano. A nota no Ideb, de 6,6, faz Sobral cumprir mais de dez anos antes a meta do Ministério da Educação (MEC) – de até 2022 atingir média acima de seis no Ideb.

O mais impressionante é que a cidade cearense subiu de patamar sem mexer no orçamento: pouco mais de R$ 60 milhões para 35 mil alunos – em Barueri, são mais de R$ 500 milhões para 60 mil. Além do recurso controlado, a cidade cearense tem à frente o desafio de reverter décadas de falta de investimento na educação. Dos estudantes que hoje lotam as salas de aula do município, 40% têm pais que estudaram menos de quatro anos. “Esses dados reforçam a tese de que quem fez a diferença na melhoria dos indicadores foram as escolas”, analisa o pesquisador Antônio Gomes Batista, do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). Para Batista, o segredo da evolução positiva do município está na homogeneidade das instituições da rede. Em Sobral, das 39 escolas que participaram do último Ideb, apenas uma teve nota abaixo de seis.


NO FUNDÃO

O modo como a rede se organiza também é bem distinto do encontrado em outros municípios. De 15 em 15 dias, todos os diretores de escola se encontram em uma reunião com o secretário. Em vez de indicação política, os diretores passaram a ser escolhidos por meio de prova. Para ajudar os professores, foram produzidos um material complementar e um programa de formação que os ajudam a usar o material didático de acordo com a turma para a qual lecionam. Ter esse aporte, analisa a coordenadora da organização não governamental Ação Educativa, Vera Masagão, é positivo. “Essa orientação para os professores ajuda muito o trabalho com os conteúdos em sala de aula.” O reconhecimento da boa gestão de Sobral também está na replicação em outros municípios e Estados do Programa de Alfabetização na Idade Certa, responsável pela reversão de seus altíssimos índices de analfabetismo. “O governo do Ceará se inspirou na experiência de Sobral para criar o programa, que hoje está também em cidades da Bahia e do Piauí”, diz Rui Aguiar, oficial de projetos do Unicef.

De Sobral muito se sabe, pois há vários especialistas tentando explicar tamanho avanço em espaço de tempo tão curto. Já Barueri é um mistério que a Capes tenta desvendar. Para a Secretaria de Educação do município paulista, não há problemas na gestão educacional, uma vez que o Ideb cresceu. Flávia Moreno, coordenadora-geral do ensino fundamental afirma que o aumento só não foi maior porque a Secretaria de Educação parou de adotar, em 2005, a promoção automática, pela qual o aluno é aprovado de ano independentemente da nota. “A questão de Barueri não é que suas médias estejam ruins”, analisa Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). “É que, com o recurso disponível, ele poderia ter apresentado um desempenho melhor.”

Embora os estudos detalhados ainda não tenham começado, especialistas apontam fatores que impedem a evolução da cidade paulista. O orçamento é alto, mas o secretário da pasta não tem autonomia para executá-lo, pois o controle é feito via Secretaria de Finanças. Daniel Cara, coordenador da Campanha Todos pela Educação, explica que as cidades que têm melhorado seus índices educacionais em geral dão ao gestor da educação liberdade para controlar quando e como o recurso será gasto. “Muitas vezes há dinheiro, mas ele está sujeito a contingenciamento e acaba em outra área.” Também chama a atenção o cargo de secretário de Educação ser ocupado por Celso Furlan, irmão do prefeito da cidade, Rubens Furlan. Nos últimos anos, Celso foi protagonista de vários desentendimentos: um com a equipe do programa “CQC” (após denúncia de desvio de uma televisão doada a uma escola) e outro com pais de alunos por abuso de poder (em 2008 o secretário expulsou 41 alunos de um colégio). Fica a lição: em educação, dinheiro é importante, mas não é o suficiente.

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