Mais um incêndio atingiu ontem mais uma favela da cidade de
São Paulo - desta feita, as vítimas foram os moradores da Favela do Piolho, no
bairro do Campo Belo, na zona sul da capital, numa área que fica próxima, bem
pertinho mesmo do aeroporto de Congonhas, imponentemente encravado em região
nobre da metrópole.
Por Francisco Bicudo*
Em 2012, foi o trigésimo segundo incêndio dessa natureza em
São Paulo (média de quatro por mês); já tinham sido registrados outros 79, no
ano passado. Só ontem, quase 300 casas foram destruídas e mais de mil pessoas
ficaram desabrigadas.
Não tenho, confesso, condições de fazer afirmações. Mas, como
sugeria e ensinava o filósofo grego Sócrates, ao reconhecer que "só sei
que nada sei", posso fazer perguntas. Questionar não ofende. E ajuda a
pensar. Minhas dúvidas:
1) Será que a Prefeitura de São Paulo nos considera mesmo
tolinhos e imagina que vamos acreditar, num exercício de fé profunda, que os
incêndios são apenas coincidências, lamentáveis tragédias?
2) Incêndios em favelas nessa quantidade acontecem em alguma
outra cidade do planeta? Ou São Paulo é um foco isolado, um ponto fora da
curva, uma "metrópole incendiária exclusiva"?
3) Será que apenas os moradores de favelas não sabem acender
o gás ou riscar um fósforo, não sabem lidar com o fogo?
4) Por que essa mesma quantidade de incêndios não acontece em
condomínios de luxo dos bairros nobres da cidade?
5) Por que a Prefeitura paulistana, à época da administração
de José Serra, desativou o Programa de Segurança contra Incêndio, implantado
durante a gestão da prefeita Marta Suplicy e que tinha como propósito
justamente desenvolver ações de prevenção e orientação especificamente em
favelas? E por que o atual prefeito, Gilberto Kassab, não retomou o programa?
6) Por que os
bombeiros e as demais autoridades públicas responsáveis pelas investigações não
conseguem explicar ou definir as causas e os responsáveis pelos incêndios, com
os laudos finais invariavelmente apontando para "motivos
indeterminados"?
7) Será que o que de fato move esses incêndios é uma
deliberada política de higienização e limpeza social, destinada a expulsar os
moradores das favelas, que "enfeiam as paisagens", para aproveitar os
terrenos finalmente "limpos" para a especulação imobiliária, tornando
assim a fotografia da capital "mais bela e atraente"?
8) Por que nenhum jornal de referência e de grande circulação
faz as perguntas que devem ser feitas, com intuito de construir a melhor versão
possível da realidade?
9) Por que os repórteres de emissoras de rádio e de TV que
transmitem informações ao vivo sobre os incêndios (incluindo os repórteres
aéreos) parecem sempre mais preocupados com os reflexos dos incêndios sobre o
trânsito, em apontar rotas alternativas para os motoristas, do que em dedicar
atenção às vítimas das tragédias (muitas fatais) ou à destruição de casas e de
sonhos?
10) Por que nos acostumamos aos incêndios nas favelas e
passamos a considerá-los algo "natural, normal", como se já fizessem
parte da paisagem urbana e do cotidiano da metrópole, aceitando resignadamente
a banalização da tragédia e da violência? Em que lugar do passado ficou perdida
nossa capacidade de indignação e de reação?
*Francisco Bicudo é jornalista.
Fonte: Blog do Miro
Postado por Oni Presente
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