A vida apareceu - Janio de Freitas
Superada a excitação em torno do que seria o voto de
despedida de Cezar Peluso -se abrangente, ou não, de todos os réus do mensalão-
já está em campo outra charada.
Talvez um artifício involuntário dos que precisam acompanhar
a insipidez do julgamento, mas não aguentam, sem algum desvio inocente, o tédio
de tanto "voto eminente" e "brilho de Vossa Excelência".
"E se houver empate, agora que a aposentadoria de Peluso
reduziu o time dos julgadores a dez?"
O condutor do julgamento e presidente do Supremo Tribunal
Federal, Ayres Britto, dá uma resposta original: "É uma pergunta sem
resposta".
Poderia dizer que uma das respostas cabíveis é o desempate
com o chamado voto de minerva, dado por ele mesmo. Solução que ficaria muito
bem na maneira como o julgamento transcorreu até ontem, aceitas várias práticas
inesperadas.
Pela primeira vez, ontem, as circunstâncias vividas por um
réu, na conduta de que é acusado, foram consideradas com a devida importância
na apreciação dos fatos e no voto de um ministro, para condenação ou
absolvição.
Embora composto por magistrados sempre prontos a expor seu
lado humano (nem sempre de modo apreciável), se sensibilizada a sua vaidade, o
julgamento mais parece ocupar-se de réus mecânicos, todos robôs da patifaria.
O risco resultante dessa característica do julgamento não
recai apenas sobre os réus, na eventualidade de menor compreensão dos fatos e
das culpas ou inocências.
A variação dos discursos jurídicos não isenta também os magistrados
de se mecanizarem eles próprios, de se robotizarem, no seu poder de ignorar a
vida e conceber seres-objetos.
No primeiro dos votos pela absolvição de Ayanna Tenório,
(ex-)funcionária do Banco Rural, o ministro-revisor, Ricardo Lewandowski,
valorizou tanto os fatos quanto as circunstâncias que a acusada viveu neles.
Não o fez por acaso, mas com intenção declarada. A vida se imiscuiu no
julgamento.
Um ser-objeto virou uma pessoa, assim reconhecida também,
pouco depois, pela ministra Rosa Weber. Ainda que a absolvição carregasse uma
ressalva, cuja oportunidade excedeu o voto: "In dubio pro reo",
lembrou a ministra para justificar-se de não encontrar motivos seguros de
condenação.
Na justificativa de Rosa Weber estava a resposta adequada
para o desempate de votos, em um tribunal não robotizado em sentido algum. O
empate retrata um tribunal posto em dúvida, e um princípio de Justiça que os
milênios não negaram é este: "In dubio pro reo".
O empate tem resposta, sim, pelos juízes que não a receiem.
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