Por: Rodrigo Gomes, da Rede Brasil Atual
São Paulo – Para movimentos e organizações de direitos
humanos de São Paulo, desmilitarizar a Polícia Militar (PM), desvinculando-a do
Exército e da ideia de combate contra um inimigo interno, é um dos passos mais
importantes na luta contra a violência policial e estatal. Essa é uma das
principais reivindicações da Rede Dois de Outubro, que prepara uma série de
atos para a semana de 2 de outubro, que marca os 20 anos do massacre do
Carandiru, ocorrido em 1992. Naquele dia, 111 presos foram assassinados pela
Tropa de Choque da PM. Até hoje ninguém foi responsabilizado pelas mortes.
De acordo com o parágrafo 6º do artigo 144 da Constituição
Federal, as polícias militares são forças auxiliares e reserva do Exército.
Para os movimentos, essa definição retrata um cenário que precisa ser
discutido, modificado e superado. A história republicana brasileira, que teve
os militares como um de seus principais agentes políticos, mais a recente
ditadura (1964-1985), que trouxe a Doutrina de Segurança Nacional,
aparentemente nunca abandonada, estão entre os apontamentos das organizações
como componente histórico do comportamento violento das polícias brasileiras.
Para Danilo Dara, membro do movimento Mães de Maio,
organização de familiares de vítimas da violência policial e estatal, a
proposta de desmilitarização busca um modelo de polícia não repressiva, que
seja cidadã e comunitária, procurando progressivamente desmilitarizar e
desarmar a sociedade como um todo. “Nós defendemos um modelo de polícia que, em
primeiro lugar, não seja baseado nessa concepção repressiva. Que seja formada e
controlada a partir das comunidades onde atuam, servindo aos interesses de prevenção
e auto-defesa única e exclusivamente dessas comunidades”, diz.
Dara afirma que não existe justificativa para a convivência
da sociedade com uma polícia pensada como um aparato repressivo para combater,
prender e matar inimigos internos. Em 29 de julho deste ano, as Mães de Maio
começaram a recolher assinaturas para uma petição pública exigindo a
desmilitarização das polícias militares de todo o Brasil.
O coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo André
Vianna, ao discordar da proposta de desmilitarização, aponta um imaginário
ligado à memória da ditadura militar como motivo de questionamento dos
movimentos sociais. “O ideal é que se suprima de vez a expressão 'militar' das
instituições. Porque, senão, virão argumentos como estes, que são equivocados.
O policial que age hoje não tem inimigo. O que ocorre é que muitas pessoas de
organizações dessa natureza pensam que ainda estão trabalhando com uma polícia
dos anos 1960, 1970, que agiam instrumentalizadas naquele momento, mas que hoje
são outra instituição”, diz.
No entanto, os documentos de duas entidades internacionais,
publicados no primeiro semestre deste ano, corroboram a preocupação das
organizações de direitos humanos. O relatório do Grupo de Trabalho sobre o
Exame Periódico Universal (EPU) do Brasil, do Conselho de Direitos Humanos da
Organização das Nações Unidas (ONU), usou a definição “esquadrões da morte”
para se referir à polícia brasileira e sugeriu sua extinção. Já o relatório de
direitos humanos da Anistia Internacional referente a 2011 destacou que os
agentes da lei continuam a praticar torturas e execuções extrajudiciais no
Brasil.
Para o advogado da Pastoral Carcerária, Rodolfo Valente, a
importância da desmilitarização está sobretudo na questão de acabar com a
situação de guerra existente entre o Estado e as populações pobres. “É preciso
desmantelar essa lógica de guerra que orienta as ações da polícia,
principalmente quando se trata das populações de periferia”, diz. Para Valente,
essa concepção, aliada à falta de controle externo por parte da sociedade,
contribui para os abusos no cumprimento das funções policiais e,
consequentemente, para a impunidade. “Os crimes cometidos por esses agentes do
Estado são investigados e julgados por Tribunais Militares, que é uma justiça
corporativa, sem o acompanhamento da sociedade”, conclui.
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