quinta-feira, 30 de maio de 2013

A equação do crescimento

Redução da taxa de juros, desoneração da tarifa de energia elétrica são algumas ações do governo Dilma destacadas pelo secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, como fundamento para geração de empregos que sustenta o crescimento da economia brasileira. Convidado a participar de uma reunião do Grupo de Conjuntura da Fundação Perseu Abramo, Augustin foi entrevistado para Teoria e Debate pelos economistas Jorge Mattoso, Guilherme Mello, o diretor da Fundação Joaquim Soriano e a editora Rose Spina

Rose Spina – Em palestra na Fundação Perseu Abramo, o senhor afirmou que estão lançadas no Brasil as bases para uma economia com crescimento sustentável. Quais são essas bases?

Arno Augustin – O Brasil, historicamente, vem trabalhando para o crescimento, mas com uma estrutura de preços ainda insuficiente em áreas fundamentais para crescer em médio e longo prazo. Dois dos preços que precisavam ser alterados e o foram em 2012 são o câmbio e o juro. A mudança que conseguimos com a redução substancial da Selic e com o câmbio mais realista, possibilitando à indústria brasileira melhores condições em um mundo em crise, com guerra cambial, faz com que as perspectivas para o país, em 2013 e nos anos subsequentes, sejam boas.

Nos primeiros dois meses deste ano, reduzimos 20%, em média, o preço da energia elétrica, com o propósito de diminuir custos para a indústria e transferir mais renda para as famílias, estimulando assim a competitividade internacional e o mercado interno.

O objetivo central das ações do governo é reestruturar preços (câmbio, juros) e diminuir custos – como se deu com a energia –, ter tributação mais adequada e preços relativos que estimulem o emprego. E isso está sendo feito, com a redução da tributação sobre a folha de salários, por exemplo, e também com o aumento significativo do investimento público, por meio do PAC, além de um programa de concessões em infraestrutura com participação do setor privado. Mas tudo a partir de uma estratégia que atende ao interesse nacional.

Assim será, por exemplo, com o novo modelo de concessão de ferrovias, que democratiza e possibilita acesso amplo do conjunto da atividade produtiva à infraestrutura. No modelo antigo, beneficiava-se apenas o eventual concessionário, que por vezes tinha por interesse principal garantir o transporte das mercadorias do seu negócio. Então, um sistema com maior infraestrutura para o conjunto da economia é importante e faz com que haja uma expectativa de que o país, em 2013, retome com força o crescimento.

Jorge Mattoso – A dívida líquida do setor público, que vem de 60% do PIB, no início do primeiro governo Lula, está hoje em 35%. Como se dará a continuidade desse processo de diminuição, frente às desonerações que vêm sendo realizadas?

Arno Augustin – Uma das principais conquistas do último período foi retomar os instrumentos de decisão do Estado. Ou seja, o Estado fazer políticas de interesse nacional e política econômica. Hoje, o Brasil tem uma relação dívida/PIB muito confortável, e mesmo em 2012, um ano de crise e crescimento baixo, essa relação não aumentou – é uma variável sob controle. A opção por desonerações e aumento dos investimentos se faz ao longo de cada período de acordo com desempenho da economia. Então, os movimentos de superávit primário maior ou menor se dão em função do que a economia exige. Assim, fizemos um primário menor em 2012 porque achamos que era melhor para a economia, como foi em 2009.

A tendência de queda na relação dívida/PIB é importante, mas isso ocorre porque o juro caiu significativamente – queda que ocorrerá, possivelmente, de forma mais forte em 2013. Todos esses elementos dão ao Brasil condição bem diferente da dos Estados Unidos e dos países da Europa. Os EUA estão com enormes dificuldades para equacionar a questão fiscal, hoje no centro da discussão entre Congresso e Executivo. Na Europa, vários países vivem uma crise fiscal enorme. E, felizmente, o Brasil está em condição mais favorável, tem conseguido inclusive melhorar muito sua curva de juros externa.

Nosso último lançamento de título do Tesouro Nacional no mercado externo, título de dez anos, foi a uma taxa próxima a 2,68%, que é muito baixa. Essa tendência de queda das taxas de risco, cobradas da curva soberana do Brasil e, portanto, também das empresas brasileiras, é prova de que o mercado internacional considera o Brasil com fundamentos sólidos. O mercado financeiro internacional enxerga um país com estabilidade.

A conquista da governabilidade permite que se mantenha a tendência de queda da relação dívida/PIB com investimentos maiores e desonerações. Essa é a equação, a ideia é aprofundar o ciclo virtuoso no qual o Brasil está inserido.

Jorge Mattoso – Temos como reivindicação histórica uma reforma com o objetivo de reduzir a desigualdade tributária. Esse processo de desonerações dá início a outro tipo de reforma nessa perspectiva, sem necessariamente passar pelo Congresso? Nesse sentido duas medidas foram muito importantes: a redução do preço da energia e a desoneração da cesta básica.

Arno Augustin – Historicamente, os tributos indiretos no Brasil têm uma participação alta, mas podem ser seletivos. Reduzir Cofins e IPI da cesta básica contribui para uma tributação mais justa. Reduzir tributação sobre a folha de salários também ajuda a ter uma distribuição, do ponto de vista social, com maior efetividade econômica, embora não mude a relação de quem paga o tributo. Mas, o principal problema da tributação no Brasil é a guerra fiscal com o ICMS, com destaque para aquela vinculada à importação. Vários estados faziam com que o produto importado tivesse uma tributação de ICMS menor, o que prejudicava muito a capacidade de geração de emprego no país.

Então, ao passar a tributação do estado de entrada da mercadoria para o estado de destino, eliminamos a chamada “guerra fiscal dos portos”. Temos um projeto no Congresso da alíquota interestadual do ICMS e confiamos que possa ser votado logo. Isso diminuirá e poderá eliminar em médio prazo a guerra fiscal no Brasil.

O processo de justiça tributária envolve vários elementos, e sempre podemos discutir formas de melhorar a distribuição da carga tributária. O governo, por exemplo, reduziu de forma significativa a tributação das pessoas de menor renda ao zerar todos os tributos federais sobre a cesta básica. Talvez tenha de discutir formas de ampliar isso. Os próprios estados podem também reduzir a tributação e melhorar a distribuição.

Como o Brasil tem uma situação fiscal melhor, podemos fazer parte da reforma tributária por meio da desoneração, como fizemos com a folha de salários em vários setores. Essa medida ajudará a geração e formalização de empregos.

Entretanto, se conseguirmos reduzir de forma significativa a guerra fiscal com o ICMS, haverá ganhos enormes em segurança jurídica, investimentos, arrecadação dos estados e, portanto, em gastos da área social.

Jorge Mattoso – Até recentemente, o estímulo ao crescimento veio dos avanços no mercado de trabalho, principalmente do salário mínimo, e do mercado interno com transferência de renda. Houve também elevação do investimento público, que passou de 1,1 para 4,4 pontos percentuais do PIB no período, e de outros gastos pouco mencionados como em educação... Economistas falam pouco sobre a importância que tem uma elevação nesses gastos. Como você situa essas questões no curto, médio e longo prazo, sobretudo pensando um ciclo de crescimento sustentável?

Arno Augustin – A falta de infraestrutura é um fator que restringe o crescimento. Portanto, o aumento da infraestrutura e do investimento público é objetivo do governo e vem sendo realizado, principalmente, por meio de dois programas. O Minha Casa, Minha Vida, que já entregou 1 milhão de casas com previsão de mais 2 milhões para a segunda fase. E o PAC 1 e 2, conjunto de infraestrutura realizado pelo governo e pelo programa de concessões, em parceria com a iniciativa privada, para colocar infraestrutura pública à disposição da sociedade. Os dois programas aumentam o investimento e geram demanda agregada para o país, o que garante condições de crescimento.

Talvez uma das restrições estratégicas mais relevantes seja a educação. Ou seja, é preciso muito investimento para reduzir os déficits de formação educacional que o crescimento econômico tende a gerar.

A Constituição determina que o gasto em educação seja de 18% da receita. Em 2012, o Brasil destinou 25% para a área. Portanto, há um crescimento forte dos gastos federais em educação, uma vez que se trata de um motor importante para acabar com a restrição de mão de obra em vários setores que impede o crescimento de médio e longo prazo.

 

Na área de educação, há o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), específico em educação profissional e tecnológica e, também, o Programa Universidade para Todos (Prouni), que dá maior acesso dos jovens à educação superior.  Também é importante a ideia de que todo e qualquer recurso novo que a sociedade possa auferir, como o pré-sal, seja empregado em educação. Esse esforço deve ser contínuo, até porque seus efeitos são de médio e longo prazo. Se o Brasil não vencer o desafio de ter maior infraestrutura educacional, essa será a restrição principal no próximo período.

Guilherme Mello – No caso do câmbio houve uma mudança estrutural importante, não só de patamar, mas na institucionalidade de gestão da taxa do câmbio. Criou-se uma série de instrumentos que reduziram sua volatilidade, atualmente com pequenas variações – já foi para R$ 2,10 e está em R$ 1,95. Essa institucionalidade é suficiente para gerir o câmbio e deixá-lo nesse patamar que você considera adequado?

Arno Augustin – O governo não define meta do câmbio, evitamos falar em número. É certo que a valorização que o real já alcançou em alguns períodos, com dólar a R$ 1,50, é evidentemente excessiva e, portanto, um empecilho para a competitividade de nossas exportações. Todos os países do mundo estão praticando guerra cambial, ou seja, desvalorizando a própria moeda com o objetivo de melhorar e aumentar exportações e competitividade.

É necessário proteger nossa economia, e isso significa evitar a volatilidade do câmbio e a valorização excessiva do real. Vários instrumentos são utilizados, como o IOF e a redução da taxa de juros, mas a ideia é que o câmbio garanta às nossas empresas maior nível de competitividade. O câmbio deve ser visto em relação à ação dos outros países. Não há dúvida de que o país que não protege a economia em uma situação internacional como a que estamos vivendo tende a ter muitos prejuízos.

Continuaremos com essa política porque ela é fundamental para manter nossa indústria.

Rose Spina – O termo concessão é recebido com muita reserva pela esquerda. Em São Paulo as concessões dos governos tucanos, por exemplo, são problema sério. As realizadas pelo governo federal são diferentes no quê?

Arno Augustin– O governo da presidenta Dilma trabalhou com parcerias privadas em várias áreas, mas com critérios muito claros que garantem alguns conceitos. Um deles é que compete ao Estado garantir a universalidade da infraestrutura. Por exemplo, durante muito tempo as concessões de ferrovias no Brasil foram feitas para um determinado grupo, restringindo a participação de competidores, o que retirava completamente o caráter público.

Não há nenhuma restrição à participação do setor privado na ação governamental; a obra pública é realizada pelo setor privado. Para nós é fundamental que as condições garantam o interesse público, e isso tem ocorrido. Também, no caso das rodovias o programa estabelece que todo investimento seja feito nos primeiros cinco anos e a cobrança de qualquer tipo de contraprestação, de pedágio, somente ocorra depois que uma parte do investimento seja efetivamente realizada.

Há um conjunto de parâmetros de defesa do interesse público presente no programa de concessões e de parcerias público-privadas que o governo lançou em várias áreas – rodovias, ferrovias, aeroportos, aviação regional, portos –, em que se tem buscado o fim de restrições à entrada de competidores, eliminando, portanto, custos muito altos do uso da infraestrutura.

Há um conjunto de aperfeiçoamentos do ponto de vista regulatório que permitirá um padrão de qualidade da infraestrutura pública no Brasil. O trem de alta velocidade de Campinas ao Rio de Janeiro, por exemplo, será feito dentro de um sistema de duas licitações – uma para tecnologia e operação do serviço e outra para infraestrutura –, de tal forma que teremos modicidade tarifária. Isso fará com que haja competição e as tarifas sejam baixas. Então, a existência de concorrência depende muito de um modelo regulatório adequado.

Guilherme Mello – Por que a opção pela parceria público-privada, em vez de investimento puramente público?

Arno Augustin – A obra pública é feita por meio de uma licitação na qual concorre o setor privado. O que importa para efeito do interesse nacional são as condições em que se dá a participação privada. É preciso garantir que o Estado tenha controle sobre a universalidade da concessão de serviços e a formação dos preços na prestação de serviços, de forma que estes sejam os menores possíveis, preservando a qualidade.

Há várias áreas em que o serviço público pode e deve ser feito por meio de concessão. O importante é a regulação existente. A discussão é muito mais no mérito de cada um dos modelos. Em nenhum caso há venda de patrimônio público constituído, não há privatização. Há processo de investimento novo, no qual, sob condições de interesse nacional, a iniciativa privada participa. O Brasil precisa desse choque de melhorias e de mais investimentos.

O investimento feito através de PPP, eventualmente, pode ter maior velocidade, e isso é importante. Boa parte dos que estamos fazendo tem, inclusive, cronogramas bastante rígidos.

Joaquim Soriano – Sobre os problemas portuários, além de dificuldades burocráticas para importação e exportação, há a questão dos sindicatos, nem sempre afeitos a mudanças. Há como interceder nessa relação?

Arno Augustin – Existe o Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo), entidades de caráter administrativo, fiscalizador e profissionalizante, que atuam nos portos públicos, dentro do perímetro de áreas portuárias, e existe o Terminal de Uso Privativo (TUP).

No projeto que o governo encaminhou, o órgão continua a existir, não está sendo alterado no que concerne às estruturas de portos públicos. Apenas está sendo deixado claro na legislação que para os TUPs é optativo. Não há no nosso entendimento nenhuma mudança que implique redução de direitos dos trabalhadores. Não estamos mudando o Ogmo no que ele é relevante. Na verdade, o que se fez nos portos foi impedir barreira de entrada. Havia um conjunto de barreiras de entrada para novos participantes, o que tornava a atividade portuária, em alguns casos, extraordinariamente lucrativa, com custos muito altos para a economia brasileira.

Então, ao abrir para que a infraestrutura possa ser ampliada de forma significativa, estamos mirando custos menores. Nos portos públicos, por exemplo, as licitações serão por menor tarifa para o usuário, ou seja, para o exportador, para nossa economia. Não faremos mais licitação por outorga, por pagamento ao poder público. Ou seja, vamos reduzir muito os custos portuários.

Jorge Mattoso – Nos anos 1980 e 1990, com a ausência de investimentos no campo da infraestrutura, ocorreu uma forte deterioração do Estado, e coube aos governos recentes dar conta de toda a demanda resultante de anos de destruição.

Arno Augustin – O Brasil tinha o Grupo de Estudos para a Integração da Política de Transportes (Geipot), responsável pela realização de projetos, planejamento, infraestrutura etc, que foi extinto. Agora, junto com o lançamento do programa de ferrovias e rodovias, a presidenta Dilma criou a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), que é uma forma de voltar a ter estruturas de planejamentos, projetos de médio e longo prazo, porque nessa área o país deixou de produzir capacidade instalada. O potencial de execução de projetos do país é bem menor do que gostaríamos. Há restrição de tempo para fazer o projeto, número de profissionais habilitados, empresas públicas com condição para isso...  

Há um conjunto de necessidades do ponto de vista da capacidade do Estado de planejar e realizar investimentos que está sendo reconstruído, em paralelo com a execução das obras. O Brasil, de alguma forma, perdeu isso com o sucateamento de algumas estruturas do Estado.

Joaquim Soriano – Desde os primeiros momentos do governo do presidente Lula uma questão chave para a esquerda era qual a estratégia em curso. A presidenta Dilma em diferentes momentos constrói uma narrativa dando um sentido estratégico a seu governo. Como está esse debate?

Arno Augustin – O governo do presidente Lula e o governo da presidenta Dilma têm o mesmo sentido estratégico. Evidentemente, as condições e as tarefas são diferentes. Muita coisa foi feita nos governos Lula, e o desafio hoje de caráter estrutural exige uma formulação de longo prazo.

Num primeiro mandato se tratava de recuperar e realizar um conjunto de tarefas iniciais de curto prazo. No seguinte, a primeira tentativa de planejamento mais forte foi o PAC. E agora, há um conjunto de medidas de longo prazo. É hora de mudar algumas condições estratégicas que impediam o crescimento de médio e longo prazo.

O Brasil já foi um país com taxas de crescimento muito elevadas e capaz de fazer sua infraestrutura andar. É preciso retomar isso. A capacidade do Estado de ordenar isso é um fator-chave, e essa é a principal preocupação da presidenta. Ou seja, fazer com que a infraestrutura e os objetivos sociais do governo possam ser realizados nos prazos adequados e ser efetivos para o cidadão.

O Brasil sem Miséria, os programas de melhoria da distribuição de renda, a educação e o crescimento da infraestrutura têm papel importante. Assim como as mudanças de marcos regulatórios e de preços, como é o caso da taxa de juros. Isso é estratégico. Estamos pensando na construção do Brasil no prazo mais longo, e essa inflexão só pôde ocorrer porque o país retomou as condições de governabilidade, com níveis de reservas muito altos e dívida muito menor.

Guilherme Mello é pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura do Instituto de Economia da Unicamp

Jorge Mattoso é economista e consultor, com doutorado pela Unicamp e pós-doutorado pelo IRES, na França. Foi presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2006)

Joaquim Soriano é diretor da Fundação Perseu Abramo

Rose Spina é editora de Teoria e Debate

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