A vida é cheia de
coincidências. Recentemente, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso publicou
um de seus habituais artigos de discussão política. Foi daqueles nos quais
assume o papel de farol das oposições. Seu conteúdo era, como se esperaria,
fortemente crítico em relação ao governo.
Por coincidência, no
mesmo dia, os principais jornais estavam cheios de notícias negativas sobre a
situação nacional. Depois de lê-los, qualquer um ficaria com a impressão de que
o Brasil caminha em marcha acelerada para o buraco (se é que já não estaria
dentro dele).
Em outra coincidência,
ficou pronta, naquele domingo, uma nova pesquisa nacional da Vox Populi. Feita
em todo o País, sua amostra era suficiente para que os resultados sejam
representativos dos sentimentos da opinião pública brasileira.
O artigo de FHC e o tom
do noticiário eram tão semelhantes que um desavisado poderia suspeitar. Os
editores e o ex-presidente estariam combinados? Você diz isso e nós aquilo? Nós
mostramos os “fatos” e você os interpreta?
Conhecendo os
personagens, é pouco provável. Mas FHC e a mídia conservadora não precisam
combinar (no sentido de pactuar) exatamente porque combinam (no sentido de
possuir afinidades). Cada um à sua maneira, contam as mesmas histórias.
São tão parecidos que é
difícil saber, hoje, quem influencia quem. Tendo há muito abandonado o vigor
analítico de seus tempos de sociólogo, as ideias de FHC se parecem cada vez
mais àquelas dos editorialistas e comentaristas da direita da mídia. E esses,
por o admirarem com veneração, fazem o possível para imitar seu pensamento.
A cada dia, FHC fica
mais Globo e Veja (até porque não conseguiria viver sem eles) e elas mais FHC.
Todos imaginam um Brasil lastimável, onde tudo dá errado. São, no entanto, de
um otimismo imenso. Paradoxalmente, acreditam que estamos à beira do abismo,
mas acreditam em uma saída simples e rápida: derrotar o “lulopetismo” na
próxima eleição.
Em contraste flagrante,
não há qualquer coincidência entre o seu pensamento e o sentimento da vasta
maioria do País. A pesquisa da Vox, como as outras recentemente divulgadas, do
Ibope e do Datafolha, mostra quão pequena é a parcela da sociedade afinada com
a oposição, seja nos partidos, nas instituições, na indústria de comunicação ou
na opinião pública.
Os entrevistados se
dizem satisfeitos com o País e esperançosos em relação ao futuro. Entendem que
sua vida tem melhorado e vai melhorar ainda mais. Sabem que falta muito por
fazer, mas confiam no caminho trilhado.
Aprovam o governo. A
maioria considera “ótimo” ou “bom” o modo como Brasília lida com a economia,
enfrenta a crise econômica internacional, trata as questões do emprego e da
inflação, administra programas sociais, conduz a política habitacional, cuida
da imagem externa do País.
Gostam da presidenta:
mais de 80% dos entrevistados a definem como “ativa”, com “garra”, “decidida”,
“conhecedora do Brasil”, “boa administradora”. Mesmo em itens em que os
políticos tendem a se sair mal, ela obtém índices muito favoráveis. Mais de 70%
afirmam ser ela “sincera”, “próxima do povo” e “de palavra”.
É tamanha a diferença
entre as convicções oposicionistas e o sentimento popular que é como se
vivêssemos em dois países. Em um, tudo vai mal e a mudança política seria
imperiosa. No outro, as coisas seguem de maneira satisfatória e as perspectivas
são positivas. Neste, a continuidade política é lógica.
Está errada a maioria
dos brasileiros? Os únicos certos são os próceres oposicionistas, os
articulistas de meia dúzia de jornais e a minoria da sociedade? Somente eles
conheceriam a “verdade”? Todos os restantes seriam ignorantes e incapazes de
conhecer suas vidas, donde inabilitados para dizer-se satisfeitos de forma
racional?
Não é apenas
autoritária a tese de que só alguns poucos privilegiados conhecem o Brasil e possuem
a visão certa das coisas. É tola e inútil para a atuação política.
Pode ser agradável para
uma liderança escrever um artigo para jornal e ler na mesma edição uma manchete
a confirmar sua análise. Assim como pode ser prazeroso para um jornalista referendar,
por meio de seu trabalho, as ideias do ídolo.
Nada disso adianta
quando não coincide com o que o povo pensa e deseja. As oposições se acham
superiores, mas estão apenas a léguas dos cidadãos. E são eles, os cidadãos,
que elegem os governantes.
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