Se contra o STF só
pesassem dúvidas sobre o julgamento da Ação Penal 470 – vulgo julgamento do
mensalão –, não seria nada. Por embasadas que sejam, pertencem à política. Mas
neste texto, leitor, ser-lhe-ão apresentadas razões muito mais concretas para
desconfiar do Judiciário como um todo.
Os escândalos que
vicejam em uma Corte que julga escândalos dos mortais comuns podem escapar da
mídia e dos órgãos de controle da República, mas não escaparão dos livros de
história. E você que me lê, cedo ou tarde será atingido por seus efeitos.
Aliás, valerá você
refletir que, se na Cúpula do Judiciário os abusos dos ministros do STF são tão
descarados quanto lhe serão apresentados, o que devemos imaginar que ocorre nas
instâncias inferiores, nas quais a visibilidade é tão menor?
Só neste mês, o país
ficou sabendo de festas milionárias organizadas por grandes escritórios de
advocacia para ministros do STF que julgam as causas que tais escritórios
defendem, de reformas nababescas em imóveis do Estado que os mesmos ministros
usam e, pior do que tudo isso, ficou sabendo que esses superadvogados empregam
parentes próximos dos juízes aos quais, repito, submeterão suas causas.
Fica difícil escolher
por onde começar. Talvez pelo fato menos grave, mas não menos patético: a
reforma do apartamento funcional do virulento ministro Joaquim Barbosa, de quem
o moralismo sobre dinheiro público não inclui o uso que dá a este.
Ou gastar R$ 90 mil dos
cofres públicos para reformar um banheiro não é uma bofetada no povo
brasileiro? Imagine, leitor, se fosse um deputado, um senador, um prefeito, um
governador ou um presidente.
Ser mal-educado ou
viver como um nababo às custas dos nossos impostos, porém, torna-se um mal
menor quando vêm à tona as relações de ministros do STF com escritórios
multimilionários de advocacia como o do advogado Sergio Bermudes.
E pior ainda é o fato
de que as relações de juízes com o advogado milionário ganham um jornal – a
Folha de São Paulo, que denunciou festa de aniversário para centenas de pessoas
que Bermudes daria para Luiz Fux e que acabou não dando por conta da denúncia
–, mas esse mesmo veículo poupou outro juiz que recebe muito mais favores,
Gilmar Mendes, quem, por ser amigo do dono do tal jornal, foi poupado.
A Folha denunciou a
festa de Bermudes para Fux? Sim, mas omitiu as relações de Gilmar com o mesmo
Bermudes e que o mesmo Gilmar e o mesmo Fux têm parentes próximos trabalhando
para o advogado milionário – no caso, a filha de Fux e a esposa de Gilmar.
Engraçado que os dois,
Fux e Gilmar, consideraram que um empréstimo concedido pelo Banco Rural à
ex-mulher de José Dirceu seria prova do envolvimento deste com o escândalo do
mensalão.
Claro que Bermudes não
está envolvido em nenhum escândalo como o Banco Rural, mas o Código de Processo
Civil, em seu artigo 135, é muito claro: “Reputa-se fundada a suspeição de
parcialidade do juiz, quando for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer
das partes”.
Mas a lei, ora, a lei…
No Brasil ela não vale para todos da mesma forma. Inclusive não vale da mesma
forma nem para os supremos juízes. A que vale para Fux, por exemplo, não vale
para Gilmar.
Fux, intimidado pelo
noticiário do jornal amigo de Gilmar, pediu a Bermudes para cancelar a festa –
mas não para demitir a filha ou para que fossem anuladas todas as causas do
amigo milionário que julgou. Mas Gilmar, esse nem deu satisfações a ninguém.
E olhem que chegou a
sair uma notinha de 3 ou 4 linhas no Estadão dando conta de que a mulher de
Gilmar trabalha para Bermudes. Mas, claro, não saiu nem um terço dessa missa.
Em 2011, um advogado lá
de Brasília chegou a pedir ao Senado o impeachment de Gilmar por suas relações
com Bermudes – para ler o pedido completo, clique aqui. Quem adivinhar o que
fez o Senado com a bem fundamentada peça, ganha um nariz de palhaço.
A petição do advogado
Alberto de Oliveira Piovesan é um primor, segundo jurisconsultos a que este
blogueiro recorreu. No mínimo, o Senado deveria ter aberto uma investigação,
mas, mesmo diante dos fatos espantosos que a peça revela sobre a relação de
Gilmar com Bermudes, arquivou-a sem dó nem piedade.
A peça relata, por
exemplo, que em 2009, quando Gilmar era presidente do STF, foi à festa de
Bermudes no Hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, e ficou à porta com o
anfitrião do convescote recebendo convidados e que, dentre estes, pululavam
grandes empresários.
Não vamos falar nem de
mimos milionários como festas para centenas de pessoas ou empregos bem
remunerados para filhas e esposas dos que irão julgar as causas de um advogado
milionário. Nem de um ministro do Supremo se aproximar desse jeito de pessoas
que têm tanto interesse no seu trabalho. Falemos de ficar em situação tão
íntima como a descrita no pedido de impeachment citado no parágrafo anterior…
Você, leitor, pode
gostar das decisões políticas que o STF tomou em relação a políticos do PT,
mas, diante de todo esse escândalo na Cúpula do Poder Judiciário, consegue
confiar de alguma maneira na Justiça deste país? Antes de responder, lembre-se
de que, se ainda não precisou dela, um dia irá precisar.
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