Estudos estabelecem
relação direta entre a desigualdade social e a incidência de doenças mentais
nos desassistidos. - por Gabriel Bonis
Estudos estabelecem
relação direta entre a desigualdade social e a incidência de doenças mentais
nos desassistidos
Na Londres do século
XIX, Charlie Chaplin viveu uma infância atormentada pela pobreza e a
instabilidade familiar. O ícone do cinema mudo perdeu o pai para o alcoolismo e
acompanhou o declínio mental da mãe em meio à miséria. Embora evidências
recentes sugiram que a “loucura” de Hannah Chaplin tenha sido causada pela
sífilis, o comediante registrou em sua autobiografia que os problemas mentais
da matriarca, surgiram porque ela passava fome para que os filhos pudessem
comer.
Ainda que cientificamente
incerto, o caso é um exemplo longínquo da relação entre pobreza e transtornos
mentais, estudada ao menos a partir dos anos 1930. Desde então, surgiram
pesquisas mais contemporâneas, entre elas uma análise que transplanta essa
correlação ao Brasil. Feita em 2013 com dados do Censo do IBGE de 2010, um
levantamento da ONG Meu Sonho Não Tem Fim indica que das mais de 2,4 milhões de
pessoas com problemas mentais permanentes acima de 10 anos no Brasil, 82,32%
são pobres.
Dentro desta proporção,
36,11% não possuíam rendimentos mensais e 46,21% viviam com até um salário
mínimo. Outras 15,49% estavam na faixa entre um e cinco salários e apenas 2,19%
recebiam acima desse patamar. “É preciso considerar que esses problemas também
são causados por aspectos como a genética, mas a falta de uma alimentação
mínima pode contribuir para o aparecimento de doenças que afetam o desempenho
mental”, afirma Alex Cardoso de Melo, responsável pela pesquisa e idealizador
da ONG, focada em trabalhos educativos com populações carentes.
A ideia de traçar a relação entre pobreza e problemas
mentais no Brasil, diz Melo, surgiu após a divulgação de um estudo de 2005 de
Christopher G. Hudson, Ph.D em politicas de saúde mental. O trabalho analisou
dados de 34 mil pacientes com duas ou mais hospitalizações psiquiátricas em
Massachusetts, nos Estados Unidos, entre 1994 e 2000. E concluiu que condições
econômicas estressantes, como desemprego e impossibilidade pagar o aluguel,
levam a doenças mentais. E mais: a prevalência destas enfermidades nas
comunidades ricas analisadas foi de 4%, contra 12% nas mais pobres.
Os estudos sobre o tema
percorrem as décadas e suas conclusões são similares nestes períodos, descobriu
o doutor em Psicologia Fernando Pérez del Río, do projeto Homem de Burgos, na
Espanha. No estudo Margens da Psiquiatria: Desigualdade Econômica e Doenças
Mentais, ele analisou mais de 20 levantamentos sobre o tema e reuniu as
principais conclusões.
Entre elas, está a de
que em países desenvolvidos como EUA e Reino Unido existem mais doentes
mentais, proporcionalmente, que na Nigéria, Dinamarca, Noruega e Suécia. E que
estudos estabelecem uma relação entre o grau interno desigualdade econômica de
um país como condicionante direta da saúde mental de seus cidadãos.
Exemplo disso é o estudo The Distribution of the
Common Mental Disorders: Social Inequalities in Europe, de 2004. O
documento, citado por Del Río, indica que dos 20% da população europeia de
baixa renda, 51% possuem algum transtorno mental grave. São pessoas que,
devido a suas dificuldades de adaptação social, acabam condenadas a trabalhar
em condições precárias e com salários insuficientes, levando a má nutrição e à
manutenção do circulo de pobreza e exclusão.
A integração social, por outro lado, é determinante para
o acesso dos cidadãos aos seus direitos e a suas expectativas de futuro. “Ser
pobre em uma sociedade rica pode ser ainda mais danoso à saúde que o ser em uma
área de extrema miséria”, conta Del Rio, a CartaCapital. “É obviamente muito
difícil trabalhar a frustração em uma sociedade rica, onde as expectativas são
mais altas e se deprecia o fracasso.” Algo que pode ser retratado por um estudo
da Organização Mundial da Saúde de 2004, no qual foi identificada a prevalência
de 4,3% de transtornos mentais na conturbada Xangai, na China, contra 26,4% nos
EUA.
Del Río destaca, em seu
estudo, que os problemas de saúde de uma população também estão ligados a forma
como a desigualdade de poder econômico e social condiciona as políticas
públicas. “As doenças mentais são uma construção social. A desigualdade torna
as sociedades mais classistas, o que significa que as origens familiares
interferem mais nas posições sociais, o que implica na transmissão
intergeracional da pobreza”, diz a CartaCapital.
Sob esse ângulo,
revelam os estudos, países com menos diferenças econômicas entre seus
habitantes possuem os cidadãos mais sãos. Enquanto nações com políticas
neoliberais mais agressivas e individualistas estariam mais sujeitas a
problemas mentais por retratar as pessoas necessitadas como “parasitas
sociais”. Um cenário que reforçaria ansiedades e os níveis de estresse,
favorecendo o aumento destas doenças.
No artigo The Culture
of Capitalism, Jonathan Rutherford, docente de Estudos Culturais da
Universidade de Middlesex, na Inglaterra, acrescenta que uma sociedade desigual
é mais violenta, pois não dá o apoio correto aos seus cidadãos. O que evidencia
uma vulnerabilidade capaz de gerar ansiedades. E isso pode piorar com a crise
mundial e os cortes de benefícios sociais na Europa, defende Del Río. “Hoje a
situação é pior, pois está se produzindo um corte das ajudas, que levam as
pessoas a situações limites.”
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