Acovardadas, nossas
esquerdas permitem que a direita estabeleça a pauta nacional: ‘mensalão’,
redução da menoridade penal, violência, fracasso da política...
por Roberto Amaral
O deputado Sérgio
Guerra (PSDB- PE) e o senador Aécio Neves (PSDB-MG) participam do seminário
"Recuperar a Petrobrás é o nosso desafio”
“...e quando finalmente a esquerda chegou ao governo tinha perdido a
batalha das ideias”. Perry Anderson
A frase de Perry
Anderson (editor da New Left Review),
tomei-a de um texto de Emir Sader (‘Neoliberalismo x posneoliberalisno
na America Latina’), referia-se à França – à pobre França do Partido Socialista
de François Hollande— mas poderia referir-se à Espanha (a pobre Espanha do
Partido Socialista Operário Espanhol), ou à Itália na qual a preeminência
política do Partido Comunista Italiano,
o PCI de Gramsci e Togliatti – ‘o maior partido do Ocidente’ – foi substituída
pela era Berlusconi, o grotesco. Mas, e
é o que nos interessa, a observação se aplica igualmente ao Brasil de hoje,
após a queda da ditadura (1984) e a derrota eleitoral do neoliberalismo
conservador (2002/2006/2010), derrota a qual, todavia, não se propagou para o campo da política.
Ao contrário, e apesar
do agravante constituído pela tragédia europeia, é a visão neoliberal,
reiteradamente desmentida pela realidade, que domina o debate, o noticiário e
até mesmo ações de governo.
Em pleno 2013, a tese
do candidato das oposições é retomar as privatizações de FHC. Qual é, agora, o
objeto da sanha, se pouco nos sobrou: a Petrobras? O Banco do Brasil? A Caixa
Econômica?
Nosso atraso ideológico
vai beber água nas circunstâncias em que se deu a redemocratização.
Refiro-me ao fato de a
ditadura haver conseguido transformar a ruptura necessária em transação
negociada, assumindo o papel de sujeito do processo, e assim contendo em suas
rédeas a transição ‘lenta e gradual’, nos termos da equação do general Geisel,
que compreendeu uma reforma política reacionária, que sobreviveu à própria
Constituinte em dois aspectos essenciais: a ampliação das bancadas que
representam os estados menos populosos, distorcendo mais ainda o princípio
democrático que estabelece que a cada cidadão deve corresponder um voto, e a
obrigatoriedade de remunerar os vereadores, transformando-os nos indivíduos
mais bem remunerados na maior parte dos municípios do País.
Aquela reforma teve
como fruto perene a entronização do ‘baixo clero’ como principal bancada da
Câmara dos Deputados, permeando todas as legendas nela representadas. Até aqui.
A sociedade resistiu
durante 20 anos à ditadura, o movimento das ‘diretas-já’ --verdadeiro não
plebiscitário à ditadura-- terminou por implodir o Colégio eleitoral e derrotar
o candidato do regime, mas os termos da ‘transição’ foram concertados entre
generais e políticos autoimitidos no mandato de delegados da sociedade
brasileira. O povo, em nome do qual tudo
foi feito, teve de contentar-se com o papel que lhe reserva sempre uma História
comandada pelos interesses da classe dominante: a plateia.
Por tramas do processo histórico, a esquerda não teve
condições de conduzir o debate, e esse, paulatinamente, é dominado pelo
pensamento neoliberal, ao qual aderem, primeiro, setores liberais que vinham da
luta contra a ditadura, em seguida setores atrasados da própria esquerda, uns
interessados em ocupar espaços na nova nomenclatura, outros, assustados com os
ventos que sopravam do Leste, a partir da Queda do Muro de Berlim.
O Ocidente acenava com
as vitórias de Thatcher, Reagan e, a seguir, Tony Blair. A desmontagem dos
Partidos Comunistas em quase todo o mundo, e no Brasil a implosão do Partido
Comunista Brasileiro (o ‘Partidão’) a que se seguiu a contrafação do PPS, foram
um elemento a mais no arrefecimento da reflexão marxista.
Estavam criadas as
condições propícias à ditadura do pensamento único. O imperialismo, dominante
na política, dominante a cultura, na língua internacional, na linguagem
tecnológica, na literatura, no cinema, na televisão, na globalização do
american way of life, dominante do pensar, domina principalmente onde não
precisa da força de suas tropas. Dominava e domina no plano ideológico,
dominando corações e mentes.
Entre nós, de um lado a crise do movimento sindical e a
astenia da Academia; de outro, o monopólio da informação e da opinião,
professada por uma imprensa monopolizada ideologicamente. Todos os jornais, reproduzindo as mesmas
opiniões, se julgam ‘algo mais que um jornal’. O reacionarismo, o antinacional
e o antipopular, o primitivo, o antidesenvolvimentismo, a superveniência do que
vem de fora, a alienação, a superstição, o atraso, o não-Brasil são a
característica ideológica de uma imprensa militante, hoje o principal partido
político brasileiro.
Falo da televisão, do
rádio e da imprensa escrita.
Falo de sua
programação, de seu conteúdo, não apenas da desinformação dos noticiosos.
Não avanço o sinal
mesmo quando afirmo que a grande imprensa brasileira é racista e de direita, à
direita mesmo do empresariado nacional.
As palavras são do mais
conspícuo representante do pensamento autoritário conservador brasileiro, o
ministro Joaquim Barbosa, em recente conferencia na Costa Rica. Some-se a tudo
isso a aliança entre a falsa fé religiosa (explorada mercantilmente no nível do
charlatanismo) e a política partidária, uma se servindo da outra e ambas, a fé
politizada e a política explorando a fé, alienando a população que subjuga
ideologicamente para melhor explorar, construindo impérios econômicos e
midiáticos e partidos políticos que vão disputar as entranhas do poder.
E as esquerdas, e os governos progressistas, como o
avestruz da fábula que enterra a cabeça para não ver o perigo, fazem de conta
de que nada veem, a se dizerem, empolgados por algumas vitórias eleitorais, que
essa imprensa ‘não faz mais opinião’.
Não quero suprimi-la,
nem mesmo diminuir sua força. Reclamo, apenas, o contraditório.
Mas essa imprensa é a única opinião a trafegar e é por
seu intermédio que até os militantes dos partidos de esquerda se informam e
muitos se formam. E eis como muitos
setores da esquerda brasileira passam a incorporar valores da direita e a
reproduzi-los, pensando em posar de ‘moderna’. Em nome da governabilidade,
nossos governos são obrigados a compor com a direita, pois só caminhando à
direita é que a esquerda soma votos.
E, por essas artes, entramos
todos a falar em choque de gestão, em lucratividade (sim, até a previdência
social deve dar lucro!), em ‘métodos científicos’ de administração, em
eficiência do setor privado, em despolitização da administração pública, em
gigantismo do Estado, em excesso fiscal, em baixar a maioridade legal para 16
anos, em mais jovens negros e pobres na cadeia a título de política de
segurança.
Quem dorme com morcego
acorda de cabeça para baixo, diz o povo.
Os partidos de esquerda
fogem do debate ideológico, ensarilham suas teses, saem de campo, tudo em nome
da conciliação.
Os Programas e
Manifestos são reservados para as dissertações de mestrado. Nada de confronto,
nada de enfrentamento, como se a paralisia pudesse ser instrumento de avanço, e
assim terminam reforçando o statu quo. Qual seu papel pedagógico e doutrinário
no Congresso, nas Assembleias e nos governos?
Silentes, acovardadas
nossas esquerdas permitem que a direita, sucessivamente derrotada nas urnas,
estabeleça a pauta nacional, e nela nos enredamos: ‘mensalão’, redução da
menoridade penal, violência, fracasso da política, fracasso dos políticos... o
eufemismo de ‘fracasso da democracia’.
No governo e fora dele, os partidos socialistas não falam
mais em socialismo, governo e partidos de esquerda passam a operar a
‘conciliação de classes’ com a qual acenam para a grande imprensa e o sistema
financeiro. Nos sindicatos, a ‘política de resultados’ substitui a luta
política ideológica. O somatório de tudo isso – e assim se descortina o cenário
da emergência do pensamento de direita – é uma Justiça reacionária e um Supremo
afoito, tentando judicializar a política, e, ao arrepio da Constituição,
assumindo funções legislativas, ademais de condicionar a vida interna de um
Congresso acuado.
O próprio presidente do
STF, de novo o inefável ministro Barbosa, aliás de forma coerente, agride a
vida congressual e os partidos, sem os quais não haverá democracia alguma em
nosso país. E sabe disso. E por saber é que fala essas coisas. Cumpre, assim, a
tarefa que lhe cabe nesse festival de agressões ao processo democrático: embala
os sonhos de uma classe média reacionária em busca de um novo redentor.
O debate das eleições
de 2010, lamentavelmente ditado pela direita, concentrou-se, num primarismo
digno da TFP, num sim e num não ao aborto. Qual a nossa proposta de debate para
2014?
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