Por Luciano Martins
Costa - Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 27/5/2013
A Folha de S.Paulo e o
Globo trazem em suas edições de segunda-feira (27/5) duas reportagens que
rompem, de certa maneira, o longo silêncio da imprensa sobre as mudanças que
vêm ocorrendo no perfil demográfico e de renda da sociedade brasileira por
conta dos programas sociais.
O jornal paulista
apresenta um olhar crítico, observando que a renda dos mais pobres subiu no
atual governo, mas essa população ainda sofre em condições de vida
inaceitáveis. O jornal carioca faz uma abordagem mais otimista, analisando a
melhoria das oportunidades de emprego e renda dos negros no Brasil.
A Folha usa o Índice de
Desenvolvimento da Família, criado pelo próprio governo para detalhar o
acompanhamento de resultados dos programas de distribuição de renda, para
mostrar que o programa Brasil sem Miséria não resolve completamente o desafio
da pobreza extrema. O interesse manifesto pelo jornal é mostrar que “o governo
Dilma Rousseff melhorou a renda dos pobres, mas não solucionou seus níveis
miseráveis de acesso a emprego e educação”.
O diário paulista
cumpre seu papel ao cobrar uma solução completa para o problema social, mas
erra ao confundir um programa emergencial de combate à miséria com a questão
mais ampla da redução de diferenças sociais.
Embora a pauta devesse
levar em conta que o aumento da renda é apenas o ponto inicial de alavancagem
da mobilidade social, que se completa com outras medidas, como aconteceu nos
primeiros anos do Bolsa Família, é interessante observar como essa questão
começa a frequentar as preocupações da imprensa sobre as condições de vida dos
brasileiros mais pobres.
Na história do
jornalismo brasileiro, o ponto alto das reportagens de cunho social já tem mais
de 50 anos e aconteceu em 1960, quando o repórter Audálio Dantas descobriu os
diários da catadora de papéis Carolina Maria de Jesus. Curiosamente, aquela
reportagem de Dantas também foi publicada originalmente na Folha de S.Paulo,
mas não tratava de índices oficiais de pobreza: o repórter simplesmente deu voz
à mulher favelada e depois transformou seu caderno de anotações em livro de
sucesso internacional, traduzido para mais de dez idiomas.
Desde então, o desafio
da miséria frequentou a imprensa nas duas décadas seguintes, principalmente por
conta dos movimentos populares apoiados pela igreja católica, mas o tema
simplesmente desapareceu das páginas dos jornais no início deste século,
substituído pela pauta da violência.
Dívida
social
Os indicadores
surpreendentes da ascensão de uma nova classe de renda média, que praticamente
sustenta a economia brasileira, demoraram a ser assumidos pela imprensa. Já faz
dez anos que se iniciou esse processo, marcado pela consolidação de programas
sociais de transferência condicional de renda, e há muitos indicadores a serem
analisados.
O Globo aborda, na
segunda-feira (27), uma década de queda na desigualdade étnica, mostrando como
cresce a taxa de emprego e renda dos negros, e de como esse grupo étnico passa
a ter uma presença maior entre os empregadores.
Uma das fontes da
reportagem é um estudo do economista Marcelo Paixão sobre empreendedores
negros. Embora persistam importantes desigualdades étnicas e de gênero, ele
constatou que a proporção de negros entre os empregadores aumentou de 22,84% em
2003 para 30,19%, em 2013. Entre as mulheres negras, que historicamente
encontram maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho, o desemprego
caiu de 18,2% para 7,7%, no mesmo período. Essa nova circunstância é
acompanhada pelo aumento da escolaridade entre negros e pardos, o que
acrescenta aos índices de renda o fator positivo da autoestima.
O novo perfil da
população negra acompanha o fenômeno da mobilidade social e revela alguns
pontos interessantes do processo gradativo de redução das desigualdades. Os
brasileiros que se declaram negros ou pardos somam 100,5 milhões de pessoas, ou
51% da população total do Brasil. Desse total, 50% está na classe média de
renda, 39% ainda são considerados pobres e apenas 11% alcançaram a classe de
renda alta.
Levando-se em conta
que, entre os não negros, 52% são de classe média, 29% estão na classe de renda
alta e apenas 19% são considerados pobres, pode-se constatar com facilidade que
as diferenças sociais ainda têm um forte componente étnico.
Embora as duas
reportagens ainda contenham poucos elementos para um retrato completo das
mudanças que têm ocorrido no Brasil, é importante que a imprensa registre
alguns aspectos desse processo, ainda que a intenção implícita, como no caso da
Folha, seja de fazer restrições aos programas sociais.
Para o leitor atento, o
importante é constatar que os programas de transferência de renda funcionam e
que as políticas de cotas são uma forma eficiente de ajustar parte da dívida social
que o Brasil tem consigo mesmo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário