Os fundamentos do
golpismo da mídia brasileira
Por Osvaldo Bertolino*,
no site da Fundação Maurício Grabois, em 02.11.2011
O vendaval
anticomunista que varre o país nestes dias trouxe à tona novamente um velho
dilema brasileiro.
A multiplicidade que
caracteriza a nação implica em conviver com elementos que são verdadeiros
entraves ao progresso, ao mesmo tempo em que estimulam a procura de caminhos
flexíveis para o desenvolvimento com justiça social. A ampliação da democracia
nas administrações do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva mostrou com mais
nitidez a existência de vários “países”, superpostos ou enfileirados, que
trazem consigo as mais variadas formas de consciência e comportamento políticos.
Essa característica
brasileira parece não existir para aqueles setores que se dedicam a criar e
vender falsas imagens de ordem, progresso e moralidade. A pregação monolítica
desses extratos sociais pretende, à força da repetição, condicionar atitudes,
formar hábitos e conter os anseios populares em limites por eles estabelecidos.
Uma complexa engrenagem publicitária se encarrega de fazer campanhas dessa
natureza, mostrando um país com ares de gente rica, que compra mais carros e
mais eletrodomésticos, que viaja mais, que festeja mais, graças a suas
doutrinas e aos seus mandamentos.
Comunistas
e os filo-comunistas
Os métodos desses
arautos da mentira, que vivem de jogadas financeiras e de notórias negociatas,
nada ficam a dever ao nazi-fascismo. Tenho sempre presente na memória esse fato
porque as fórmulas da direita invariavelmente recorrem a tais práticas.
Para documentar-me,
procuro estudar o que foi aquela experiência, tão bem retratada em obras como
Diário — últimas anotações, 1945, de Joseph Goebbels, o ministro da propaganda
de Adolf Hitler;Ascensão e queda do Terceiro Reich, de William Shirer; e Por
Dentro do Terceiro Reich, de Albert Speer. Nelas é fácil verificar, em inúmeras
passagens, como se produzem ondas de mentiras ou de meias-verdades.
Hitler e Goebbels puseram a culpa dos seus atos de
loucura nos “judeus internacionais” e nos “comunistas”. Os porta-vozes do
conservadorismo brasileiro repetem monotonamente que os comunistas e os
filo-comunistas são os culpados por não termos um país sustentado em bases
morais ditadas por eles. Trata-se, sabemos muito bem, de espetacular
hipocrisia. O que eles não toleram mesmo é a luta por uma vida melhor, mais
justa e mais digna para o povo. Isso fica evidente nos ataques à vida política
brasileira.
Não se conhece outra
forma para fazer o país avançar sem a ampliação da democracia, com partidos
organizados e representativos, com vida regular das instituições e com amplo
direito à informação.
O sistema partidário
brasileiro, desde a política regional das oligarquias, tem sido caracterizado
por organizações político-eleitorais de representação, predominantemente, das
classes dominantes. Em poucos interregnos sobressaíram, como forças dominantes,
partidos de raízes populares. As arenas decisórias sempre ofereceram
alternativas que não ameaçavam o satus quo.
Nas poucas ocasiões em
que as forças progressistas se apresentaram com condições reais de assumir as
rédeas do processo histórico brasileiro, essas representações dominantes
reagiram com violência. Foi assim em 1937, com o golpe do Estado Novo após a
insurreição de 1935; foi assim na década de 1940 com a densidade eleitoral do
Partido Comunista do Brasil (então PCB); foi assim com a efervescência das
massas no início da década de 1960; está sendo assim agora.
Atitude
de Juscelino Kubitschek
Em poucos meses de
governo da presidenta Dilma Rousseff a direita já acumulou um farto material
que será usado nas campanhas eleitorais de 2012, cujos resultados serão
decisivos para a sucessão presidencial de 2014. Essa condensação tem como fio
condutor, que perpassa e une essas etapas golpistas, o que a etimologia define
como mass media, “meios (de comunicação) de massas”, instrumento mediador,
elemento intermédio. Ou por outra: aquilo que medeia uma ideologia. No Brasil,
essa ideologia, que já foi chamada de “pensamento único”, expressa o propósito
político e os usos e costumes dos conservadores — a elite brasileira.
Conferir credibilidade
ao seu projeto equivale a fundar, hoje, um partido a favor do colonialismo. A
ideologia conservadora guerreia com o Brasil em transformação pelo menos desde
o início da década de 1940 do século XX, quando as forças populares começaram a
deixar de ser marginais para tornarem-se capazes de influir no grande jogo
político do país. Um exemplo disso foi a atitude de Juscelino Kubitschek que,
por conta do sentimento patriótico entre o povo desenvolvido pelos setores
progressistas da sociedade, em sua campanha eleitoral para a Presidência da
República foi forçado a reformular a sua proposta de governo sobre o petróleo,
conforme ele mesmo disse.
Por não expressar os
anseios do povo, as organizações partidárias da ideologia conservadora sempre
foram efêmeras, no mais das vezes formadas para disputar eleições. O que tem
dado sustentação ao seu programa de governo, desde tempos remotos, é exatamente
a mídia. Em torno dela se organizam movimentos que, por não ter nada a oferecer
ao povo em termos de futuro, apelam para a hipocrisia, para as campanhas
difamatórias, para os falsos moralismos. Numa palavra: para o golpismo. Nessa
trajetória golpista, há uma data determinada para se ter uma referência da
mídia que existe hoje no Brasil — 1º de abril de 1964, quando os conservadores
consolidaram o golpe que tentavam há muito tempo.
Jornalismo
americano
Os golpistas promoveram
substanciais reformas legislativas com a outorga dos Atos Institucionais (AIs)
que submeteram a mídia ao completo domínio da ideologia conservadora. O AI-2,
de 27 de outubro de 1965, dizia que não seria “tolerada propaganda de guerra,
de subversão da ordem ou de preconceitos de raça e de classes”. Para o regime,
“subversão”, conceito não definido na legislação, era tudo aquilo que as forças
progressistas defendiam. A Constituição de 1967 consolidou todos os atos
discricionários anteriormente preparados. O AI-5, de 13 de dezembro de 1968,
reforçou ainda mais o controle do regime sobre a liberdade de expressão.
A mídia tratou de se adequar rapidamente ao novo sistema.
Nelson Werneck Sodré, em sua obra História da imprensa no Brasil, publicada em
1966, insinua — possivelmente para fugir da censura e da repressão — que o
jornalismo conservador se integrou facilmente às novas regras. “O
desenvolvimento da imprensa no Brasil foi condicionado, como não podia deixar
de ser, ao desenvolvimento do país. Há, entretanto, algo de universal, que pode
aparecer mesmo em áreas diferentes daquelas em que surgem por força de
condições originais: técnicas de imprensa, por exemplo, no que diz respeito à
forma de divulgar, ligadas à apresentação da notícia”, escreveu.
Segundo ele, o
jornalismo americano criou o lead, cujos princípios se fundaram na regra dos
cinco W e um H; qualquer foca americano sabe que a notícia deve conter,
obrigatoriamente, os seguintes elementos: Who, que; When, quando; Where, onde;
Why, por quê; e How, como.
“Qualquer jornalista sabe, por outro lado,
estabelecer a distinção entre o que é a notícia e o que não interessa, dentro
daquela malícia de Charles Dana que, para ensinar a alguém essa diferença
elementar, contou: ‘Se um homem vai andando pela rua e um cão o morde, isso não
é notícia, a não ser que esse homem tenha projeção política, social,
financeira, notoriedade por qualquer motivo; mas se um homem morde um cão, isso
é notícia’”, afirmou.
Orientação
empresarial
Sempre se referindo ao
jornalismo americano, Nelson Werneck Sodré escreveu que o “foca” (jornalista
principiante), utilizando aplicadamente a técnica do lead, “transforma qualquer
sinal de um problema social constante em fatos isolados que se repetem
diariamente e cujas raízes reais ficam apagadas sob os detalhes específicos de
cada história”. É o que se vê na mídia, um veículo repetindo o outro, todos
divulgando as mesmas coisas, com a mesma conotação. A criminalidade, os efeitos
da pobreza, a corrupção, os problemas ambientais e o que mais for de relevância
para a sociedade se perdem entre doses diárias maciças de propaganda ideológica
conservadora.
A informação
fragmentada, sem mostrar a relação de um acontecimento e sua causa, na verdade
é uma técnica de encobrir os interesses e as relações econômicas dos grupos
monopolistas que controlam a mídia na estrutura da sociedade de classes.
O golpe de 1964 moldou
essa configuração de maneira mais sólida, mas ela vinha sendo ensaiada desde
quando o movimento nacionalista no Brasil começou a ganhar projeção com o
objetivo de combatê-lo. Em 1948, chegou ao país a Seleções do Reader’s Digest,
uma publicação de matérias selecionadas em diversos veículos mundiais. Em 1950,
foi a vez do grupo Vision Inc criar a revista Visão e várias publicações
corporativas.
No golpe, segundo René Armand Dreifuss no livro A
conquista do Estado — ação política, poder e golpe de classe, os clãs
midiáticos eram o centro do que ele definiu como ”elite orgânica”, de
“orientação empresarial”, que atuou intensamente na desestabilização do regime
democrático pré-1964 para pôr no lugar a ”ordem empresarial” após o ”golpe de
classe”. O exemplo mais evidente é o da TV Globo, conforme relatório da
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada na época para apurar o papel do
grupo Time-Life no surgimento da rede de televisão.
Intermediação
de Victor Civita
O caso foi resumido
pelo jornalista Genival Rabelo, em artigo publicado na Tribuna da Imprensa, em
1966, com o título “O exemplo americano de ‘liberdade’ de imprensa”, onde se
lê:
“As investigações sobre a invasão ianque na
imprensa brasileira, ou melhor, sobre o complexo processo de alienação da
consciência brasileira, no sentido de nos levar a admitir que a ‘solução está
nos Estados Unidos’, chegarão, forçosamente, às seguintes conclusões:
1 - A Constituição foi
brutalmente burlada desde que Seleções obteve permissão para ser impressa em
português no Brasil, acelerando, desde então, o processo de manipulação da
opinião pública com objetivos políticos-ideológicos.
2 – Depois de dominar
praticamente o setor de revistas, os americanos voltam suas vistas para os
jornais, estações de rádio e televisão.
3 – A TV Globo,
inequivocamente, foi financiada pelo grupo Time-Life.
4 – A discriminação
publicitária, exercida por agências americanas (J. W. Thompson,
McCann-Erickson, Grant Adversiting, International Adversit-ing Service, Multi
Propaganda etc.), compromete a grande imprensa brasileira, quase toda ela
constituída de jornais que baseiam suas receitas em mais de 80% de
publicidade.”
A trama para a criação da TV Globo foi intermediada por
Victor Civita, da Editora Abril. Ele quase foi convencido a criar a TV
pretendida pelo grupo Time-Life, mas o temor de ser flagrado em delito por ser
estrangeiro e possuir um grupo de comunicação — um impedimento legal, e por
isso ele vivia no anonimato — o fez transferir o negócio para o amigo Roberto
Marinho. Pelo acordo, a Globo comprou equipamentos a uma taxa de dólar um terço
mais baixa do que o valor de mercado em vigor. O grupo Time-Life daria
assessoria técnica à emissora.
Escândalo
instaurado
De acordo com o
contrato principal, o grupo norte-americano obteria parte dos lucros líquidos
da Globo — ou seja, um ato ilegal, já que não podia haver participação
estrangeira nos lucros de empresas brasileiras de comunicação. No contrato de
assistência técnica constava a “obrigação” de o grupo Time-Life “colaborar” na
elaboração do conteúdo da programação e noticiários — mais uma prática
proibida.
Era uma violação do
código brasileiro de telecomunicações da época. O acordo sequer foi apreciado
pelo Conselho Nacional de Telecomunicações (Contel). Apenas dois anos após a
assinatura dos contratos a Globo enviou um deles — o de assistência técnica —
para a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc) — hoje com o nome de
Banco Central (BC). Mesmo assim, os documentos não puderam ser lidos porque
continham muitas rasuras. O contrato sem rasuras só seria entregue, por ordem
do Contel, em julho de 1965.
Novamente para burlar
as leis, a Globo, com o escândalo instaurado, trocou o contrato principal por
um de arrendamento de um terreno onde se localizava a sede da televisão. Pelo
contrato, a Globo seria locatária de um prédio vendido ao grupo Time Life. O
problema é que o documento foi feito antes da venda do local aos
norte-americanos. A Globo alugou um prédio que era seu. Em troca do uso, a
televisão se comprometeu a pagar 45% do lucro líquido da empresa pelo aluguel.
Somado aos 5% do lucro liquido, destinado à assessoria técnica, o grupo norte-americano
detinha 50% da Globo.
Condenação
por unanimidade
Para impedir qualquer
tipo de fiscalização, alguns documentos da transação desapareceram. Depois de
muita insistência do Contel, a Câmara dos Deputados, contrariando os golpistas,
decidiu instaurar a CPI para investigar o caso. O assunto ganhou dimensão de
escândalo público.
Em 22 de agosto de
1966, a CPI divulgou a condenação, por unanimidade, da Globo. ”Os contratos
firmados entre a TV Globo e o grupo Time-Life ferem o Artigo 160 da
Constituição, porque uma empresa estrangeira não pode participar da orientação
intelectual e administrativa de sociedade concessionária de canal de televisão;
por isso, sugere-se ao Poder Executivo aplicar à empresa faltosa a punição
legal pela infrigência daquele dispositivo constitucional”, dizia o parecer do
relator, deputado Djalma Marinho, que pertencia à Arena, o partido que
sustentava a ditadura.
O primeiro presidente
do ciclo golpista, Humberto Castelo Branco, pedira que o caso fosse
investigado. Mas seu sucessor, Artur da Costa e Silva, decidiu não acatar a
decisão da CPI e apoiar oficialmente a Globo. Em 1969, o grupo Time-Life
desistiu dos contratos. A emissora de televisão da família Marinho, no entanto,
já era um poderoso meio de comunicação — posição conquistada por meio de linhas
de créditos abertas pela então estatal Empresa Brasileira de Telecomunicações
(Embratel). “Sinto-me feliz todas as noites quando assisto ao noticiário,
porque na Globo o mundo está um caos, mas o Brasil está em paz”, disse o terceiro
general no poder, Emílio Garrastazu Médici.
Devidamente
recompensados
Outras negociatas
favoreceram os grupos que hoje dominam a mídia — como O Estado de S. Paulo, a
Folha de S. Paulo, a Editora Abril, que também deram amplo respaldo ao regime
de 1964 e foram devidamente recompensados pelos golpistas.
O rompimento de Júlio
de Mesquita Filho, do grupo O Estado de S. Paulo, com a ditadura, por exemplo,
começou quando Castelo Branco não contemplou todos os seus interesses na
formação do ministério. Quem conta a história é ninguém menos do que Armando
Falcão, homem das entranhas do regime, no livro Tudo a declarar. O grupo de
Júlio Mesquita Filho continuou apoiando o regime, mas a relação com o governo
começou a se deteriorar, explica Armando Falcão.
No dia 1º de abril de
1964, O Estado de S. Paulo saudou o golpe com um editorial intitulado “São
Paulo repete 32” — uma alusão à chamada “revolução constitucionalista”, da qual
o principal líder civil era o então dono do jornal, Júlio de Mesquita Filho,
para quem “o império da lei e da justiça” só poderia ser restabelecido no dia
em que São Paulo voltasse “à sua condição de líder insubstituível da nação”.
Era o pensamento da
direita brasileira, insatisfeita com a Revoluçãode de 1930 liderada por Getúlio
Vargas, já manifestado por Hipólito da Costa em 1808 quando surgiu o primeiro
jornal brasileiro, o Correio Braziliense — mesmo ano da criação da imprensa no
Brasil. “Ninguém deseja mais do que nós as reformas úteis, mas ninguém se
aborrece mais do que nós que essas reformas sejam feitas pelo povo”, disse ele.
Quando se aproximava o
período mais duro da ditadura, em 11 de junho de 1968, O Estado de S. Paulo
defendeu, em editorial, a censura a peças teatrais. “Foi uma oportuna
manifestação a que se registrou recentemente na Assembléia Legislativa, pela
palavra do deputado Aurélio Campos, sobre os excessos que se tem verificado em
representações teatrais no terreno do desrespeito aos mais comezinhos preceitos
morais. O mundo teatral — tanto os atores e atrizes como os autores — vêm
movendo uma campanha sistemática contra a censura, e como esta nem sempre é
exercida por autoridades à altura de tão graves e, às vezes, tão delicadas
questões, a tendência de muitos é cerrar fileiras entre os que combatem”, disse
o jornal.
Cooptação
de jornalistas
O alinhamento da mídia
com os métodos daquele governo da ideologia conservadora também se deu com a
formação de jornalistas no plano organizado pelo então diretor do Departamento
de Projetos Sociais do Instituto Americano para o Desenvolvimento do
Sindicalismo Livre — “American Institute for Free Labor Development” (AIFLD) —,
William Doherty Jr., um célebre agente da Central Intelligence Agency (CIA).
Ele foi diretor do AIFLD durante 30 dos 34 anos de existência daquela
organização. Depois foi embaixador dos Estados Unidos na Guiana e ativo membro
do fascista “Centro Por Uma Cuba Livre”.
O AIFLD surgiu no
governo do presidente John Fitzgerald Kennedy por meio da Direção de
Planificação da CIA para cercar a influência da revolução cubana na América
Latina. Segundo o seu então presidente, George Meany, era “dever dos Estados
Unidos contribuir para o desenvolvimento dos sindicatos livres na América
Latina”. Foram ministrados cursos para 243.668 sindicalistas latino-americanos
— muitos deles, jornalistas. Alguns receberam “capacitação especial” no
“instituto de formação”, o Front Royal School, no Estado da Virginia.
A especialidade era,
além da formação sindical, o comércio exterior norte-americano e a propaganda
anticomunista. Um de seus braços era a Federação Interamericana de Organizações
de Periodistas Profissionais (FIOPP). Seu secretário, o jornalista argentino
Artur Scthirbu, esteve no Brasil por cerca de dois anos para cooptar o
movimento sindical jornalístico brasileiro. A própria história da FIOPP explica
a sua finalidade.
Interesses
da categoria
Em 1959, o American
Newspaper Guild, que é um sindicato de jornalistas dos Estados Unidos, e uma
intitulada União de Jornalistas Livres, formada por exilados dos países do
Leste Europeu, dirigiram um apelo a todo o continente americano para que os
profissionais da imprensa participassem de uma reunião no Panamá, em 1960,
quando seria criada uma entidade interamericana de organizações jornalísticas
profissionais. Era uma resposta à tentativa de criação de uma federação
latino-americana de jornalistas profissionais, com uma evidente linha de defesa
dos interesses da categoria e de viés progressista.
As entranhas da FIOPP
foram expostas quando uma vasta rede de corrupção mantida pela CIA foi desmontada,
revelando como a organização — além da Federação Internacional de Jornalistas
(FIJ), sediada em Bruxelas —, era financiada.
No Brasil, a Federação Nacional dos Jornalistas
Profissionais denunciou a FIOPP quando uma “junta governativa” foi nomeada pela
ditadura no lugar da direção eleita no X Congresso Nacional de Jornalistas,
realizado em setembro de 1963.
“Os mesmos grupos que em 1961 haviam sido
derrotados (…), e que em 1963 não haviam logrado sequer compor uma chapa
concorrente às eleições, alcançaram finalmente (…) o domínio da Federação”,
dizia uma mensagem da diretoria destituída.
Sindicalismo
jornalístico
Segundo o documento da
Federação, a diretoria conhecia bem os planos dos agentes da FIOPP. Emissários
do grupo teriam viajado pelo Brasil, “numa campanha de arregimentação sem
precedentes”, financiados com recursos estrangeiros — conforme denunciou o
jornal Correio da Manhã. “Os jornalistas e os demais trabalhadores
reconquistarão as organizações sindicais para nelas trabalhar na defesa dos
seus interesses que se confundem com os interesses do Brasil independente,
democrático, soberano, progressista e fraternal”, finalizava a mensagem.
A ”junta governativa”
logo filiaria a Federação à FIOPP. Para valorizar a decisão, o III Congresso da
organização interamericana foi realizado no Rio de Janeiro em novembro de 1964.
Uma mensagem do presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson, registrou a sua
satisfação por “ver profissionais da imprensa empenhados na campanha por
melhores meios de desenvolver a cooperação interamericana”.
Terminado o evento, a
diretoria nomeada da Federação começou a aplicar as diretrizes da FIOPP. Quem
se der ao trabalho de ler a coleção do boletim da entidade da época verá
claramente os esforços para enquadrar o sindicalismo jornalístico brasileiro na
linha daquela organização.
A corrupção e o
anticomunismo eram discutidos publicamente — como foi o caso de uma nota da
redação do Jornal do Brasil publicada no dia 13 de julho de 1966, quando as
eleições na Federação entraram na ordem do dia e dois grupos (um deles apoiado
pela FIOPP) disputavam o comando da entidade. “Agora — e é o mais grave —, uma
estranha organização norte-americana, a FIOPP, a pretexto de fazer
anticomunismo, está despejando muito dinheiro nos meios sindicais, prejudicando
o andamento natural das eleições na Federação Nacional dos Jornalistas
Profissionais”, disse o jornal. Apesar dos protestos, a chapa da FIOPP venceu
as eleições.
Intolerância
social
Graças às práticas dessa mídia golpista muita gente no Brasil
vê a política como um gesto pouco nobre. Atribuem-se à sua lógica coisas como a
depauperação dos valores. É comum se ouvir que política é feita pela escória da
sociedade. Um marciano de boa índole que tivesse chegado à Terra pelo Brasil e
estivesse estudando a humanidade munido do noticiário da mídia, certamente
anotaria em sua agenda que política é uma das coisas ruins que se inventaram
por aqui.
O nexo dessas práticas
é o entrave conservador. Apesar de os ideais da Revolução Francesa e da
Independência Americana ter estimulado movimentos como os inconfidentes de
Minas Gerais e da Bahia, ainda hoje pode-se dizer que eles não se realizaram
plenamente em nossa pátria.
É do arcabouço
filosófico dos ideais republicanos que advêm idéias como democracia, direitos
individuais, liberdade de expressão. Ele gerou, entre outras coisas, a
revolução industrial, os sistemas políticos modernos, o conceito de igualdade
entre os cidadãos e o advento de governos contratuais e eleitos. Desde a Era
das Luzes até hoje, essa lógica impulsiona a luta por justiça social e justeza
política.
Uma sociedade
democrática deve alargar ao máximo o leque de possibilidades individuais e
garantir um lugar digno a cada um. Para isso, é preciso assegurar, por meio de
um regime verdadeiramente democrático, o direito de a sociedade escolher seu
destino. Remover entraves como esse representado pela mídia é uma necessidade
que se impõe pela relevância da circulação de informações verdadeiras em uma
sociedade civilizada.
A democratização da comunicação
não pode ser uma abstração com pouca relação com a realidade objetiva do país.
Se esquecermos os ensinamentos da história, estaremos dando chance para o
fortalecimento da tese de que um regime baseado na ideologia conservadora, de
intolerância social e de homens autômatos, é insubstituível. Aí vem o fascismo.
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