Com apenas 19 anos, o craque do Santos já é uma marca que vale R$ 300 milhões e está entre os dez jogadores de futebol mais bem pagos do mundo. E isso é apenas o começo de uma carreira meteórica. Até onde ele vai chegar? Por Clayton MELO
O futebol brasileiro se acostumou a revelar craques e a exportá-los para os campos europeus, especialmente os espanhóis, italianos, franceses, alemães e ingleses. Quantos milhões de torcedores não lamentaram a partida de seus ídolos tão logo os boleiros começavam a balançar as redes ou a se destacar no meio de campo ou na defesa de seus times no Brasil? Ainda que haja exemplos brilhantes num passado remoto, como o do atacante paulista José João Altafini, o Mazzola (que se transferiu, em 1958, do Palmeiras para o Milan, onde iniciou uma carreira de sucesso na Itália, logo após sagrar-se campeão do mundo na Copa da Suécia), a fuga de astros da bola para o Exterior ganhou fôlego de verdade a partir da década de 1980. A geração de Zico, Sócrates e Falcão, o Rei de Roma, abriu a porteira do mercado internacional para, mais tarde, ícones como Ronaldo Fenômeno, Rivaldo, Roberto Carlos, Romário e Ronaldinho Gaúcho fazerem fama e fortuna no Velho Continente.
Sexta-feira 11, 13h: "Poderia ganhar mais lá fora, mas preferi ficar no Brasil"
O resumo dessa história é que, da década de 1990 para cá, se tornou praticamente impossível segurar as grandes estrelas nos gramados nacionais. Mas eis que surge um garoto prodígio chamado Neymar da Silva Santos Júnior, nascido na cidade paulista de Mogi das Cruzes e revelado pelo Santos Futebol Clube, do Rei Pelé, para inverter a lógica e inaugurar um novo capítulo do mercado da bola no País. Disputado a peso de ouro atualmente pelas duas principais potências do futebol mundial, os espanhóis Real Madrid e Barcelona, o atleta de 19 anos assinou, na semana passada, um novo contrato com o Santos, segundo o qual permanecerá no clube pelo menos até o fim da Copa do Mundo de 2014, que será realizada no Brasil. Depois do torneio, ele será liberado pelo alvinegro praiano, sem custo algum, para qualquer time. A multa rescisória, caso alguém pretenda tirá-lo da Vila Belmiro antes desse prazo, saltou de € 45 milhões para € 90 milhões (R$ 217 milhões). Outro atrativo oferecido ao estafe do jogador, que tem em seu pai, Neymar da Silva, a figura central, foi a possibilidade de ficar com 100% dos ganhos com venda de novos patrocínios – até então, Neymar embolsava 70%; e o Santos, 30%.
À parte as juras de amor ao clube que o revelou, as odes à cidade onde vive, ao País em que nasceu e a felicidade de poder permanecer por mais um tempo desfrutando o carinho e o paparico da torcida (principalmente a feminina), a conta bancária robusta no fim do mês foi, sem dúvida, o principal argumento para seduzir o camisa 11 e convencê-lo a ficar. Para permanecer na Baixada Santista até 2014, o jogador – que antes da assinatura do novo acordo valia cerca de R$ 300 milhões, segundo cálculo feito pela consultoria BDO, com base em seu salário anual, multa rescisória e contratos publicitários – receberá uma fortuna digna dos maiores ídolos da pelota no planeta. Embora os valores não sejam oficiais, fontes do mercado estimam que o craque terá um rendimento mensal, entre salário e contratos de publicidade, de algo próximo a R$ 3 milhões, mais que o dobro do R$ 1,3 milhão recebido atualmente. O salário de Neymar será pago pelo Santos, com recursos obtidos com novos contratos de patrocínio ou publicidade, engordando seu portfólio de financiadores, no qual se destacam marcas como Lupo, Ambev, Nike e Panasonic.
O clube está em negociação, por exemplo, com o Banco do Brasil e com os Correios, que podem anunciar a qualquer momento o fechamento do acordo para explorar a imagem de Neymar e outras ações de marketing. A cifra de R$ 3 milhões mensais, o que contabiliza R$ 36 milhões por ano, coloca o menino de ouro da Vila como o nono jogador mais bem pago do mundo da bola, conforme levantamento da revista francesa France Football – o estudo leva em consideração os ganhos com salários e acordos publicitários. “Por uma questão de confidencialidade, não podemos revelar o valor do contrato firmado com o Neymar”, diz Álvaro de Souza, ex-presidente do Citibank no Brasil e um dos integrantes do grupo de notáveis que auxiliam a tomada de decisões da atual diretoria do Santos. O grupo já está preocupado com a gestão das finanças do craque. O que um garoto de 19 anos poderia fazer com R$ 3 milhões? Pode virar bilionário em 15 anos, se poupar 80% do salário (ainda sobram R$ 600 mil para gastar), pode esbanjar ou até perder tudo em maus negócios, como aconteceu com outros astros do futebol. O responsável pela orientação financeira de Neymar e de sua família é José Berenguer Neto, executivo do Banco Santander. “O Berenguer está cuidando disso.
Essa questão está em ótimas mãos”, afirmou à DINHEIRO o empresário do setor imobilário Luís Álvaro de Oliveira Ribeiro, presidente do Santos, na manhã da sexta-feira 11. Seja lá qual for o valor exato do novo acordo firmado na semana passada, de uma coisa não há dúvida: trata-se de um feito histórico. Nunca antes na história do futebol nacional um clube conseguiu segurar – ainda que por pouco mais de dois anos – uma joia desse quilate na fase de ascensão, com pouquíssimo tempo de atuação na elite do futebol e cobiçado por grandes tubarões internacionais da bola. “São as escolhas que se fazem na vida. Eu escolhi o Santos”, disse Neymar, durante o anúncio de sua permanência, na quarta-feira 9. “Sou só mais um jogador a fazer história no Santos e que pretende ficar muito tempo aqui”. Mesmo em crise de endividamento, os clubes europeus poderiam pagar mais ao craque. “Eu podia ganhar mais lá fora, mas preferi ficar”, afirmou. A decisão reflete também o bom momento econômico do Brasil, um poder emergente que movimentará bilhões em patrocínio esportivo até a Copa e a Olimpíada de 2016. No mercado nacional de futebol, ainda que o amadorismo e os desmandos grassem na maioria dos clubes brasileiros, a lógica dos negócios também começa a mudar.
A estratégia do Santos para manter Neymar rompe com o velho modelo de gestão dos clubes. O pensamento da cúpula santista é o seguinte: em vez de privilegiar o lucro com a venda de atletas para fechar suas contas, é melhor preparar uma astuta engenharia de marketing e negócios capaz de manter ídolos para, com eles, gerar dinheiro suficiente que permita reinvestir no clube, manter equipes competitivas e assim conquistar mais e mais títulos, o que por sua vez elevará as receitas e fará a roda girar. “Em outros termos, significa deixar de ser um exportador de matéria-prima para oferecer valor agregado, como fazem os europeus”, afirma Yacoff Sarkovas, presidente da empresa de comunicação Edelman Significa e um dos principais estudiosos de marketing esportivo do País. “Isso é um salto de qualidade no modo de gestão dos negócios do futebol no Brasil.” Além disso, a estratégia para manter Neymar guarda relação direta com o fortalecimento da economia nacional. “Antes, a Europa era a potência que sempre crescia, enquanto o Brasil vivia combalido e se contentava em ser exportador de craques”, afirma Sarkovas. “Hoje, a situação mudou.
A Europa está paralisada, e o Brasil apresenta uma economia pujante.” Para Amir Somoggi, diretor da área esportiva da consultoria BDO, o plano elaborado pelo Santos para reter Neymar representa uma mudança de paradigma no futebol brasileiro. “Esse é o modelo que deveria ser seguido pelos demais clubes.” O segredo do sucesso da estratégia de Ribeiro foi definir prioridades. Se um grande clube europeu tem fôlego financeiro pode escolher cinco jogadores que serão alvos de investimentos simultaneamente, o Santos tinha capacidade para eleger um só. “E escolheu seu principal nome, Neymar”, afirma Somoggi. “É a partir desse investimento que a agremiação sustenta todo o projeto de expansão da equipe.” Os dados reforçam o argumento do analista. Em 2009, quando Ribeiro assumiu a presidência, a receita do clube foi de R$ 70,4 milhões. No ano seguinte aumentou para R$ 116,5 milhões. A projeção da diretoria é de um crescimento de 40% em 2011. O crescimento, porém, não se dá por causa da transferência de jogadores, como sempre aconteceu na Baixada e nos demais clubes do País. A receita obtida com esse item, por exemplo, caiu de R$ 93,6 milhões em 2005 para R$ 22,8 milhões no ano passado.
Paralelamente, a receita gerada com a venda de transmissão para tevê subiu de R$ 19,7 milhões para R$ 32,2 milhões no período, assim como a de patrocínio e publicidade – de R$ 12,7 milhões para R$ 29,9 milhões. O mesmo se deu com os recursos obtidos com bilheteria, que passaram de R$ 6,2 milhões para R$ 19,5 milhões, e o de sócios, de R$ 2,7 milhões para R$ 9 milhões. Resumo da ópera: o Santos tornou-se menos dependente da transferência de atletas ao mesmo tempo em que executa uma bem-sucedida estratégia de diversificação de receitas. O projeto santista tem méritos próprios e se dá num contexto específico. Mas é preciso observar que o momento favorável da economia brasileira beneficia toda a cadeia da bola. Em 2010, o mercado nacional de clubes faturou R$ 2,18 bilhões, uma expansão de 13,4% sobre 2009, e 118% em relação aos oito anos anteriores, conforme estudo da BDO. “Os clubes da elite do futebol brasileiro faturam mais com bilheteria e patrocínio hoje do que há alguns anos”, afirma Somoggi, um dos responsáveis pelo estudo da BDO.
O aumento das receitas – e, portanto, do poderio de fogo dos clubes brasileiros de futebol – ocorre justamente num momento de crise econômica na Europa, o principal mercado do futebol mundial. Como a vida anda dura do lado de lá do Atlântico, as negociações milionárias ficam mais difíceis, facilitando a aposta em projetos de marketing para trazer craques de volta ou de mantê-los por aqui. O principal exemplo dessa realidade é Ronaldo Fenômeno, que, embora em final de carreira, brilhou no Corinthians entre 2009 e 2010 e possibilitou a atração de uma série de patrocínios para a equipe do Parque São Jorge. Outro caso de destaque é Ronaldinho Gaúcho, que se transferiu do Milan para o Flamengo, onde joga atualmente. O caso de Neymar é mais representativo por se tratar de uma jovem estrela, que mal engatinha na carreira. “O Neymar é o maior caso de construção de marca dos últimos anos do futebol brasileiro”, afirma o publicitário Sérgio Amado, presidente do Grupo Ogilvy.
Amado ressalta o carisma de Neymar, um fora de série nas quatro linhas, capaz de manter-se em evidência permanentemente.“Ele atrai público de A a Z. É inteligente e irreverente, e sabe criar moda”, diz. “O cabelo moicano dele, por exemplo, atrai seguidores no Brasil inteiro.” Com esses atributos, o assédio das marcas deve aumentar. Neymar já é uma celebridade mundial e tenta se comportar como tal. Na sexta-feira 11, ele participou de um evento organizado por um patrocinador, em São Paulo, junto com os ex-jogadores Romário e Pepe, antigo atacante da equipe do Santos de Pelé. A intenção do evento foi homenagear três estupendos camisas 11 de diferentes épocas do futebol brasileiro. O encontro recebeu ampla cobertura da imprensa local e estrangeira e, claro, contou com um assédio impressionante a Neymar. Bem treinado para não dar declarações, ele demonstrou preocupação com a própria imagem fora dos campos. Como qualquer boa marca, ele deve agradar a todas as torcidas. Simpático, sorridente e estiloso, o garoto é querido até mesmo por torcedores rivais do Santos.
“Ele não enfrenta nenhum restrição”, afirma Valquírio Cabral Jr, diretor-comercial da Lupo, uma das suas patrocinadoras. A força dele com a garotada também agrada às empresas. “O Neymar é um ídolo nacional e consegue conversar com as novas gerações”, diz Alessandro Batista, diretor de marketing da Panasonic, que também o patrocina. Cercado para onde vá por um batalhão de seguranças, que se esforçam para protegê-lo do assédio dos fãs, ele consegue manter, a despeito das roupas incrementadas, dos brincos e correntes de ouro e dos carrões de luxo (atualmente circula a bordo de um Porsche Panamera Turbo, de R$ 300 mil), um ar de garoto, acessível e brincalhão. Apesar da pouca idade e de algumas travessuras e impertinências do início da carreira, o astro da Seleção Brasileira deu uma incrível demonstração de maturidade no começo deste ano, de fazer inveja, inclusive ao ídolo santista Pelé. Ao saber que havia engravidado uma namorada, não titubeou, assumindo a paternidade da criança, que nasceu em agosto, como o nome de Davi Lucca. Diante da notícia, confessou que chorou. “No começo, por medo. Depois, por alegria.”
Quem são os executivos e banqueiros que mudaram o modelo de negócios do santos e conseguiram segurar o craque neymar no clube.
Quando assumiu a presidência do Santos Futebol Clube em 2009, Luís Álvaro de Oliveira Ribeiro, conhecido como Laor, colocou em prática um plano para profissionalizar a gestão do clube. Apoiado por um conselho que inclui altos executivos de empresas como Votorantim, Santander e Itaú, Laor conseguiu elevar as receitas do Santos em 68%, passando de R$ 70,4 milhões, em 2009, para R$ R$ 116,5 milhões, no ano passado. Isso sem elevar os custos, o que transformou o clube em um caso de sucesso empresarial.
O conselho é formado por sete executivos de grandes empresas brasileiras.
Fazem parte desse time de empresários o presidente da construtora Inpar, Álvaro Simões; o CEO da agência de publicidade Fischer, Antônio Fadiga; o ex-vice-presidente do Itaú BBA Eduardo Vassimon; o CEO da Votorantim, Walter Schalka; o vice-presidente do Santander, José Berenguer Neto; o ex-presidente do Citibank Álvaro de Souza; e o advogado Luiz Eduardo Lucas. A missão do grupo, que se reúne toda segunda-feira, às sete horas da manhã, é transformar o Santos em um celeiro de craques. Mas a meta não é vender jogadores. É fazê-los ficar no clube o mais tempo possível para, com isso, elevar as receitas com publicidade, marketing e bilheteria. Até agora, ao que parece, tem dado certo. Para atrair novas promessas, o Santos utiliza a marca Meninos da Vila, uma referência ao time campeão paulista de 1978, que dá nome às franquias de escolinhas de futebol que o clube mantém em vários Estados.
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