Os partidos
oposicionistas estão no meio de um vendaval. E, como a crise é fundamentalmente
partidária, também esvazia a força de pressão dos partidos tradicionais aliados
ao governo. Quanto maior a base de apoio, mais o governo pode usar da
superioridade numérica para dispensar apoios incômodos.
Maria Inês Nassif
O episódio Demóstenes
Torres (ex-DEM-GO), que revelou as relações do senador de oposição com uma rede
ligada ao chefe, o bicheiro Carlos Cachoeira, por Nextel, acresceu vantagens a
uma situação que já era favorável ao governo Dilma Rousseff. A presidenta foi
presenteada com uma conjuntura particulamente boa ao projeto de trazer as
relações com os aliados parlamentares para termos mais republicanos.
A eleição de Dilma,
sacramentada pelo apoio de um presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, que
deixava o poder com uma popularidade ímpar, deu a ela uma ampla maioria
parlamentar, composta por um arco imenso de apoios partidários atraídos para o
seu palanque pela estrela de seu antecessor. Ampla maioria, porém pouco sólida.
Contudo, as tentativas de "enquadramento" da presidenta pelos aliados
têm falhado, pois o governo tem folga aritmética para jogar mais pesado com
parceiros incômodos. Ao longo da reforma ministerial que se arrastou por alguns
meses, Dilma conseguiu, enfim, escolher auxiliares entre os quadros dos
partidos aliados sem engolir prato feito de indicações, e manter nos
ministérios uma estrutura profissional que pode prescidir do ministro, caso ele
seja alvejado por denúncias.
O caso Demóstenes
reduz, por seu lado, a força de uma oposição que, embora minoritária nos
governos Lula, teve uma farta cobertura da mídia tradicional e o apoio de
figuras-chave de outras instituições (como Justiça, polícias e bancadas de
oposição). Esses atores políticos mantiveram um noticiário ofensivo quase 365
dias por ano e erigiram para a opinião pública um cenário constante de crises.
E colheram êxito na construção de factóides que mantiveram o governo petista na
defensiva, no plano institucional, por quase todos os oito anos de Lula.
O mais novo escândalo
enfraqueceu essa estratégia e reduziu quase a pó a já minoria oposicionista. A
crise política envolvendo um dos seus deve eliminar, de fato ou de direito, o
DEM do quadro partidário. O partido já havia perdido boa parcela de suas
bancadas para o PSD de Gilberto Kassab e terminou de ser demolido com a
exposição à execração pública de seu mais midiático integrante. Esquálida, a
legenda de Agripino Maia (RN) tem como alternativa apenas a incorporação ao
PSDB – o partido que foi criado, em 1987, para ocupar o espaço da
social-democracia, terminará o seu percurso inexorável rumo à direita abraçado
com ACM Neto.
Quanto mais a oposição
encolhe, menos efetiva se torna a pressão dos partidos tradicionais aliados ao
governo por mais espaço no governo. A crise política encenada pelos aliados
insatisfeitos, que obstruíram votações no Congresso, terminou com pontos a
favor de Dilma. Os partidos tradicionais governistas estão insatisfeitos com o
estilo da presidenta, mas, sem dúvida, ficar no governo ainda é muito mais
vantajoso do que se arriscar num bloco de oposição desacreditado. E, desgaste
por desgaste, ele é, sem dúvida, muito maior no Legislativo do que no
Executivo, em grande parte porque ele foi estimulado pela própria oposição nos
dois mandatos de Lula: com dificuldade de desmoralizar um presidente com alta
popularidade, a oposição atacou o governante pelo flanco partidário (tanto o PT
como os aliados venais do governo) com representação parlamentar.
A estratégia de bater
sem o necessário cuidado de enquadrar todo o Legislativo nas práticas
republicanas - lembrando os termos da discussão colocados pelo hoje governador
Tarso Genro em 2005, no episódio do chamado mensalão -, inclusive os próprios
partidos de oposição, fragilizou a instituição como um todo. Hoje,a crise
definitivamente é do Legislativo e dos partidos políticos.
Por estratégia do
governo ou falta de estratégia da oposição, os fatos deixaram a presidenta à
margem da crise partidária. E, para os próprios partidos aliados, sobrou pouca
margem de manobra para pressionar o governo. A iniciativa de Dilma de trazer
para a negociação parlamentar os governadores, acenando com a mudança no
indexador das dívidas públicas dos Estados, retirou o debate federativo da área
de pressão dos partidos políticos. Os governadores são os principais
interessados nesse debate - embora o desafogo dos Estados tenha também o efeito
de liberar dinheiro desses entes federativos para investimentos, colocando-os
na roda dos esforços governamentais para aquecer a economia e atenuar os
efeitos da crise internacional.
Em época de eleições, e
sem espaço de barganha no Legislativo, os partidos estão dirigindo seus
esforços por maiores espaços na coalizão federal para os palanques municipais.
São Paulo é o principal alvo dessa briga. Os partidos estão retardando ao
máximo os acordos eleitorais com o PT da capital paulista porque esta é a
disputa mais valorizada pelo partido de Lula e Dilma. Os acordos eleitorais têm
mais importância para o governo e o PT neste momento do que as lides
parlamentares. Retardar os entendimentos em São Paulo pode dar mais cacife do
que bloquear a pauta de votações do Congresso.
Embora nas eleições
municipais a motivação eleitoral seja quase paroquial, os partidos andam nelas
mais do que um degrau na definição das coligações federais que ocorrem dois
anos depois, nas eleições presidenciais. Esse parece ser o raciocínio do PSB.
Hoje, o partido é o único, dentro da base de apoio parlamentar, que tem
explicitamente um nome à disposição para voos mais longos, inclusive
presidenciais: o governador Eduardo Campos, que aproveitou todas as
possibilidades de financiamento federal para dar velocidade ao crescimento de
Pernambuco, colocando a agenda desenvolvimentista em paralelo com a agenda
social do Bolsa Família. O PSB tem valorizado o seu passe para apoiar o
candidato do PT à prefeitura da capital, Fernando Haddad. A reticência do
partido em relação a uma aliança com o PT de Lula não traz apenas a digital do
diretório do PSB paulista que, contra o grupo da deputada Luiza Erundina, tende
mais à José Serra (PSDB) que a Haddad. Traz a digital principalmente de Campos.
Com a virada do PSD para Serra, o PSB é o aliado que mais interessa ao PT. O
partido de Campos tem uma grande oportunidade de transformar um simples apoio
eleitoral em instrumento para aumentar a sua importância no governo Dilma e, em
consequência, o seu cacife para voos mais altos em 2014, com a Presidência, se
Dilma tiver perdido popularidade até lá, ou a vice, desbancando do lugar o até
agora aliado preferencial do governo, o PMDB.
A maré está boa para o
Campos: ele tem o que interessa para o governo, que é a possibilidade de apoiar
Haddad e livrá-lo do isolamento, e é o único partido à esquerda no quadro
partidário em franco crescimento. Pode ser um aliado mais conveniente a um
governo de esquerda, ou uma “Terceira via”, se tudo der errado para o governo
petista.
(*) Colunista política,
editora da Carta Maior em São Paulo.
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