Lembro exatamente a
data em que aportamos em Santos, no dia em que completei 8 anos. Minha família
estava tão extasiada por conseguir chegar, que o único que se lembrou do meu
aniversário fui eu mesmo
Por: Rádio Brasil Atual
O economista Paul
Singer, secretário Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho
desde 2003, completou 80 anos em 24 de março. Sua trajetória como intelectual e
ativista de esquerda foi pano de fundo para muitos debates. Na Rádio Brasil
Atual, o professor conversou com Marilu Cabañas sobre a fuga da Áustria anexada
por Hitler, seus projetos socialistas, Comissão da Verdade, a criação e as
mudança do PT, a situação da macroeconomia e da economia solidária. Confira a
seguir um aperitivo e ouça a entrevista completa na rádio.
O senhor é austríaco,
não é?
Sim, nasci em Viena.
Tive de fugir com a minha família, por sermos judeus. A Áustria tinha sido
anexada pela Alemanha de Hitler, que se preparava para apartar e mandar para os
campos de concentração os judeus. Lembro exatamente a data em que aportamos em
Santos, no dia em que completei 8 anos. Minha família estava tão extasiada por
conseguir chegar que o único que se lembrou do meu aniversário fui eu mesmo.
Como começou sua
militância política aqui no Brasil?
Entrei numa organização
da Juventude Sionista, socialista, em 1948, quando foi criado o Estado de
Israel, e isso foi um frenesi nas comunidades judaicas do mundo todo. Os judeus
nunca tinham tido um país e haviam sido vítimas de um genocídio. Todos os meus
amigos e familiares entramos no Dror, uma organização que pretendia criar
kibutzim, comunidades socialistas, em Israel. Em 1950 os camaradas do Dror
viajaram para Israel e fundaram um kibutz, que existe até hoje. Um kibutz
brasileiro em Israel.
E sua participação na
Polop?
Fundamos a Polop em
1959. Eu era do Partido Socialista, que estava nas mãos dos janistas. Nós, que
não estávamos satisfeitos, criamos uma organização marxista, revolucionária
etc. Polop vem de Política Operária, era o nome de um agrupamento político da
Alemanha antes do Hitler. Mas eu não fiquei. Em 1960, o PS apoiou o marechal
Lott, junto com a parte mais progressista da política brasileira, que havia
evitado o golpe militar contra a posse do JK. Os apoiadores do Jânio saíram e
nós retornamos e dirigimos o partido, até o golpe militar fechá-lo.
O que o senhor espera
da Comissão da Verdade?
Se não me engano, a
primeira Comissão da Verdade foi formada na África do Sul, quando caiu o
apartheid e o Nelson Mandela foi eleito. Foi criada com a condição de que tudo
fosse esclarecido, quem matou, quem torturou, onde estavam enterradas pessoas
assassinadas. Haveria anistia, mas a condição era a verdade vir à tona. E
parece que funcionou bem. Uma Comissão da Verdade tem essa virtude, revela a verdade,
mas não pune. E a partir daí a convivência pacífica no mesmo espaço democrático
torna-se mais fácil. Se houver alguma hipótese de punição, tem de ser pelos
tribunais regulares.
E a trajetória do PT?
Tenho deslumbramentos e
decepções. O PT foi criado por uma vasta área da população brasileira. Não
nasceu pequeno, não. Mas não tinha reconhecimento eleitoral. A partir de 1988,
começa a ganhar várias cidades. Em 1989, Lula foi pela primeira vez candidato a
presidente e perdeu por um triz. Chegamos ao poder democraticamente pelas
eleições, governamos algumas das maiores cidades brasileiras, estados. Depois
fomos aceitando alianças com outros partidos, mas ainda na faixa progressista.
Agora, estamos no poder federal desde 2003 com uma vasta coligação, coisa que o
PT antes não admitia. Eu não quero dizer que tínhamos de ficar naquela posição
isolacionista. O PT disputava sozinho e não conseguia ganhar eleição. Mas houve
uma mudança bastante ampla, levou o partido mais para o centro.
E a economia do Brasil,
que cresceu apenas 2,7% no ano passado, o que a está emperrando?
O que está emperrando é
o livre câmbio. Se tivessem me perguntado eu teria aconselhado que não, mas
hoje somos membros da Organização Mundial do Comércio, estamos comprometidos a
abrir o mercado interno aos produtos importados. Ora, tem uma porção de países
que são muito competentes do ponto de vista industrial mas não têm as mesmas
leis, sobretudo sociais, de modo que seus produtos são mais baratos que os
nossos. O governo tem de defender a existência da indústria brasileira – e está
fazendo isso agora.
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