Por Erick da Silva
A França não teve grandes movimentos de “indignados” ocupando
as praças e avenidas, ao contrário de países europeus mais duramente afetados
pela crise. As eleições francesas deste ano tinham tudo para repetir a mesma
pasmaceira de outros pleitos, onde conservadores e moderados disputariam a
gerência de uma política, que no central, não se diferencia.
O Partido Socialista (PS), há muito deixou de ser uma real
alternativa mudancista para a sociedade francesa. O conjunto de governos do PS
adotaram um conjunto de políticas muito distantes de um programa de esquerda.
Estes retrocessos políticos provocaram um forte desencanto e perda de
legitimidade social junto a setores críticos da sociedade.
Mesmo assim, não perdeu sua densidade eleitoral. O “cálculo
pragmático” de muitos eleitores franceses ajuda a explicar a permanência de sua
força eleitoral. A fragmentação das forças situadas no campo da esquerda
francesa (comunistas, trotskistas, anti-capitalistas, ecologistas radicais,
etc.) jamais conseguiram representar uma real alternativa de poder para a
disputa presidencial. O candidato do PS, Francois Hollande, projeta-se como a
principal alternativa eleitoral para impedir a reeleição do direitista Nicolas
Sarkosy.
Mas esta eleição reservou uma importante novidade. A força e
o impacto da Frente de Esquerda e da candidatura de Jean-Luc Mélenchon. A
dinâmica da Frente de Esquerda transformou a campanha eleitoral em um movimento
popular e de massas com notáveis amplitude, energia e força. Após décadas de
retrocesso da esquerda e de campanhas eleitorais rotineiras protagonizadas pela
direita, extrema direita e pela social-democracia, surge uma candidatura e uma
força política que, mesmo não tendo ainda o perfil de candidatura vitoriosa,
transforma-se em um fator decisivo para a mudança do quadro político.
Surpreendente para muitos foi a sua notável aceitação no
eleitorado francês: em janeiro, Mélenchon tinha 6% dos votos; as últimas
pesquisas já indicavam um notável crescimento, chegando a casa dos 15%, já se
credenciado a ser o voto de minerva no 2º turno. Este despenho da Frente de
Esquerda representa um importante sopro de renovação para esquerda francesa.
Apresentando um programa político radical, na atual adversidade de forças que
enfrentam os progressistas, se impor como fator de esperança através desse
programa, e conseguindo ampliar para além dos desiludidos do PS ou das
organizações sectárias, mobilizando abstencionistas e indivíduos que
tradicionalmente não se engajavam, já se converte em novo e formidável
patrimônio político que não deve ser menosprezado.
A campanha de Mélenchon tem buscado, corajosamente apresentar
uma saída de esquerda para a crise do capitalismo e que busque renovar o
programa da esquerda pós-neoliberal. É com esta ousadia que se apresenta a
Frente de Esquerda. Como ele afirmou em entrevista a Carta Maior: “Eu diria aos
camaradas que quisessem nos imitar que às vezes há que se pegar o velho
vocabulário, deixá-lo de lado, voltar a começar desde o zero, como se
acabássemos de nascer. Através das palavras podemos criar uma nova gramática,
uma síntese nova de convergências extraordinárias.”
Mais notável ainda é o reconhecimento de que hoje o polo
dinâmico da esquerda mundial está situado na América Latina. A esquerda
europeia, de um modo geral, sempre adotou uma postura marcadamente
eurocêntrica, pouco observando as construções alternativas que ocorriam ao seu
redor. Quando Mélenchon afirma que “(...) os modelos que tomamos como
inspiração são os da América Latina, eu me inspirei no que aconteceu lá.” é
possível compreender esta construção inovadora para a esquerda francesa.
Mélenchon demonstra de que forma esta experiência se materializou na construção
francesa, onde afirma, “a Frente de Esquerda é uma fórmula política que liga
partidos muito diferentes. Agora temos até ecologistas oriundos das tendências
mais radicais. Na mesma Frente temos partidários do não crescimento,
partidários do crescimento e comunistas.
Todos chegaram a uma intersecção. Este caso, o modelo que se
pode evocar é o da Frente Ampla uruguaio. Para mim foi uma fonte de inspiração,
há muitos anos. A revolução cidadã é um projeto federativo, porque inclui a
ideia do poder cidadão. Essa palavra permitiu a convergência de tradições revolucionárias
muito distintas. Pois bem, esta ideia eu a tomei do Equador. A maneira de
enfrentar o sistema dos meios de comunicação eu a tomei de Néstor e Cristina
Kirchner. Aqui, na França, atribuíram esse estilo ao meu mau humor, a minhas
dificuldades, mas na realidade, não é assim: eles me manipulam e eu os
manipulo. Agora os trato a pão seco, assim como o fizeram o ex-presidente
Néstor Kirchner e a presidenta Cristina Kirchner. Em suma, inspiro-me muito na
tradição revolucionária da América Latina. Nossa consigna é: que se vayan
todos! Esta consigna eu a tirei da crise argentina de 2001.” Esta é uma mudança
paradigmática significativa.
Uma das principais lições que campanha de Mélenchon tem
apontado é que não basta ser anti-neoliberal para representar um projeto de
transformação da sociedade. As soluções para a grave crise do capitalismo, deve
buscar lançar pontes com um projeto de mudanças profundas na sociedade.
Incorporando a necessária centralidade da ecologia na estratégia de superação
do capitalismo e buscando, neste processo, renovar e constituir uma nova e
dinâmica síntese política e organizativa para a esquerda do século XXI.
Saudemos a renovação da esquerda francesa!
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