quarta-feira, 18 de abril de 2012

O renascimento da esquerda francesa


Por Erick da Silva

A França não teve grandes movimentos de “indignados” ocupando as praças e avenidas, ao contrário de países europeus mais duramente afetados pela crise. As eleições francesas deste ano tinham tudo para repetir a mesma pasmaceira de outros pleitos, onde conservadores e moderados disputariam a gerência de uma política, que no central, não se diferencia.
O Partido Socialista (PS), há muito deixou de ser uma real alternativa mudancista para a sociedade francesa. O conjunto de governos do PS adotaram um conjunto de políticas muito distantes de um programa de esquerda. Estes retrocessos políticos provocaram um forte desencanto e perda de legitimidade social junto a setores críticos da sociedade.
Mesmo assim, não perdeu sua densidade eleitoral. O “cálculo pragmático” de muitos eleitores franceses ajuda a explicar a permanência de sua força eleitoral. A fragmentação das forças situadas no campo da esquerda francesa (comunistas, trotskistas, anti-capitalistas, ecologistas radicais, etc.) jamais conseguiram representar uma real alternativa de poder para a disputa presidencial. O candidato do PS, Francois Hollande, projeta-se como a principal alternativa eleitoral para impedir a reeleição do direitista Nicolas Sarkosy.
Mas esta eleição reservou uma importante novidade. A força e o impacto da Frente de Esquerda e da candidatura de Jean-Luc Mélenchon. A dinâmica da Frente de Esquerda transformou a campanha eleitoral em um movimento popular e de massas com notáveis amplitude, energia e força. Após décadas de retrocesso da esquerda e de campanhas eleitorais rotineiras protagonizadas pela direita, extrema direita e pela social-democracia, surge uma candidatura e uma força política que, mesmo não tendo ainda o perfil de candidatura vitoriosa, transforma-se em um fator decisivo para a mudança do quadro político.
Surpreendente para muitos foi a sua notável aceitação no eleitorado francês: em janeiro, Mélenchon tinha 6% dos votos; as últimas pesquisas já indicavam um notável crescimento, chegando a casa dos 15%, já se credenciado a ser o voto de minerva no 2º turno. Este despenho da Frente de Esquerda representa um importante sopro de renovação para esquerda francesa. Apresentando um programa político radical, na atual adversidade de forças que enfrentam os progressistas, se impor como fator de esperança através desse programa, e conseguindo ampliar para além dos desiludidos do PS ou das organizações sectárias, mobilizando abstencionistas e indivíduos que tradicionalmente não se engajavam, já se converte em novo e formidável patrimônio político que não deve ser menosprezado.
A campanha de Mélenchon tem buscado, corajosamente apresentar uma saída de esquerda para a crise do capitalismo e que busque renovar o programa da esquerda pós-neoliberal. É com esta ousadia que se apresenta a Frente de Esquerda. Como ele afirmou em entrevista a Carta Maior: “Eu diria aos camaradas que quisessem nos imitar que às vezes há que se pegar o velho vocabulário, deixá-lo de lado, voltar a começar desde o zero, como se acabássemos de nascer. Através das palavras podemos criar uma nova gramática, uma síntese nova de convergências extraordinárias.”
Mais notável ainda é o reconhecimento de que hoje o polo dinâmico da esquerda mundial está situado na América Latina. A esquerda europeia, de um modo geral, sempre adotou uma postura marcadamente eurocêntrica, pouco observando as construções alternativas que ocorriam ao seu redor. Quando Mélenchon afirma que “(...) os modelos que tomamos como inspiração são os da América Latina, eu me inspirei no que aconteceu lá.” é possível compreender esta construção inovadora para a esquerda francesa. Mélenchon demonstra de que forma esta experiência se materializou na construção francesa, onde afirma, “a Frente de Esquerda é uma fórmula política que liga partidos muito diferentes. Agora temos até ecologistas oriundos das tendências mais radicais. Na mesma Frente temos partidários do não crescimento, partidários do crescimento e comunistas.
Todos chegaram a uma intersecção. Este caso, o modelo que se pode evocar é o da Frente Ampla uruguaio. Para mim foi uma fonte de inspiração, há muitos anos. A revolução cidadã é um projeto federativo, porque inclui a ideia do poder cidadão. Essa palavra permitiu a convergência de tradições revolucionárias muito distintas. Pois bem, esta ideia eu a tomei do Equador. A maneira de enfrentar o sistema dos meios de comunicação eu a tomei de Néstor e Cristina Kirchner. Aqui, na França, atribuíram esse estilo ao meu mau humor, a minhas dificuldades, mas na realidade, não é assim: eles me manipulam e eu os manipulo. Agora os trato a pão seco, assim como o fizeram o ex-presidente Néstor Kirchner e a presidenta Cristina Kirchner. Em suma, inspiro-me muito na tradição revolucionária da América Latina. Nossa consigna é: que se vayan todos! Esta consigna eu a tirei da crise argentina de 2001.” Esta é uma mudança paradigmática significativa.
Uma das principais lições que campanha de Mélenchon tem apontado é que não basta ser anti-neoliberal para representar um projeto de transformação da sociedade. As soluções para a grave crise do capitalismo, deve buscar lançar pontes com um projeto de mudanças profundas na sociedade. Incorporando a necessária centralidade da ecologia na estratégia de superação do capitalismo e buscando, neste processo, renovar e constituir uma nova e dinâmica síntese política e organizativa para a esquerda do século XXI. Saudemos a renovação da esquerda francesa!

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