por Mauro Santayana
A primeira referência
séria de um líder norte-americano sobre o Brasil foi de Thomas Jefferson. Em
maio de 1787 – quando era embaixador em Paris, dois anos antes da reunião dos
Estados Gerais e da descoberta da conspiração de Vila Rica – Jefferson se
encontrou, em Nimes, no sul da França, com José Joaquim da Maia, que lhe falou
sobre a possível independência do Brasil e das relações que poderiam
estabelecer-se entre as duas nações, que ocupavam posição predominante no sul e
no norte do hemisfério ocidental.
Jefferson enviou seu
relatório, bem divulgado pelos historiadores brasileiros, ao futuro Secretário
de Estado, John Jay. O documento não tratava somente do Brasil, mas, também, do
México e do Peru. No caso brasileiro, além de relatar o que lhe dissera José
Joaquim da Maia sobre as riquezas brasileiras, a situação estratégica do Brasil
e a possibilidade de uma insurreição vitoriosa – se os brasileiros tivessem
armas e alguma assistência militar que
estavam dispostos a pagar, conforme seu interlocutor – Jefferson prevê
vantagens comerciais para o seu país.
A personalidade de
Joaquim José da Maia não é muito conhecida. Não se tem notícia de outra
presença sua na História, além do encontro com Jefferson. No ano seguinte,
ainda muito jovem, ele morreria. Mas o
fato levanta a hipótese de que a conjuração mineira já se encontrava em
andamento, e tinha presença entre os estudantes brasileiros de Montpellier – a
maioria deles das Minas. Coube a Domingos Vidal Barbosa, como registram os
Autos da Devassa da Inconfidência, levar a informação da posição de Jefferson
aos inconfidentes.
O mesmo Jefferson
voltará a referir-se ao Brasil, 30 anos depois, em carta a La Fayette, seu
amigo e um dos combatentes na Guerra da Independência dos Estados Unidos.
Retirado em Monticello, o grande homem de Estado comenta os assuntos do mundo e
de seu país. Ao discutir os problemas continentais, refere-se ao Brasil – a
correspondência é de 14 de maio de 1817, quando a Revolução Pernambucana,
iniciada em 6 de março, lhe parecia
vitoriosa, embora naquela mesma semana as tropas legalistas tivessem sitiado o
movimento, que seria logo debelado. Diz então Jefferson a Lafayette (Jefferson,
Writings, The Library of America, 1984, pag. 1409) que Portugal, ávido em
manter suas extensões no sul, acabara de perder a rica província de Pernambuco,
e que ele não se espantaria se os brasileiros mandassem logo de volta a
Portugal sua família real. E se referia ao Brasil como mais populoso, muitíssimo
mais extenso, mais rico e mais sábio do que a metrópole.
Ao longo destes dois
séculos e algumas décadas de vida das duas nações, poderíamos ter
encontrado convivência melhor, mas os
norte-americanos – talvez com exceção de Jefferson e alguns poucos mais –
sempre nos viram como inferiores e sujeitos à sua vontade. Faltou-nos
falar-lhes sem arrogância, mas com firmeza. É constrangedor anotar que, salvo
em alguns momentos, como os de Getúlio, no Brasil, e Franklin Roosevelt (não
Ted) nos Estados Unidos, os gestos de subserviência partiram das próprias elites brasileiras.
A visita da presidente
Dilma Roussef a Washington está sendo vista, por certos observadores, como de
poucos resultados. Entre outros fatos, apontam que não lhe foi oferecido um
jantar de gala, mas simples almoço de trabalho. Trata-se de bom sinal: a
austeridade do encontro demonstra que, nas conversações preliminares, os
diplomatas norte-americanos perceberam
que a chefe de Estado não chegava aos Estados Unidos para o ritual de vassalagem
– conforme ocorria em certo período de nosso passado quase recente – mas como
representante de uma nação soberana, disposta a discutir assuntos de interesse
recíproco, de forma séria e honrada.
Ao não transformar uma
conversa de trabalho em jantar de gala, Obama tratou o Brasil como o Brasil
quer ser tratado: um país que não se deixa engambelar por homenagens dessa
natureza. Não somos mais dirigidos por personalidades deslumbradas, que se sentem engrandecidas quando
são conduzidas ao Palácio de Buckingham em carruagens puxadas a cavalos brancos
e de arneses prateados, a fim de serem recebidos por uma rainha astuta.
As relações entre os
dois países podem, e devem, ser melhores do que nunca foram – desde que os
norte-americanos nos vejam em nossa devida dimensão. O Brasil, ao contrário de
certos desavisados, não tem a pretensão de liderar os paises sulamericanos, mas
sente o dever de defender a autodeterminação de seus vizinhos, como defende a
própria. Não queremos que nos estendam o tapete vermelho, mas que nos recebam
com o respeito que os amigos se merecem. Pelo menos, este é o sentimento do
povo brasileiro, ainda que não seja o de todos os seus diplomatas e homens
públicos.
A viagem de Dilma
Roussef deve ser entendida como um êxito. Tratou-se de uma conversa franca, e
não de troca de amabilidades chochas, ditadas pelas conveniências da
diplomacia. O confronto de interesses entre os dois grandes países é normal.
Anormal seria a subordinação dos interesses de um aos interesses do outro. As
discórdias se resolvem nos acordos e tratados, sempre que em benefício comum.
Do Blog CONVERSA
AFIADA.
Postado por SARAIVA13
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