Ele é advogado, mestre em economia e doutor em filosofia. Aos 48 anos, o ministro da Educação Fernando Haddad deixa neste janeiro o governo da presidenta Dilma Rousseff, onde comandou um dos maiores orçamentos do país – R$ 80 bi/ano – para participar da maior e mais importante disputa eleitoral de 2012: a eleição de prefeito de São Paulo.
Haddad o faz com o sentimento de dever cumprido. Manteve-se longe do que chama “a falsa escolha entre educação básica e educação superior”. Seguiu as orientações, primeiro do presidente Lula, quando assumiu a pasta em julho de 2005, e, depois, de sua sucessora, a presidenta Dilma. Ao longo de sua gestão, foi audacioso: estruturou a educação no Brasil, de A a Z.
Foi bem sucedido. Este paulistano de fala tranquila nos deu uma entrevista exclusiva e contou a este blog que teve o gosto de ver o Brasil citado, em destaque, pelos avanços que obteve na educação nos últimos anos em três relatórios internacionais - dois da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o terceiro, do Banco Mundial. Também participou de decisões que deverão ampliar os horizontes de boa parte da juventude deste país. Entre elas, a ampliação do financiamento dos cursos profissionalizantes técnicos, agora também para as empresas que desejarem apostar na educação de seus jovens funcionários. “E a juros negativos, ou a 3,4% ao ano”, detalha, com entusiasmo.
A todo jovem brasileiro, aliás, Haddad gostaria de dar a opção de escolher entre concluir a educação básica com um diploma de técnico, ou avançar ao nível superior, caso tenha esta vocação. “Esta é uma opção dada a todo jovem coreano, alemão, francês, americano. E por que não o seria no Brasil?”, pergunta-se.
Alvo de críticas sistemáticas devido a problemas pontuais na realização do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o ministro não se intimida. Defende-o como um modelo de prova mais inteligente e mais instigante que os vestibulares tradicionais, exatamente por exigir do aluno menos memorização e mais reflexão.
E rebate: a bateria de críticas beneficia explicitamente “uma indústria bilionária, toda ela montada para promover uma espécie de reserva de vagas para quem pode pagar cursinho”. Para o jovem ministro, a melhor resposta do sucesso do ENEM está nas cerca de 300 mil vagas oferecidas aos alunos do ENEM no próximo semestre. Mais outras 150 mil, no 2º semestre.
O entusiasmo quando fala de São Paulo evidencia sua condição de candidato pelo PT a prefeito da capital. Com o apoio explícito do ex-presidente Lula. Com um currículo no qual coleciona a passagem por diversos cargos públicos - entre estes, o de chefe de gabinete da Secretaria de Finanças da capital paulista na gestão Marta Suplicy - voltar à cidade tem um sabor especial. “Poderei ter uma rede própria de educação básica, geri-la e trazer para cá as experiências exitosas que o Brasil conheceu neste período e que não chegaram à cidade”, admite. Mas não é só. Candidato – e caso se eleja – quer centrar suas energias na melhoria do transporte urbano e no sistema de saúde da capital. Leia, a seguir, a entrevista:
[José Dirceu] Ministro, que balanço o senhor faz do tempo em que esteve à frente do MEC, desde o governo Lula até o de Dilma Rousseff?
[Fernando Haddad] Sem pular etapas, sem ter que fazer aquelas falsas escolhas entre educação básica e educação superior, nós promovemos a maior reforma do sistema educacional brasileiro e enfrentamos, de A a Z, todos os problemas estruturais deste sistema. Desde a educação infantil até a superior. Razão pela qual o nosso orçamento praticamente foi multiplicado por quatro ao longo dos últimos seis, sete anos. O orçamento previsto para 2012, incluindo tudo, vai a R$ 80 bi.
Promovemos a maior expansão da história em termos de creches e pré-escola, de escolas técnicas, de campi universitários, de bolsas de estudo – agora, inclusive, para o exterior.
O Ministério da Educação está, ainda, assumindo a responsabilidade pela formação de professores. Hoje o jovem vocacionado para o magistério estudará gratuitamente, mesmo em instituições particulares, por meio do financiamento estudantil. Ele, depois, abate o financiamento durante o exercício profissional, na rede pública, assim como os médicos do Sistema Único de Saúde (SUS).
[Dirceu] Em resumo...
[Haddad] Nós temos muito para fazer ainda, porque o ponto de partida, de onde tivemos que sair, nos prejudica demais. Entramos no sec. XXI na rabeira do mundo. Mas acho que o cenário, hoje, é muito promissor. Se a tendência da educação brasileira prevalecer nos próximos anos, vamos considerar a primeira década do século XXI como ponto de inflexão das políticas públicas na área da educação. E, para a nossa surpresa, todos os indicadores de qualidade reagiram num prazo que não seria previsível. Em geral, quando se começa a fazer investimentos, colhe-se os frutos desse investimento num prazo maior. Mas, tanto os exames nacionais, quanto os internacionais – nas provas de que o Brasil participa – já demonstram uma inflexão da curva de qualidade.
No Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), por exemplo, a média geral, depois da ampliação do número de questões, de 63 para 180, no ano de 2009, tem crescido. Ela foi de 501, em 2009 e de 511, em 2010.
No Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), criado em 2007, também evoluímos (veja quadro abaixo). Em 2003, a taxa de analfabetos foi de 11,6%. Em 2010, pelos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE), caiu para 9,6%.
Nós atingimos o pior patamar dos indicadores de qualidade no biênio 2000 – pelas provas internacionais - e 2001 – pelas nacionais. Foi o pior momento da educação brasileira e de lá para cá, sobretudo a partir de 2005, essa curva começa a reagir a ponto de chamar a atenção da comunidade internacional. Mas, depois disso, o Brasil foi destaque em praticamente todos os relatórios internacionais relativos à educação. Fomos citados em dois da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e em um do Banco Mundial. Todos deram conta de que alguma coisa muito importante estava acontecendo no Brasil a partir desse período.
[Dirceu] Com a retomada do crescimento no país, mais do que nunca ficou evidente a necessidade de uma juventude educada para fazer frente às demandas do novo ciclo econômico que vivemos. De 2001 a 2010 o país aumentou em 110% seu número de estudantes de ensino superior, batendo em 6,37 milhões. O problema é que, apesar desse crescimento expressivo, o Brasil ainda possui apenas 17,4% de seus jovens de 18 a 24 anos no ensino superior...
[Haddad] Nós estamos operando de forma a permitir que o jovem brasileiro – todos eles – tenham pelo menos uma de duas alternativas: ou a formação profissional de nível médio, ou a formação profissional de nível superior. Nesse contexto o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), lançado este ano, tem um papel chave. Ele é um reflexo da educação técnico-profissional daquilo que, no governo Lula, foi feito na educação superior.
No passado recente, a educação superior contou com vários mecanismos de promoção. A começar pela expansão e a interiorização das universidades públicas federais. Dobramos as vagas de ingresso. Também tivemos a criação dos institutos federais, que oferecem curso superior de tecnologia – aquelas graduações curtas, mas que têm grande impacto nos arranjos produtivos locais. E criamos o Sistema de Universidade Aberta do Brasil (UAB), que hoje tem mais de 600 pólos de operação. Houve, ainda, a criação do Programa Universidade para Todos (ProUNI), que em janeiro, agora, fecha mais de um milhão de bolsas concedidas. E Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), concedido a juros reais negativos, e em até 20 anos para pagar depois de formado, dá a possibilidade de as garantias (aval) serem pagas por um Fundo (Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo –FGEDUC, criado em 2010), que substitui o fiador. O FIES é uma revolução que já está acontecendo, mas que o grande público não teve ainda condição de aferir.
[Dirceu] O MEC vai usar esses mesmos mecanismos na educação de nível médio?
[Haddad] Vários mecanismos de promoção da educação superior nos permitiram até o momento mais do que dobrar as matrículas na educação superior. E tenho a convicção de que nos próximos dez anos vamos dobrá-las de novo. E o que a presidenta Dilma decidiu? Promover esses mesmos mecanismos para a educação profissional para o nível médio. Como? Os mesmos institutos que oferecem cursos superiores de tecnologia, agora, têm vagas reservadas para cursos técnicos de nível médio. Temos também o Sistema Escola Técnica Aberta do Brasil (Sistema e-Tec), que é a educação à distância de nível médio. E o aprofundamento da parceria do Sistema S (com Sesi, Sesc, Senai e Senac).
[Dirceu] Há quem diga que o Sistema S se desvirtuou, que está se privatizando...
[Haddad] Ao contrário. Estamos “republicanizando” o sistema no nosso governo. Estávamos perdendo o caráter público do sistema S. Estamos, agora, subordinando-o à lógica da educação pública. Comprometendo a contribuição cobrada das empresas com a gratuidade. E, agora, estabelecendo um nexo entre o ensino médio e o SENAI/SENAC. Assim, o jovem, além do ensino médio vai ter um 2º turno numa escola do SENAI e do SENAC. Ou seja, terá um ensino médio de tempo integral.
Por outro lado, o financiamento ao estudo vai atingir, também, o ensino médio técnico. Mas há outra medida: o financiamento também será oferecido para as empresas – ou seja, vai ser como uma espécie de Lei Rouanet para a educação profissional. A empresa vai poder tomar dinheiro a 3,4% ao ano - na prática, juros reais negativos - para formar a sua força de trabalho. Ou seja, tudo aquilo que promovemos para educação superior, estamos oferecendo, também, para o médio-profissional, trabalhando nesse guarda-chuva chamado PRONATEC.
[Dirceu] Qual é o papel do ensino médio na visão de educação do governo, hoje?
[Haddad] Eu tenho certeza que se cumpridas as metas do Plano Nacional de Educação 2011/2020 (PNE) – e o serão, com estes mecanismos – será permitido ao jovem brasileiro optar, como em qualquer país desenvolvido, em que momento de sua vida ele quer se profissionalizar. Se ele quer concluir a educação básica com um diploma de técnico, ou se ele quer avançar a nível superior, caso seja vocacionado para isso. O jovem coreano, alemão, francês, americano tem essas duas possibilidades.
A partir do ensino obrigatório de nove anos – que no Brasil passará para 12, com a mudança constitucional que nós promovemos – o jovem vai poder escolher qual a formação que deseja ter. E vai, inclusive, poder se arrepender de sua escolha. Em determinados países, ele não pode (se arrepender). No Brasil, o sistema que está sendo construído vai permitir cruzamentos no futuro que permitam a ele se reposicionar, se este for o caso.
[Dirceu] Essa, aliás, é uma tendência internacional em vários países. Mas, mudando de assunto. Que conselhos o senhor deixa para os seus sucessores?
[Haddad] Educação depende de continuidade. Depende de clareza sobre os propósitos de médio e de longo prazos. Eu entendo que o plano de desenvolvimento da educação do presidente Lula, lançado em 2007, é um marco na história da educação. Até porque conseguimos o apoio formal, por escrito, dos 27 governadores e dos 5.563 prefeitos à época. Hoje nós temos apoio de mais prefeituras. Não há precedente de um plano ter angariado o apoio formal de todos os prefeitos e governadores – independentemente do partido político do dirigente.
Naquele plano nós tínhamos metas de qualidade muito bem estabelecidas. Passamos a fazer um acompanhamento por meio de metas de qualidade fixadas por escola, o que é inédito no mundo. E divulgamos esses resultados de forma a permitir que as famílias acompanhassem a evolução da educação pública neste país. De lá para cá, as metas vêm sendo cumpridas.
[Dirceu] O senhor mencionou que o Brasil tem merecido reconhecimento no exterior. Como ele se deu?
[Haddad] Por exemplo, foi o 3º país que mais avançou no PISA (sigla em inglês do Programa Internacional de Avaliação de Alunos), o exame internacional de comparação entre países no campo da educação. No ano de 2000, a nossa média foi de 368 pontos; em 2009, 401. Foi uma evolução de 33 pontos.
Só perdemos para Luxemburgo e o Chile. Sendo que a renda percapita de Luxemburgo é altíssima. Ou seja, não dá para fazer essa comparação. Mas o Chile e o Brasil foram destaques por terem avançado mais para se aproximarem das médias dos países desenvolvidos. Enquanto o mundo desenvolvido manteve-se estagnado, o Brasil e o Chile evoluíram.
[Dirceu] Quando chegaremos a um nível razoável na educação brasileira?
[Haddad] Se nós nos mantivermos ao ritmo da década anterior, em mais dez anos nós não vamos ter nenhuma razão para termos preocupações com a questão da educação.
[Dirceu] E como o senhor vê o encaminhamento do Plano Nacional de Educação, o PNE 2011/2020?
[Haddad] A Câmara está prestes a aprová-lo, em março, sem grandes mudanças em relação ao projeto original. O Congresso calibrou melhor o texto do Executivo. Contribuiu para aprimorar as metas e as estratégias. Penso que teremos razões para olharmos para trás e nos orgulharmos do movimento que fizemos na era do conhecimento. Porque o Brasil não se preparou para essa era. Agora, sim, estamos nos preparando para ela.
[Dirceu] Já, a questão do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) nem vamos discutir aqui no blog. Há uma campanha articulada para desacreditá-lo. A “indignação” veiculada pela mídia contra as dificuldades enfrentadas pelo ENEM não se aplica a outros casos. Por exemplo, este mês, aqui em São Paulo, no concurso público da SABESP, quando foi preciso anular o exame para 389 vagas da estatal de saneamento paulista...
[Haddad] Mas eu gostaria, sim, de falar sobre o ENEM. Acho que tanto a Prova Brasil (realizada a cada dois anos, entre estudantes do 5º e do 9º ano do Ensino Fundamental de escolas da rede pública para as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, a fim de monitorar os índices de qualidade da educação) quanto o ENEM – o novo, ampliado para 180 questões, não o velho – ajudam muito as escolas. A escola estava sem referência sobre como organizar o trabalho do dia a dia. Mas, quando o MEC divulga antecipadamente uma matriz de conteúdos, com expectativas de aprendizado no final do Ensino Fundamental 1, no final do Ensino Fundamental 2, e ao final do Ensino Médio, o professor olha para aquela matriz e tem como organizar este trabalho, entende o que o Estado quer.
Eu tenho conversado muito com professores do ensino médio. E todos me disseram que o MEC os ajudou a organizar um plano de trabalho muito mais racional para os três anos do ensino médio. Os vestibulares, ao contrário, atrapalham a organização do currículo do ensino médio. Induzem a escola a sobrepor vários programas de vestibulares. E, aí, o professor fica perdido dentro daquele amontoado de conteúdo memorizável. No ENEM isso não ocorre. Há um conteúdo mais enxuto e ao professor é permitido se aprofundar em um aspecto ou outro e ensinar o aluno a pensar os fenômenos sociais e naturais. O aluno sente a diferença entre os modelos dos vestibulares tradicionais e o ENEM. Ele percebe estar fazendo uma prova mais inteligente, mais instigante, que exige menos memorização e mais reflexão.
[Dirceu] E como o senhor explica tanta resistência ao ENEM e tanta crítica?
[Haddad] Entendo esse movimento contra o ENEM. Ele desmonta uma indústria bilionária, toda ela montada para promover uma espécie de reserva de vagas para quem pode pagar cursinho. E qual é o percentual de brasileiros que pode pagar pelo cursinho?
Vou citar um dado interessantíssimo. A Universidade Federal do Ceará (UFCE) desistiu do vestibular e adotou o ENEM. E seus professores estavam com medo da invasão dos sulistas, sobretudo nos cursos de alta demanda. O que aconteceu com a adoção do ENEM? Aumentou o número de cearenses na universidade federal. Foram checar o que estava acontecendo. E perceberam que os alunos do interior, que antes não tinham a menor condição de ir até a capital fazer as provas de vestibular, com o ENEM, passaram a fazer as provas na sua própria cidade. E entraram na UFCE por mérito. Ou seja, agora, jovens talentos do interior do país passaram a ter uma oportunidade de, por mérito, conquistarem o acesso às universidades e às melhores vagas. Isto está acontecendo no Brasil inteiro.
[Dirceu] Apesar da campanha contra o ENEM, a cada ano nós temos mais universidades aderindo, mais inscrições no ENEM. Isso não é a prova do seu sucesso?
[Haddad] Sim. Vamos ter em torno de 108,5 mil vagas nas federais – só pelo ENEM. Ou seja, praticamente metade do sistema já migrou para o novo modelo. E devemos superar 193 mil vagas no 1º semestre (2012) no PROUNI. Quando nós chegamos ao MEC todas as federais juntas ofereciam 100 mil vagas. Hoje, nós estamos falando em cerca de 300 mil vagas só pelo ENEM. Isso só para o 1º semestre. No 2º serão outras 150 mil vagas (confira tabela abaixo).
[Dirceu] O ENEM é bem recebido pelos alunos?
[Haddad] Com as novas adesões ao exame houve uma mudança. Nós fizemos uma pesquisa sobre a satisfação dos alunos em relação ao ENEM. Descobrimos que quase 100% dos jovens brasileiros o conhecem e cerca de 90% o aprovam. É um erro grave, na minha opinião, o combate que os nossos adversários fazem a essa transformação do acesso à educação superior.
[Dirceu] O DNA da educação é o professor. O que o MEC tem feito por ele?
[Haddad] Há duas medidas adotadas por nós muito importantes nesse sentido. A primeira foi a criação do piso nacional salarial para o professor a partir da Lei 11.738/2008. O professor no Brasil ganhava o salário mínimo. Essa é que é a verdade. E hoje nós temos uma perspectiva de cumprir uma das metas do Plano Nacional da Educação (PNE) que é equiparar o salário médio do professor ao pago aos demais profissionais de nível superior. Com a Lei do piso, estamos promovendo esta equiparação. Até porque, quando se aumenta o teto, ocorre um “rebatimento” em toda a carreira.
A segunda questão é o princípio da gratuidade da formação do professor. Ou seja, se queremos fazer deste país uma nação com educação com qualidade, temos que, imediatamente, oferecer aos jovens vocacionados a graduação gratuita. Além da universidade pública, quando ele faz a sua licenciatura em uma universidade privada, implantamos um mecanismo que permite ao professor não pagar pelo FIES, que financia a sua formação. Depois de formado, se atuar em escola pública, ele terá a dívida com o financiamento perdoada. (Ele amortiza 1% do saldo devedor a cada mês trabalhado na rede pública.)
Criamos, ainda, uma bolsa chamada Bolsa de Iniciação à Docência. Ou seja, o professor não só não paga pela sua graduação, como recebe para, ao longo do tempo em que a faz, interagir com a escola pública, sobretudo nos dois últimos anos da licenciatura.
[Dirceu] Sobre a questão da federalização das escolas. Há quem defenda que isso permitiria a melhoria da qualidade do ensino básico. Qual é a sua posição a esse respeito?
[Haddad] Esta tese não tem o apoio da comunidade educacional. Nem a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e nem a Academia Brasileira de Ciências (ABC) a apóiam.
Mas eu acho que o MEC tem de estar cada vez mais presente na educação básica. Falei de medidas – a Prova Brasil, o ENEM, a formação inicial e continuada de professores, a distribuição de livros... Posso dizer que o MEC está cada vez mais presente no dia a dia da escola. Agora, com o programa Mais Educação, nós vamos terminar o mandato da presidenta Dilma com mais de 60 mil escolas com educação em tempo integral. É assim que a gente vai promovendo o chamado regime de colaboração na educação. É assim que eu vejo, inclusive, a questão do pacto federativo na questão da educação.
Nos Estados Unidos não se sabe se um aluno está numa escola municipal, estadual ou federal. Para a população aquele estabelecimento de ensino é apenas uma “escola pública”. O mantenedor não é relevante. O mais importante é que ela, a escola, seja apropriada pela comunidade e que respeite os padrões nacionais de excelência. Eu diria que o que está em jogo na melhoria da educação básica é mais uma questão de “nacionalização” da educação do que a de sua federalização.
Ou seja, ou a escola deve fazer parte de um plano nacional – de um pacto nacional pela qualidade. Para o cidadão, ficar discutindo se ela deve ser municipal, estadual ou federal, tem pouca ou nenhuma importância. O que ele quer saber é se aquele estabelecimento de ensino está garantindo um direito fundamental seu.
[Dirceu] Do ponto de vista da administração, o que é mais fácil de gerir – um ensino básico municipal, estadual ou federal?
[Haddad] Quanto mais perto da comunidade ele estiver, melhor. Essa é que é a verdade.
Dirceu] O problema é quando falta recurso... Dá-se a descentralização e as verbas não chegam à ponta. Eu sou favorável a se criar um fundo nacional para poder aumentar o salário dos professores. Há dois pontos dos quais não podemos nos furtar: um fundo nacional para os transportes coletivos – só aí vão uns R$ 200 bi; e o segundo, a necessidade de o governo federal bancar parte dos salários dos professores por meio de um fundo. Ou fazemos uma reforma tributária que repasse mais recursos para o município. [
[Haddad] Se a gente chegar num piso salarial nacional de R$ 2 mil para o professor, nós estaremos começando a falar sério sobre o assunto. Vamos chegar lá. Estamos indo nessa direção.
[Dirceu] Agora, vamos falar da sucessão em São Paulo. Como a visão de um ex-ministro, que ficou à frente de um dos maiores ministérios do governo – tanto em orçamento, quanto pela responsabilidade que pressupõe a formação das novas gerações – pode contribuir para a gestão de um município como é a capital paulista?
[Haddad] Primeiro, dediquei muito tempo da minha vida à formação. E sempre em áreas do conhecimento sempre vinculadas – direta ou indiretamente – à gestão do Estado e à questão do seu papel para a promoção do desenvolvimento sócio-econômico do país. Fiz Direito, na graduação, mestrado em Economia e doutorado em Filosofia. Depois do meu doutorado, participei da gestão da prefeita Marta Suplicy na prefeitura de São Paulo, como chefe de gabinete da Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico por quase 2,5 anos. Trava-se de uma secretaria que, à época, era muito sensível. Estava em pauta a recuperação das finanças municipais no período pós-Pitta.
[Dirceu] Só o prefeito Jânio deixou a cidade mais devastada que o prefeito Celso Pitta...
[Haddad] Não sei, não... Era um período em que realmente havia muito a fazer na secretaria de Finanças para dar condições de trabalho ao governo. Precisávamos investir apesar de herdarmos as finanças da maneira que herdamos. E, a bem dizer, o governo Marta conseguiu, em quatro anos, investir mais – e num período imediatamente pós-Pitta - do que os dois governos que nos sucederam na capital (José Serra, do PSDB, por um ano e quatro meses, Gilberto Kassab, do DEM-PSDB-PSD, nos outros 6,5 anos.
Esse é um paralelo interessante de ser feito. Como foi possível recuperar a cidade quando tínhamos um orçamento anual em torno de R$ 10 bi. Hoje é superior a R$ 30 bi...
[Dirceu] E sua passagem pela área econômica do Governo Lula?
[Haddad] Também assumi em um ano muito delicado – o de 2003, logo no início do primeiro mandato do presidente Lula. Recebi um convite do então ministro do Planejamento, atualmente da Fazenda, o Guido Mantega.
[Dirceu] Meu sonho, na época, era que o Senhor fosse secretário executivo da Casa Civil...
[Haddad] (Risos.) Naquela época (como ministro-chefe da Casa Civil) você comandava a Câmara de Política Econômica do governo e foi um momento delicadíssimo da gestão da política econômica do país. Foi ali que o Brasil começou a desenhar o que seria o atual modelo de desenvolvimento: blindagem contra crises externas, acúmulo de reservas, política fiscal e monetária muito mais afinadas para enfrentar os desafios, geração de emprego e renda, programas para melhorar a distribuição de renda... Foi um momento de gestação da política que hoje está em curso.
Esses dois momentos – tanto na Secretaria de Finanças da capital paulista, quanto no Ministério do Planejamento – foram importantes para minha formação de gestor público.
[Dirceu] E no MEC? Um ministério desse porte e dessa importância? O que ele lhe proporcionou?
[Haddad] Com a minha ida para a área social, o ganho foi diferente. Essa área nos obriga àquela humildade que só se tem quando se passa pelo comando de uma pasta destas. Foi no MEC que pude verificar de perto o quanto nós estávamos atrasados com relação à agenda que dialoga com a justiça no plano dos direitos. Foi quando vi o quanto esse país era desigual do ponto de vista democrático – não do ponto de vista da democracia formal, mas do ponto de vista da democracia substancial, aquela que diz respeito ao direito à saúde, à escola, à universidade.
Em situações como essas é que se começa a perceber que é preciso conjugar a administração da economia com um forte viés voltado ao combate à desigualdade, à promoção da democratização do acesso à escola e à universidade. É essa experiência que eu acho que posso trazer para São Paulo (como seu prefeito). Os companheiros do PT compreenderam essa oportunidade que dada em mais um momento difícil que a cidade vive. Como eu tenho dito, quero concorrer à prefeitura de São Paulo para ganhar a eleição e a cidade com um plano de desenvolvimento para uma das maiores metrópoles do mundo.
[Dirceu] O que dá para fazer?
[Haddad] O potencial que nós temos e o que nós estamos fazendo em São Paulo hoje está em descompasso. São Paulo é uma cidade pujante, que tem tudo para ser referência internacional. O Brasil hoje é uma referência internacional do ponto de vista de políticas públicas. Então é o caso de perguntar: “Por que São Paulo também não é?”. Se o Brasil hoje é visitado pelos organismos internacionais e pelos líderes mundiais que aqui vem para se equiparem para a superação de desafios que estão colocados no plano mundial, por que é que São Paulo, que já foi uma referência no passado, não pode voltar a sê-lo? E, aí, é óbvio que educação e mobilidade urbana são questões que estão na cabeça do paulistano. Por que não dar um salto de qualidade?
E tem um gosto, um sabor a mais, disputar a eleição em São Paulo. Depois de ter passado pelo MEC, poderei ter uma rede própria de educação básica. Geri-la e trazer para cá as experiências exitosas que o Brasil conheceu neste período e que não chegaram à cidade. Em virtude, até, de uma visão míope sobre o que é parceria federativa – visão que presidiu as relações da União com o município até aqui. Nós temos condições de trazer a prosperidade do governo Lula e do governo Dilma para a cidade de São Paulo. E nós temos condições de transformar a realidade local e aliar o Brasil com a cidade de uma maneira virtuosa. Gostaria de transformar São Paulo em uma usina de produção de ideias, inclusive para outras realidades metropolitanas que sofrem os mesmos problemas que nós.
[Dirceu] O que significa o PT ganhar a prefeitura de São Paulo no contexto atual?
[Haddad] Precisamos reconhecer que tivemos administrações do PT no município, de grande importância, que precisam ser resgatadas, como, por exemplo, as das prefeitas Luiza Erundina e Marta Suplicy. O projeto de transporte público que nós estávamos desenvolvendo (gestão Marta) com a construção de corredores de ônibus, melhoria das condições de transporte, o bilhete único... Tudo isso foi abortado pelas administrações que nos sucederam.
Poderíamos ter dado um impulso àquele plano da administração Marta, elaborado por especialistas – não era um programa de partido. Na questão da educação, com os Centros Educacionais Unificados (CEUs), também, houve um corte. Pretendia-se fazer, a partir da implantação dos CEUs na cidade, a descentralização da cultura, do esporte, do lazer, da educação ambiental...
[Dirceu] Qual a sua visão da área de Saúde?
[Haddad] Pouca gente valoriza, mas àquela época, no governo Marta, houve o desmonte do PAS, um sistema absolutamente privatizado e opaco do ponto de vista dos recursos públicos instituído pelo prefeito Paulo Maluf. E foi um gesto de muita ousadia a prefeita ter inserido o município no Sistema Único de Saúde (SUS). Hoje São Paulo tem alguma perspectiva na área da saúde em função desta decisão tomada dez anos atrás. Àquela ocasião, optou-se por inserir, integrar, de acordo com a Constituição, o sistema de saúde municipal ao SUS. Mas isso, também, não teve os desdobramentos que se pretendia.
Um outro ponto que eu enfatizaria – não menos importante – é a questão da articulação do sistema de saúde pública. Nós temos um sistema único na saúde, porém desarticulado. Sua articulação é uma tarefa – do ponto de vista de gestão – ainda a ser executada. É preciso articular o sistema na cidade de forma que as pessoas tenham clareza sobre a quem recorrer em casos específicos.
[Dirceu] O senhor está com a candidatura consolidada, o PT está unificado, e a eleição em São Paulo vai ser a mais importante do país. Como pretende articular as alianças para sustentar a sua candidatura à prefeitura?
[Haddad] Nós temos as resoluções do partido que precisam ser observadas. Tanto no plano nacional, quanto no local. (No plano federal)Temos a base de sustentação do governo Dilma, que nos dá um norte. E temos, evidentemente, que olhar para o projeto nacional e para a condução que a presidenta vem dando para o país, que tem forte aprovação da sociedade. E aguardar a evolução do quadro aqui. Partidos da base de sustentação do governo Dilma podem ter pretensões de lançar candidatos próprios, o que é absolutamente legítimo.
Precisamos ter em mente sempre que esta é uma eleição de dois turnos. É preciso ver a evolução disto até abril, maio... Avaliar como é que o quadro vai se delinear, para (tratarmos) de alianças no 1º turno. Até porque São Paulo pelas suas dimensões e importância, não pode estar descolada do processo político do país. Muito pelo contrário...
Nenhum comentário:
Postar um comentário