por Luciano Martins Costa, em Observatório da Imprensa
Demorou, mas finalmente a chamada grande imprensa – ou pelo menos os jornais paulistas O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo – admitem em seu noticiário a existência do livro A privataria tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr.
Nas edições de quarta-feira (28/12), os dois diários reproduzem uma nota distribuída pela filha do ex-governador José Serra, Verônica, na qual ela se defende das acusações contidas no livro.
Coincidentemente, a revista Veja, que até o começo da semana ignorava a existência da obra, acaba de descobrir que o livro de Ribeiro Jr. é um best-seller e o inclui em sua lista dos mais vendidos. Mas faz uma média esquisita e, em vez de situá-lo em segundo lugar, conforme indicado pelas livrarias Cultura, Saraiva e Publifolha, decide que é o sexto mais vendido.
Já que a filha do ex-governador se manifestou, pode-se esperar que, antes de acabar o ano, os jornais ainda venham a tomar a iniciativa de publicar uma resenha do livro ou entrevistar o autor.
Sem notícia
Verônica Serra é apenas uma das pessoas citadas por Amaury Ribeiro Jr., entre parentes e amigos de José Serra, como acusadas de manter negócios em paraísos fiscais, para movimentar dinheiro das privatizações. Ela nega ter sido sócia de outra Verônica, irmã do banqueiro Daniel Dantas.
Ela afirma que apenas participou, com Verônica Dantas, do conselho da empresa Decidir, que fazia checagem de crédito, verificação de identidade e processamento de assinaturas eletrônicas. Cada uma delas representava um investidor diferente. Argumentando que “participar de um mesmo Conselho de Administração, representando terceiros, não caracteriza sociedade”, Verônica Serra afirma que nem chegou a conhecer a irmã e sócia de Dantas.
A filha do ex-governador diz também que é mentira a afirmação, contida no livro, de que foi indiciada pela Polícia Federal por quebra de sigilo financeiro. No texto que complementa sua nota, a Folha informa que, em 2001, a Decidir, de cujo conselho Verônica Serra participava, foi alvo de inquérito da Polícia Federal por suposta quebra de sigilo de dados de milhares de correntistas no Brasil. O processo contra a empresa corre na Justiça desde 2003 e não há notícias na imprensa sobre essa acusação.
Se ela foi ou não indiciada, é fácil verificar: basta acessar o site da Justiça Federal em São Paulo e digitar 0 número 0000370-36.2003.4.03.6181. O nome de Verônica Allende Serra está lá.
Agora é notícia
A declaração da filha do ex-governador e ex-ministro – que foi publicada originalmente no blog de Eduardo Graeff, ex-secretário geral da Presidência durante o governo Fernando Henrique Cardoso — é a primeira informação relacionada ao livro de Ribeiro Jr. publicada pelos jornais de circulação nacional. Antes disso, apenas referências em alguns artigos e frases esparsas.
O silêncio em torno do livro – que se tornou um fenômeno de vendas assim que foi lançado, há duas semanas – era motivo de constrangimento para a imprensa, diante da grande repercussão de suas denúncias através da TV Record e das redes sociais na internet.
Afora um ou outro artigo, quase todos condenando liminarmente a obra, mesmo sem ter havido tempo para a leitura de suas mais de 300 páginas, os jornais se negavam a reconhecer sua mera existência.
Se os jornais entendiam que a reportagem de Amaury Ribeiro Jr. não tem fundamento, deveriam ter entrevistado Verônica Serra e dado espaço para sua defesa. Com a omissão, apenas estimularam a torrente de comentários na internet, que agravou ainda mais o efeito das denúncias.
O fato de ela ter preferido o blog de Eduardo Graeff dá um caráter partidário à sua nota e causa certo estranhamento – por que publicar no blog de um amigo e correligionário e não na imprensa tradicional?
Na introdução ao texto de Verônica Serra, Graeff se refere ao livro como “o mais recente dossiê fabricado contra o PSDB”, indicando claramente a intenção dos gestores de crise encarregados de lidar com o caso de manter a questão no ambiente político-partidário.
Personalizando a questão na simpática figura de Verônica Allende Serra e estendendo a polêmica ao âmbito partidário, quem sabe a imprensa esqueça de investigar as acusações contidas no livro a outros personagens ligados ao ex-governador.
Nem o dono do blog nem Verônica se referem ao fato – admitido por Ribeiro Jr. – de que a investigação contra parentes e amigos de José Serra foi iniciada como reação do ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves, também do PSDB, no contexto da disputa entre os dois políticos pela candidatura a presidente da República.
Em sua declaração, Verônica Serra rebate algumas das acusações contidas em A privataria tucana e promete recorrer à Justiça. Segundo a Folha de S.Paulo, ela vai processar não apenas o autor do livro, mas também os veículos de comunicação que têm reproduzido partes de seu conteúdo.
Se isso for verdade, finalmente teremos o assunto nas páginas dos jornais.
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