O relatório da fundação “Centre for Cities” renovou a existência de um norte-sul da Grã Bretanha, com dois tipos de cidades e dois estilos de crise. O vendaval econômico está arrasando lugares como Liverpool, Hull, Sunderland e Swansea que dependem em grande medida do emprego estatal, variável de ajuste da atual crise. Já Londres, Cambridge ou Edimburgo sobrevivem graças a sua capacidade de ímã com respeito ao investimento privado e a uma força de trabalho altamente qualificada.
Marcelo Justo - Direto de Londres
É a história de duas cidades, de Charles Dickens, em outro contexto e em grande escala. Alguns dias do início do Fórum Social Temático 2012, em Porto Alegre, o relatório da fundação “Centre for Cities” renovou a existência de um norte-sul da Grã Bretanha, com dois tipos de cidades e dois estilos de crise. O vendaval econômico está arrasando lugares como Liverpool, Hull, Sunderland e Swansea que dependem em grande medida do emprego estatal, variável de ajuste da atual crise. Já Londres, Cambridge ou Edimburgo sobrevivem graças a sua capacidade de ímã com respeito ao investimento privado e a uma força de trabalho altamente qualificada.
Em um certo sentido, nenhum canto do Reino Unido escapou da crise que sacode a Europa. O desemprego aumentou em todas as cidades britânicas e alcança hoje 8,3%, mais de dos milhões e meio de pessoas, maior porcentagem desde 1994. E, com a segunda recessão em três anos à vista, tudo aponta a uma piora. No último trimestre de 2011, havia 128 mil desempregados a mais que no trimestre anterior. A situação não se agravou da noite para o dia: é uma onda histórica de longo alcance. Em 1979, Margaret Thatcher ganhou as eleições com um famoso cartaz que criticava o milhão de desempregados: “Labour is not working” (jogo de palavras: Labour é “trabalho” e “Trabalhismo”, working é “trabalhar” e “funcionar”). A projeção é de que em 2012 serão três milhões de desocupados.
Estas cifras globais escondem, além disso, a extraordinária brecha geográfica que divide a Grã Bretanha. O desemprego em uma cidade como Cambridge, tradicional centro universitário e berço eterno de Prêmios Nobel, é de 1,8%. Na nortista Hull são 8%. Se comparadas estas cifras com as de desocupação durante a crise de 2008, se nota que a brecha entre ambas as cidades duplicou de 3,1 % a 6,2%. Até os pobres destas cidades esquecidas, são muito mais pobres dos de lugares com mais linhagem. Nas zonas de maior exclusão social de outra cidade nortista, Rochdale, há seis vezes mais pessoas que recebem seguro-desemprego que em áreas similares de Cambridge.
As cidades com escasso investimento privado e as que têm uma forte presença de operários da indústria pesada são as mais atingidas pela atual crise. Esta situação não é nova, mas se aprofundou nos últimos dois anos. O drástico ajuste fiscal anunciado pela coalizão conservadora-liberal democrata em outubro de 2010 calculou que se produziria uma perda de cerca de 500 mil empregos no setor público até 2015, fim do período governamental. O cálculo, que produziu gritos de horror naquele momento, era até generoso: a conta final será de 700 mil pessoas na rua. A cidade com o mais baixo nível de emprego do Reino Unido, Swamsea, perderá 5,6% de seus postos estatais nos próximos quatro anos.
A indústria, que em um primeiro momento parecia escapar da crise graças à desvalorização da libra, sentiu no último meio ano o dobro do impacto da crise do euro e da própria contração do mercado interno. Longe de ser o motor de uma recuperação econômica, entrou novamente no plano inclinado que constitui sua existência desde o Thatcherismo. Se em 1979 havia uns sete milhões de operários, hoje a cifra é de 2,5 milhões e a sangria não parece ter terminado.
Este panorama econômico tem um correlato social. O relatório mostra que seis cidades do norte, entre elas Liverpool, sofreram uma hemorragia populacional devido às escassas perspectivas econômicas. O pólo oposto são imãs como Cambridge que conseguiram desenvolver uma “indústria do conhecimento” com sua reputação de Silicon Valley inglês. Em 2010 registrou mais patentes por 100 mil residentes que as seis cidades que lhe seguiam na comparação.
O desemprego juvenil é particularmente preocupante. Em outra cidade, Grimsby, uma de cada dez pessoas com menos de 25 anos recebe o seguro-desemprego. Em York a proporção é um a cada 40. Apesar dos distúrbios que pipocaram nas zonas pobres das grandes cidades em agosto, segundo o Left foot Forward, um influente blog de centro-esquerda, não há políticas governamentais específicas que levem em conta esta disparidade geográfica. A diretora de Centre for Cities, Alexandra Jones, prevê um agravamento da atual situação. “Este ano vai ser muito duro. Algumas cidades já foram muito castigadas pela recessão. O governo deveria intervir mais ativamente para ajudar as cidades a se adaptarem à economia global”, destacou Jones.
Tradução: Libório Junior
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