Há 30 anos, no dia 19 de janeiro, a música popular brasileira perdia uma de suas grandes intérpretes, a gauchinha também conhecida como Pimentinha por seu ardor em defesa do que acreditava.
Por Marcos Aurélio Ruy*
Elis entrou em definitivo para o cenário artístico nacional após ganhar o prêmio como revelação no Festival da TV Excelsior em 1965 com a música “Arrastão”, de Vinicius de Moraes e do também estreante Edu Lobo. Daí nem diante a empatia com o público foi marcante numa época conturbada devido à ditadura militar e à enorme discussão que se travava em torno do caráter nacional de nossa arte. Os anos 1960 foram cruciais nesse debate com a forte penetração do rock em nossa música. Inicialmente com muita controvérsia e o embate se dava entre defensores da tradição mais purista da música brasileira e aqueles que aderiam ardentemente o ritmo norte-americano.
A cantora gaúcha chegou até a participar de passeatas contra a entrada da guitarra elétrica na MPB, mas posteriormente foi solidária à cantora de rock brasileiro Rita Lee quando Lee foi presa por envolvimento com drogas. Essas atitudes marcaram toda a curta carreira da grande intérprete de 1,53 metro de altura e uma voz imponente, única, guardada para sempre no imaginário popular. Ela valorizava tanto sua voz que foi a primeira pessoa a inscrever a voz como instrumento musical na Ordem dos Músicos do Brasil.
Começou sua carreira aos 11 anos de idade na Rádio Farroupilha, de Porto Alegre, onde nasceu no dia 17 de março de 1945, no programa “O Clube do Guri”. Com apenas 16 anos lançava seu primeiro LP “Viva a Brotolândia”. Mas o sucesso só veio após ela ter contrato com gravadora e passar a morar no Rio de Janeiro e depois em São Paulo, onde ficou até a sua morte, e participar dos grandes festivais de MPB e se destacar com suas interpretações únicas. Perdeu a chance de ficar registrada como a primeira a gravar Chico Buarque, por não gostar da referida timidez do grande compositor, ao menos nas palavras da própria cantora.
Foi convidada pela TV Record, de enorme audiência na época, para apresentar o programa “O Fino da Bossa” ao lado de Jair Rodrigues. O programa faria grande sucesso por apresentar artistas variados da MPB com grandes canções de protesto inclusive. Daí sua carreira decolaria de vez. Sendo que em 1966, Elis criou o selo Artistas e lançou o primeiro disco brasileiro independente “Viva o Festival da Música Popular Brasileira”.
Elis Regina sabia escolher seu repertório, o que lhe dava ainda mais notoriedade. Suas interpretações eram únicas e estão eternizadas no imaginário popular. Além disso, ela gravou novatos que hoje estão entre os grandes compositores de MPB. Quem consegue ouvir “O Bêbado e a Equilibrista”, dos então desconhecidos João Bosco e Adir Blanc, hino da Anistia, sem ligar a canção à voz penetrante de Elis? Assim como sua marca ficou para sempre em “Maria, Maria”, de Milton Nascimento e Fernando Brant, hino das feministas brasileiras. Também o nome dela vem à mente imediatamente ao início dos acordes de “Como Nossos Pais”, de Belchior. Assim como “Upa, Neguinho”, de Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri, de “Romaria”, do então desconhecido Renato Teixeira e da já citada “Arrastão”. Também gravou Tom Jobim, Adoniran Barbosa, Lupicínio Rodrigues, Gonzaguinha, Gilberto Gil, Rita Lee, Chico Buarque e muitos outros.
Apenas por esses poucos exemplos citados pode-se notar a forte personalidade artística da cantora, seu ecletismo e a vontade de valorizar a música brasileira, respeitando nossas raízes, mas buscando inovações, sem medo de ser feliz. A grande cantora teve a sua voz silenciada não pelos “gorilas”, como ela própria se referiu aos militares que governavam o país, mas pela cocaína misturada ao álcool, antes ainda de completar 37 anos, no dia 19 de janeiro de 1982, mas suas criações estarão para todo o sempre em nosso imaginário pela garra que transmitiu e pela qualidade de seu canto. Seu riso largo e fácil, sua personalidade marcante, sua força de vontade para transpor barreiras, sua vivacidade, sua defesa da cultura nacional, mesmo que possamos discordar dela, mas, sobretudo o único instrumento musical que possuía, sua voz viraram patrimônio de um país que tinha em seus artistas grande bastião de resistência à ditadura fascista, para atingir o que tanto se ansiava: a liberdade. Suas interpretações ainda encantam um país inteiro.
*Colaborador do Vermelho
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