A decisão da União Européia de reconhecer o arquipélago das Malvinas como seu território, endossando as posições belicistas do premier britânico, David Cameron, que aprovou um plano para aumentar o contingente militar nas ilhas, serve para reacender um dado histórico que nunca deve ser esquecido.
por Gilson Caroni Filho, em Carta Maior
A decisão da União Européia de reconhecer o arquipélago das Malvinas como seu território, endossando as posições belicistas do premier britânico, David Cameron, que aprovou um plano para aumentar o contingente militar nas ilhas, serve para reacender um dado histórico que nunca deve ser esquecido: a tragédia dos países da América Latina, com seu fundo aberrante de exploração, miséria e desculturalização é uma só e com os mesmos inimigos – o neocolonialismo europeu e o imperialismo estadunidense.
Uma atualização política do “currency board”, sistema inventado pelo império inglês para controlar seus domínios. Se nele, a colônia não tem autonomia nenhuma e a economia flutua ao sabor do déficit comercial, na geopolítica, que se afigura ameaçadora, os países periféricos voltam a orbitar em torno dos ditames das grandes potências. Cameron tira as gravatas de seda e os ternos alinhados para, três décadas depois, reafirmar a retórica de Margareth Thatcher.
Do convés do destróier Antrim, atravessado por uma bomba que não explodiu, Thatcher pronunciou o último discurso no seu giro de cinco dias pelas Malvinas: “Uma coisa tem que ficar clara: estas ilhas são britânicas, seus habitantes são súditos da rainha Elisabeth II e querem permanecer como tais”.
Dirigindo-se aos jornalistas que acompanhavam, ela reiterou que “não se pode negociar a soberania com os argentinos. Estendemos as mãos à Argentina. Não responderam. Confiamos em que eles o farão um dia. Mas não negociaremos a respeito de nossa posição soberana”.
Cameron deve ignorar que o tempo histórico tem suas razões, que devem ser levadas em conta. A aventura do regime militar de Leopoldo Galtieri tinha como objetivo a permanência indefinida no governo, todo o tempo que fosse possível. Em 2012, Cristina Kirchner representa um modelo político em andamento na região há algum tempo, mais democrático de fato, humanizado e com ênfase nas reformas estruturais necessárias após o desmonte promovido pelo neoliberalismo. Ao contrário do “reel”, dança típica inglesa, o tango se dança em silêncio, não contam tanto as palavras, mas os movimentos e os gestos.
A autodeterminação dos Kelpers, argumento central de Thatcher e Cameron, encerra uma contradição difícil de superar. Como podem reivindicar a cidadania britânica e o direito à autodeterminação? O que temos, de fato, é uma ocupação colonial permanente travestida de “independência”. Não há mais condições objetivas para o oprimido fazer sua uma memória fabricada pelo opressor.
Convém recordar que se há 30 anos os países da América Latina foram muito além do previsível em seu apoio aos direitos argentinos, não cedendo um metro do seu território para que aviões militares fizessem escala, a resistência seria bem mais intensa com a região estruturada em comunidades como a Unasul e a Celac. Uma empreitada militar teria custos políticos bem mais profundos do que podem imaginar seus idealizadores.
Nada impede o início de discussões bilaterais sobre as Malvinas. Há para isso um antecedente importante: o documento celebrado em 1968 com a Argentina pelo governo trabalhista de Harold Wilson, que só não entrou em vigor, devido ao adiamento por causa da campanha eleitoral, e à vitória do conservador Edward Heath, depois, nas eleições de 1970.
Seu artigo 4 era bem explícito. “O governo de sua Majestade Britânica reconhecerá a soberania argentina sobre as ilhas a partir da data a ser combinada. Essa data será fixada tão logo o governo de sua Majestade Britânica esteja satisfeito com as garantias e salvaguardas oferecidas pelos governos argentinos para defender os interesses dos seus habitantes.”
Como se vê, há uma saída para um impasse. Majestática, britânica e sensata. Algo que seria bem apreciado no sul do nosso continente.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil
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