Ilusionismo: a TV faz é como o mágico que distrai o público com o lenço enquanto tira o pombo da cartola. Assistimos a truques assim todos os dias no telejornalismo brasileiro
Por: Laurindo Lalo Leal Filho
A maioria dos brasileiros só se informa pela televisão e, quase sempre, fica mal informada. Todos os dias as emissoras selecionam e transmitem inúmeras notícias, mas o que não bate com seus interesses comerciais e políticos fica de fora. A desinformação, no entanto, acontece também no que é mostrado. As notícias veiculadas são organizadas e editadas segundo esses mesmos interesses.
Há dois exemplos significativos. Um, de mais de 20 anos, só agora revelado. Trata-se do famoso debate Lula-Collor de 1989. Sabia-se que ele havia sido editado para ser exibido no Jornal Nacional, de modo a ressaltar os melhores momentos de Collor e os piores de Lula. Sua exibição, dessa forma, às vésperas das eleições, influenciou um grande número de eleitores, conforme mostraram pesquisas na época.
A Celac definiu como um dos seus princípios básicos a defesa das democracias nos países-membros. Alguém soube disso através da TV?
A manipulação, no entanto, não ficou só aí. José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, um dos principais executivos da Globo naquela ocasião, revelou em seu livro recém-lançado a dimensão real do episódio. O debate não foi manipulado apenas na edição levada ao ar. Os truques começaram bem antes, uma vez que, segundo o próprio Boni, a emissora “tomou partido” e “produziu” o debate para beneficiar o ex-governador alagoano.
“Eu achei que a briga do Collor com o Lula nos debates estava desigual, porque o Lula era o povo e o Collor era a autoridade. Então, nós conseguimos tirar a gravata do Collor, botar um pouco de suor, com uma glicerinazinha, e colocamos as pastas todas que estavam ali, com supostas denúncias contra o Lula. Mas as pastas estavam inteiramente vazias ou com papéis em branco”, revelou Boni.
Se você acha que isso é coisa do passado e não acontece mais, está enganado. Em dezembro, ocorreu em Caracas, na Venezuela, um fato capaz de dar à América Latina e ao Caribe a primeira oportunidade real de romper com as dominações externas mantidas sobre o continente há mais de 500 anos. Foi criada a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), reunindo 33 países da região, deixando de fora os Estados Unidos e o Canadá, que sempre dominaram a Organização dos Estados Americanos (OEA), até então o principal organismo multilateral do continente, chamada com muita propriedade de “ministério das colônias” pelo então presidente de Cuba, Fidel Castro.
Trata-se de um grito de libertação dos países situados ao sul dos Estados Unidos. Dois séculos depois do rompimento dessas nações com as metrópoles espanhola e portuguesa, dá-se continuidade a uma luta conjunta em busca da autodeterminação política e econômica, livre das imposições dos impérios modernos.
A Celac definiu como um dos seus princípios básicos a defesa das democracias nos países-membros. Se em algum deles a ordem institucional for rompida, a expulsão é imediata. A medida busca evitar a repetição de fatos recentes como o golpe de Estado que depôs o presidente de Honduras, Manuel Zelaya, em 2009, e a tentativa frustrada de tomar o poder pela força no Equador, em setembro de 2010.
Alguém soube disso através da TV? Não que a televisão brasileira não estivesse lá. Estava, mas não para mostrar a dimensão histórica do que ocorria em Caracas. Tudo que era importante foi escondido e, para não perder a viagem, o Jornal Nacional colocou no ar o questionamento feito à presidenta Dilma Rousseff sobre uma declaração de amor feita a ela, no Brasil, por um ministro em vias de demissão. Surpresa, Dilma foi gentil e respondeu à pergunta descabida e fora de lugar. Ao telespectador restou receber uma informação supérflua em prejuízo do essencial.
O caso revela que as distorções ocorridas em torno do debate presidencial de 1989 não são exceções. Ao contrário, trata-se de uma prática comum, embora menos perceptível. A TV acaba fazendo como o mágico, que chama a atenção para o lenço enquanto, sem o público perceber, tira o pombo da cartola, na feliz imagem do sociólogo francês Pierre Bourdieu. Infelizmente, assistimos a essa mágica todos os dias no telejornalismo brasileiro.
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