Acabei de ler agora um dos melhores livros lançados no Brasil nestes últimos anos: A vida quer é coragem - A trajetória de Dilma Rousseff, a primeira presidenta do Brasil, escrito pelo jornalista Ricardo Batista Amaral e publicado pela Editora Sextante.
Recebi um exemplar em dezembro e automaticamente eu o coloquei na pilha de livros de amigos que deixo para ler nas férias. O problema é que tenho muitos amigos que escrevem muito e os dias de folga são poucos.
Confesso que não me animei muito a ler o livro de Amaral porque imaginava se tratar de uma história que já conhecia, sem muitas novidades. Fui convencido a lê-lo pelo próprio autor num almoço que tivemos no começo desta semana.
A insistência de Amaral tinha um motivo: foi por indicação minha que ele se tornou assessor de imprensa da então candidata Dilma Rousseff, primeiro na Casa Civil e depois na campanha presidencial. Por isso ele queria saber minha opinião sobre o livro.
Não pude aceitar o convite feito no começo de 2010 por Dilma, com quem havia trabalhado nos dois primeiros anos do governo Lula, para cuidar da área de imprensa na campanha que então começava. Ao terminar de ler o livro, acho que acertei ao indicar o velho amigo, um dos mais competentes e respeitados jornalistas de Brasília já faz muito anos.
Por ter vivido a companha por dentro do início ao fim, pensei que Amaral, mineiro como Dilma, se limitaria a contar bastidores da disputa eleitoral e contar como Dilma chegou lá.
Pois o livro é muito mais do que isto. Ao resgatar, desde a infância, a história da menina de alta classe média de Belo Horizonte, mostrando como era a vida na cidade e no país no começo da segunda metade do século passado, e as circunstâncias políticas que a levaram à clandestinidade e à prisão ao se engajar em organizações de esquerda que lutavam contra a ditadura militar, Amaral escreveu o romance da vida real de uma época.
Como está no título, a travessia de Dilma, da tortura nos porões do DOI-CODI à vitória nas eleições presidenciais de 2010, é acima de tudo uma história de coragem e de superação das dificuldades, em que a nossa presidente se torna o personagem-símbolo de toda uma geração de brasileiros à qual pertenço.
O melhor resumo desta história de quatro décadas, da ditadura à democracia, é uma foto em preto e branco de Dilma, aos 21 anos, tirada em novembro de 1970, durante um interrogatório na Auditoria Militar, no Rio, após ter sido torturada durante 22 dias seguidos.
De cabelos curtos, corpo ereto na cadeira do réu, olhar altivo, não vê a vergonha dos seus interrogadores que escondem o rosto com as mãos. Está na contra-capa do livro, mas deveria ter saído na capa.
Com tantos ingredientes dramáticos, Ricardo Amaral escapou da tentação de tratar sua personagem como heroína, retratando-a apenas como uma cidadã brasileira que teve um destino incomum, sem cair na pieguice ou na louvação, alternando as conquistas, os sofrimentos, os acertos e os erros na vida dela até chegar ao Palácio do Planalto.
A perda do pai aos 15 anos, os amores e desamores na época da clandestinidade, a vida na prisão com outras mulheres torturadas que a reencontrariam na festa da posse no dia 1º de janeiro do ano passado, a luta contra o câncer no ínicio da campanha eleitoral, a "guerra santa" deflagrada por seu adversário no final do primeiro turno da campanha e que quase lhe custou a vitória, o triste papel da grande imprensa partidária, a sólida aliança política e afetiva com Lula, o primeiro presidente operário que elegeu na sua sucessão a primeira mulher _ está tudo lá neste brilhante livro-reportagem de quem testemunhou boa parte da recente história política do país.
Acima de tudo, trata-se de um livro muito bem escrito, coisa rara no jornalismo atual, com uma narativa que amarra o leitor da primeira à última linha, mesmo aqueles que já conhecem parte da história. Posso dizer que o livro me ajudou a conhecer melhor a presidente Dilma e o valor que ela dá à lealdade, mesmo correndo risco de vida _ e por isso a admiro ainda mais.
Este é um livro (são 304 páginas que valem os R$ 39,90 cobrados) que eu gostaria de ter escrito. Não o deixem de ler. É uma história muito bonita que foi muito bem contada. Valeu, xará.
Reproduzo abaixo o parágrafo final do livro para vocês terem uma ideia do que escrevi acima:
Fácil, para ela, nunca foi. Dilma teve de superar todos os desafios que a vida colocou diante dela ao longo do caminho: a condição feminina numa sociedade machista, a militância na clandestinidade, a tortura, a cadeia, a luta tantas vezes áspera pela democracia, o desafio de participar do primeiro governo dirigido por um trabalhador no Brasil, a superação do câncer e uma campanha eleitoral duríssima, em que a candidata estreante enfrentou um dos mais experientes políticos do país. A chave para entender esta trajetória talvez esteja na citação do escritor João Guimarães Rosa, que Dilma escolheu para seu discurso de posse, em 1º de janeiro. No romance "Grande Sertão: Veredas", ela foi buscar o seguinte trecho:
"O correr da vida embaralha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem".
Publicado no Blog Balaio do Kotscho
Postado por O TERROR DO NORDESTE
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