ENTREVISTA COM FERNANDO
HADDAD, CANDIDATO A PREFEITO DE SÃO PAULO, CONCEDIDA AO PORTAL DO JORNALISTA
LUIS NASSIF
Luis Nassif: O ex-ministro Haddad tem conhecimento de São
Paulo dos tempos em que participou do governo Marta[Suplicy, prefeita de São
Paulo entre 2001 e 2004], mas nunca fez campanha política. Ele é o nosso
entrevistado de hoje para apresentar suas propostas para São Paulo e,
principalmente, discorrer sobre a experiência de ser um candidato a um cargo
eletivo. Como tem sido esses primeiros dias, Haddad?
Fernando Haddad: Olha, é uma experiência nova por um lado,
mas é um desdobramento natural da minha trajetória, por outro. Eu fiz a
carreira acadêmica, tem uma particularidade: eu abordei direito, economia e
filosofia, mas sempre tendo o mesmo objeto de consideração que é o Estado, como
é que o Estado pode ajudar a sociedade a se emancipar, como promover, através
do Estado, liberdades e direitos sem intervir na vida das pessoas, que é a
preocupação do liberalismo. E a minha participação na administração pública
acabou sendo um desdobramento da minha carreira acadêmica.
Luis Nassif: Nessa parte acadêmica, qual era o seu grupo
político e quais eram os ideólogos?
Haddad: Como eu transitei pela Universidade de São Paulo em
várias faculdades, não fiquei em uma só, eu tive professores que eu lembro até
hoje, até pela amizade que mantive com eles desde então. Mas, por exemplo, na
faculdade de Direito, o Dalmo Dallari, Fábio Comparato, o Goffredo da Silva
Telles, eram as maiores referências intelectuais. Depois, na faculdade de
Economia, também tinha um grupo de pessoas como o Paul Singer, Leda Paulâni, e
os nossos colegas, até hoje, do mestrado, como Reynaldo Fernandes, Paulo
Piquete... e lá na filosofia, Rui Fausto, Marilena Chauí, Paulo Arantes,
Roberto Schwartz. Eu acabei tendo muita sorte, eu acabei circulando pela USP em
um momento em que ela dispunha de um corpo docente espetacular na área de
humanas.
Nassif: E quando você
foi participar do governo Marta, quais os espaços que você viu para implementar
essas ideias dentro da administração pública municipal?
Haddad: Isso acabou
acontecendo mais no Ministério da Educação. Eu fui convidado para integrar a
gestão da prefeita Marta pelo João Sayad, que foi seu secretário de finanças. E
aí a tarefa era difícil, porque foi no período pós-Pitta [Celso Pitta, prefeito
paulistano entre 1997 e 2000], ou seja, um descalabro financeiro medonho; nesse
período tínhamos a exigência da prefeita de recuperar a capacidade de
investimento da cidade. Então, veja a contradição: a cidade quebrada, e nós
tendo que, em pouco tempo, recuperar a capacidade de investimento. Fizemos
isso. Em um ano e meio, nós conseguimos sanear as finanças municipais e demos à
prefeita Marta Suplicy condição de investir mais do que hoje, que tem três
vezes o orçamento da época.
Corredores de ônibus, fizemos mais. CEUs, nós fizemos mais.
Uma série de investimentos foram feitos em um momento em que prefeitura estava
fragilizada do ponto de vista financeiro. Hoje, o que me espanta na atual
administração, é que, com o orçamento que supera os 35 bilhões de reais, você
anda na cidade e não vê obras estruturais sendo realizadas.
O PAPEL DAS SUBPREFEITURAS
Nassif: São Paulo teve esse crescimento desordenado
histórico. Hoje, você tem problemas de trânsito, problemas de um custo
elevadíssimo; tem algumas alternativas urbanas como esses novos projetos que
podem surgir em áreas desocupadas, e sabe-se que, pelo próprio crescimento
desordenado da cidade, terá que ser dado um corte nesse modelo de expansão.
Quais são os pontos básicos para mudar esse modelo?
Haddad: Hoje, o
moderno urbanismo busca uma cidade equilibrada. O que seria uma cidade
equilibrada no caso de São Paulo? Você tem 31 subprefeituras. Cada subprefeitura
é uma grande cidade brasileira. Itaquera é uma grande cidade brasileira,
porque, sozinhas, cada subprefeitura tem mais de 300 mil habitantes, e poucas
cidades brasileiras têm 300 mil habitantes. Então, o que você tem que fazer?
Você tem que aproximar a vida do bairro com a vida da cidade. Os bairros de São
Paulo, a região das subprefeituras, têm que se aproximar, tanto o quanto
possível, da dinâmica de uma cidade plena, que tem tudo. Isso significa
descentralizar oportunidades de emprego, descentralizar os serviços públicos e
fortalecer o poder da subprefeitura, o poder local. O oposto do que está sendo
feito.
Nassif: Hoje em dia,
qual é poder da subprefeitura?
Haddad: Hoje, foi
totalmente esvaziado; são menos que uma zeladoria. Tanto que o perfil dos
subprefeitos está aderente às suas novas funções; são muito esvaziadas. Nós
queremos subprefeituras vigorosas, capazes de dialogar com a comunidade.
Nassif: Mas que poder
teria, na sua gestão, o subprefeito?
Haddad: Nós
retomaríamos o processo de descentralização, que não só foi interrompido, como
foi revertido. Toda a descentralização que tinha se iniciada na nossa
administração foi revertida, foi tudo recentralizado nas secretarias.
Resultado: a subprefeitura não manda, não tem poder nenhum. É a zeladoria do
bairro; mas nós queremos mais. Por exemplo, eu pretendo instalar na cidade um
conselho de desenvolvimento econômico e social, nos moldes do governo federal.
Eu acho que a experiência exitosa do governo Lula foi chamar lideranças
sindicais, empresariais, acadêmicas, científicas, botar todo mundo para pensar
o país, com frequência bastante acentuada. Eu quero fazer isso com São Paulo.
Vou trazer para perto do gabinete do prefeito a inteligência instalada na
cidade, que não é pequena; a cidade tem muita inteligência instalada. Mas,
próximo a cada subprefeito, eu quero um conselho de representantes, eu quero
que cada bairro pense o seu desenvolvimento, pense sua vocação. Se é um bairro
dormitório, como levar emprego para lá. Se é um bairro que só tem atividade
econômica, como o centro, e tem pouco morador, como levar moradores para lá.
Nassif: O subprefeito, além do diagnóstico, que ferramentas
ele teria para implementar?
Haddad: Orçamento; ele
tem que ter orçamento. Hoje, ele não tem orçamento nenhum. Ele não pode
pleitear uma obra, ele não pode alavancar investimentos; ele não tem orçamento.
Isto é um gesto de generosidade do prefeito.
Aliás, o prefeito de São Paulo vai ter que fazer dois
movimentos nos próximos 20, 30 anos; obrigatórios. O primeiro deles vai ser
descentralizar para as subprefeituras o poder, e isso exige participação
popular, conselho de representantes, sociedade mobilizada. E, graças a Deus,
São Paulo tem muitas associações para fazer esse papel.
O outro movimento que ele vai ter que fazer, que pode parecer
contraditório com esse, é garantir que nós comecemos a forjar uma autoridade
metropolitana. Porque, se não tivermos uma autoridade metropolitana, problemas
como o transporte público serão insuperáveis. Nós não podemos mais pensar o
transporte público só na capital, porque muitos que trabalham na capital vêm de
Itaquá [Itaquaquecetuba, cidade da Grande São Paulo], vêm de Itapecirica [da
Serra], vêm de Franco da Rocha, de Francisco Morato... se você pensar
transporte público só na capital, você não vai dar conta do drama que é hoje o
apagão do transporte. Não tem outro nome para o que nós estamos vivendo, é o
apagão do transporte público por falta de investimento. Não estamos investindo
metade do que deveríamos. O ritmo das obras, quando há, no caso do governo
estadual, que tem o metrô e o monotrilho, é lentíssimo.
Em 18 anos de governo do PSDB, menos de 30 quilômetros de
linhas novas; e as estações não são entregues, para não falar nos corredores
[de ônibus], em que houve abandono total do projeto “São Paulo Interligado”,
que é o que alimenta as linhas estruturais. Então, nós não temos planejamento
de transporte. Imagine que, neste ano, que é último da administração
Serra/Kassab, se anuncia um edital que estava previsto para 2005. Ou seja, oito
anos criticando o modelo do “São Paulo Interligado”, para dizer, no último ano,
“nós vamos retomar”. Anunciaram o edital dos corredores previsto para 2005, com
oito anos de atraso. São coisas que a moderna administração não aceita: descontinuidade;
não aceita você sepultar os projetos exitosos da administração anterior para
fazer valer os teus... essas coisas são atrasadas. E são típicas dessa
administração.
AS ZONAS DE INTERESSE SOCIAL
Nassif: Tem essas
“Zonas de Interesse Social” (ZEIS), tem uma discussão de projetos urbanísticos,
você chegou a estudar o tema, propostas específicas?
Haddad: O plano diretor foi feito na nossa gestão, mas não
saiu do papel. O plano diretor são diretrizes a serem observadas. Pouca coisa
saiu do papel. Por exemplo: os parques lineares, isso saiu um pouco do papel.
Nassif: O que seriam esses parques?
Haddad: Quando você
faz um processo de revitalização e consegue recuperar áreas, como córregos,
margens de rios, se aproveita e rearboriza etc. Mas a maioria dos projetos
previstos não saiu do papel. Um deles: você tem que usar o sistema tributário
para estimular a descentralização da cidade. Nós tínhamos um plano de
desenvolvimento da zona leste, nós tínhamos que desdobrá-lo em ações práticas.
Ou seja, levar emprego para zona leste. Se você não levar emprego para lá, você
vai ter que continuar transportando dois milhões de pessoas por dia para onde
tem emprego. Se nós tomarmos o centro de gravidade do emprego, acontece o
seguinte: para onde vai o centro de gravidade do emprego? Para o sudoeste da
cidade. Porque está indo lá para o sul. Já foi para a Paulista, já foi para a
Faria Lima, Berrini, está indo para aquela região, agora Marginal Pinheiros. E
a cidade está expadindo para onde ela pode expandir, que não é nem para o sul
nem para o norte, é parra o leste. Então, você vai distanciando o cidadão de
onde ele trabalha, é o que está acontecendo com a cidade hoje. O que a
prefeitura tem que fazer? impedir o empreendimento? Não, ordenar, regular. O
papel do poder público não é inibir o investimento privado, que é grande em São
Paulo. O Brasil está atraindo bilhões de dólares em investimento. E São Paulo e
o Rio de Janeiro são duas grandes cidades que atraem o investimento. Agora, se
o poder público não regular a expansão, que é o que você está sugerindo, você
tem uma expansão desordenada.
A OUTORGA ONEROSA
Nassif: O que você
acha desse direito de construção (outorga onerosa) que, em geral, é utilizado
para driblar restrições de construção, a outorga onerosa?
Haddad: Tem lugares na
cidade que você deveria estimular, em que a outorga não deveria ser onerosa, na
minha opinião. Se você quer levar moradia para um bairro que não a tem, quer
levar emprego para outro que só tem moradia, você tem que favorecer esse tipo
de empreendimento. Essa visão fiscalista da prefeitura hoje, que vale para o
trânsito e vale para a construção civil. No trânsito, ao invés de gestão do
trânsito há uma máquina arrecadatória de multas. Você não tem a CET orientando
e muito menos planejando, porque a CET foi sucateada. Você não tem engenheiros
de trânsito nos bairros, redesenhando os fluxos. Se a frota dobrou, é natural
que você precise redesenhar a cidade. Agora, se você deixa a cidade como era,
há dez anos atrás, com uma frota que era metade da atual, o que você gera? O
caos. As pessoas não conseguem transitar pelos bairros, mesmo no final de
semana. Você vai num sábado num centro comercial de São Miguel, São Mateus,
você não consegue circular, porque não há engenharia, não há gestão tampouco, orientação.
Você precisa de agentes e a CET precisa se recuperar.
Mas, do outro lado, das operações urbanas, você não pode
pensar exclusivamente em arrecadar. Muitas vezes, você tem que ver o empresário
como um aliado da prefeitura, se ele concorre para a descentralização das
atividades. Se ele está atuando no sentido desejado do poder público, por
que onerá-lo?
Nassif: Nas operações
urbanas, tem um conflito que é o seguinte: o ideal, para os urbanistas, é você
ter algo equilibrado, desde a moradia de alto nível até a de alta densidade,
quer dizer, acabar com esse modelo de segregação que marcou São Paulo. Como
fazer isso sem ser através de indução fiscal?
Haddad: Não vejo outra maneira. O que estou dizendo é que a
indução fiscal não pode ser só punitiva, só com uma orientação fiscal punitiva
você aumenta a sua arrecadação, mas inibe o investimento. Ela tem que ser, de
um lado, restritiva, ou seja, aqui já tem demais, quem quiser mais do mesmo vai
ter que pagar. Agora, em outro ponto da cidade, onde nós temos que fomentar,
seja atividade econômica seja produção de moradia, para ‘mixar’ os bairros,
você precisa estimular, então tem que ter uma política de estímulo fiscal.
A DÍVIDA DA PREFEITURA
Nassif: Em relação à dívida da prefeitura: é possível tocar
sem uma renegociação com o governo federal?
Haddad: Veja bem, a dívida tem um contrato que prevê que 13%
da arrecadação vá para a União, seja a dívida de que tamanho for. Poderia ser
metade da atual, nós perderíamos 13% da receita. Isso não pode servir de desculpa
para não voltar a investir. Eu tenho visto os administradores atuais colocando
a culpa na dívida pela falta de investimento. O contrato do Rio não é muito
diferente do de São Paulo, e o Rio, com metade do orçamento, está investindo
mais. Então, essa desculpa da gestão Serra/Kassab não vale. Agora, que tem que
ser repactuado, tem. Alguns Estados estão procurando o caminho da troca do
indexador etc.
Nassif: Onde que estão
os principais itens de despesa que consomem recursos do orçamento?
Haddad: Houve um
incremento muito grande dos gastos de custeio fora folha. Isso que é
interessante notar.
Nassif: Terceirizado?
Haddad: A
terceirização tomou conta das finanças.
Nassif: Em que áreas?
Haddad: Em geral, da
máquina em geral. O custeio “fora folha”, quer dizer, não dá para botar a culpa
na folha de pagamentos, não foi ela quem cresceu desmesuradamente. Nem o
investimento. Então, você não tem o servidor nem o empresário como os vilões
dessa história, porque não tem investimento e você também não tem uma folha
muito elevada. Mas há um processo de terceirização muito intenso, dos serviços
públicos em geral.
Nassif: E sua ideia, qual vai ser?
Haddad: Olha, nós
temos que dar mais transparência para esses gastos. Aí nós temos que apertar.
Nassif: Por exemplo, a
questão dos postos e hospitais municipais, os conselhos funcionam?
Haddad: Não, não estão
funcionando bem. A reclamação é geral e, inclusive, há esvaziamento da
participação popular no controle do gasto público. Então, nós precisamos
realmente cuidar disso.
Nassif: Vamos falar de duas áreas aí que se tornaram fontes
de arrecadação: a inspeção veicular e a seleção dos semáforos eletrônicos por
toda a cidade. Qual sua posição em relação a inspeção veicular, por exemplo?
Haddad: Eu sou a favor da inspeção e contra a taxa. Eu acho
que a taxa não contribui. Pelo seguinte, em primeiro lugar: quando você
licencia seu veículo em outro município, ou não licencia. Um quarto da frota de
São Paulo não é licenciada. Um em quatro. E, geralmente, é o carro que precisa
de regulagem de motor. Esse é o que não passa pela inspeção. O que passa pela
inspeção é, muitas vezes, o carro que acabou de sair da concessionária. No
exterior, é só depois do quarto ano de uso do carro que ele tem que passar pela
inspeção, porque ele está na garantia de fábrica, é a fábrica que tem que
regular o motor. Aqui, você está cobrando de quem não precisa, e deixando de
fazer a inspeção de quem precisa, que muitas vezes não tem dinheiro para taxa,
ou está com o carro completamente irregular. Segundo lugar: nós pagamos o IPVA
mais caro do Brasil. O proprietário de veículo automotor, em São Paulo, paga
alíquota de 4%, é a mais elevada do Brasil. Tanto é que tem muita gente que
licencia o carro fora de São Paulo, em busca de uma alíquota menor, sobretudo
as empresas que têm frota, essas licenciam todas fora. Há iniciativas para
coibir isso, mas isso foi assim o tempo todo. Então, você está criando um
problema ao invés de resolver outro. Você quer melhor qualidade do ar, tem como
fazer, fiscalizando.
PLANEJAMENTO E GESTÃO
Nassif: Dentro de um
modelo de gestão de uma metrópole que nem São Paulo, a divisão do secretariado
como foi feita hoje é a mais eficiente ou se pode pensar em formas novas de
organizar as ações?
Haddad: Não há
integração entre elas. Você vai perguntar para o secretário de meio-ambiente,
porque ele está removendo as famílias da área de risco e jogando na rua, com
“bolsa aluguel”. Ele responde que o problema de habitação não é dele, que é um
problema da secretaria de habitação. Ou seja, não dá para ser assim. Se tem uma
família em área de risco e ela tem que ser removida, tem um laudo técnico
mostrando que há risco de vida ali, de desabamento, você tem que ter, ato
contínuo, um programa habitacional. São Paulo está no pior momento de produção
de moradia popular. Isso em um país que está batendo recordes atrás de recordes
de produção de moradia popular. Então, é uma contradição entre o que está
acontecendo em São Paulo e o que está acontecendo com o Brasil neste momento.
Sem moradia popular, não vamos resolver o problema ambiental. As pessoas, às
vezes, não fazem as conexões. Qual é o problema ambiental em São Paulo? Em
primeiro lugar: resíduo sólido. Você não tem uma política de coleta de resíduos
sólidos, a coleta seletiva estagnou em São Paulo. No mundo inteiro evoluiu. Aí
você tem problema de tratamento de esgoto. Por que a SABESP não avança no
município? Um dos problemas é a questão da moradia.
Nassif: Ela até pode
captar, mas tudo vai via rios.
Haddad: Pois é, e às
vezes não trata. Terceiro lugar: áreas verdes. Como é que você vai abrir espaço
na cidade para respirar, se você não reordenar o uso do solo? Então, a moradia
com áreas verdes, com resíduo sólido, com tratamento de esgoto, que é toda a
agenda ambiental para recuperar as águas, os rios e corrégos, a cidade deve ter
mais arborização. Então, temos que enfrentar a questão habitacional.
Nassif: Como você vê
os órgãos de planejamento, que tivemos uma discussão relevante aqui, quem que
serão os centros de pensamento estratégico para ajudar com ideias e propostas?
Haddad: Estou querendo
criar uma fundação de amparo à pesquisa aplicada, uma fundação municipal. Eu te
falava que nós temos muita inteligência instalada, e a prefeitura gasta
centenas de milhões de reais em projetos. Não é falta de investimento em
projeto, mas há divórcio completo entre os investimentos em projetos e as
decisões políticas. Parece que são duas prefeituras, uma pensando o futuro
tecnicamente, e a outra pensando politicamente, em outros temas que não aqueles
que as áreas técnicas estão debruçadas. O problema de São Paulo é política,
você não tem um prefeito com foco na cidade, ele está com foco em outra coisa.
O PAPEL DA CÂMARA DOS VEREADORES E PACTO
POLÍTICO
Nassif: A Câmara de
Vereadores pode ser um obstáculo?
Haddad: Sempre pode,
mas veja bem: eu sempre dou o exemplo do Ministério da Educação. Nós
promovemos, sem medo de ser injusto com ninguém, a maior reforma educacional da
história do país. Nós reescrevemos, por meio de duas emendas constitucionais,
todo o capítulo dedicado à educação, da Constituição, e nós aprovamos mais de
50 projetos de lei. Aí tem instituição de Federal, tem PROUNI, tem FUNDEB, tem
“piso do professor”, tem “Universidade Aberta”, tem “Instituto Federal”, tem
tudo o que você quiser. Foi a maior reforma. Mas eu tenho que fazer justiça:
nós aprovamos todas essas leis com o apoio da oposição. Ou seja, nós sentávamos
com a oposição, “olha, este é o nosso projeto. você tem como melhorá-lo?” E a
oposição tinha uma emenda, ou duas, ou três. Então, vamos discutir. O texto é
esse, é bom para todos, contempla o país, pode aprovar.
Nassif: Então a arte da política é ter um projeto que integre
todos os lados.
Haddad: É evidente.
Nós chamamos “Conferência Nacional”, foram quatro “Conferências Nacionais”,
foram mais de 50 projetos de lei, sendo duas emendas constitucionais, e
aprovamos com o apoio do PSDB e do DEM. E as pessoas falam “mas o Fernando é
técnico”, mas o efeito político de você buscar o consenso tem que ser
observado. Nós éramos uma equipe de professores, querendo o bem da educação,
mas não éramos os donos da verdade. Nós íamos ao Congresso, assimilávamos as
propostas que aperfeiçoavam os nossos projetos, e nunca tivemos dificuldade em
aprovar, nada.
Nassif: Explica um
pouquinho a realidade política de São Paulo. São Paulo entra na
redemocratização com lideranças de conteste, almodiçoados, que sobrevivem até
hoje. E de repente você tem uma crise política que pega todas as lideranças
tradicionais. Na sua opinião, o que explica esse momento político de São Paulo?
Haddad: Eu entendo que
precisamos viver um momento de reconciliação. São Paulo é muito importante para
o Brasil, mas o Brasil é muito importante para São Paulo. E às vezes isso não
fica muito claro na cabeça de alguns políticos paulistas ou paulistanos, não
fica claro. Vou te dar um exemplo: o Brasil, hoje, é capítulo obrigatório da
literatura internacional sobre nações. Não tem um livro novo, recente, de três,
quatro anos para cá, que não tenha um capítulo dedicado ao Brasil. Brasil é
tema. No caso de regiões metropolitanas, a cidade de São Paulo não aparece, a
prefeitura não aparece como alguém que propõe soluções inovadoras. Quer dizer,
é uma prefeitura acanhada para o momento que o Brasil está vivendo. Agora, tem
outro estudo que mostra que, assim como o Renascimento, num pré-Estado
nacional, as cidades tiveram grande importância no vigor dos territórios. Hoje,
num período pós-Estado nacional, as cidades estão recuperando... Eu soube de um
estudo dizendo que, nos Estados Unidos, mais de 40% das patentes são
registradas em quatro cidades apenas. Ou seja, a cidade propulsora, promotora
do desenvolvimento nacional. Então, nós podemos fazer isso do Rio e de São
Paulo; você veja que o Rio está se beneficiando da parceria federativa, é um
prefeito que conversa com o governador e que conversa com a União. Nós podemos
ter um grande projeto de desenvolvimento metropolitano em São Paulo. Agora,
você precisa fugir das velhas amarras da política tradicional. Está se
amarrando São Paulo ao velho, ao tradicional. Nós precisamos dar um salto,
compreender a importância de São Paulo para o país, e compreender que o Brasil
está vivendo um momento que interessa a São Paulo. Essa conciliação é
fundamental. E, infelizmente, nós ainda estamos na velha quadra histórica.
Nassif: Você acha que
podem ser superadas as mágoas?
Haddad: Eu acho que o
grande lance do presidente Lula, do PT, da presidenta Dilma, de lançar um nome
novo para São Paulo, com o meu perfil, é um pouco dialogar com esse imaginário.
O imaginário da importância da cidade para o Brasil e a importância que o
momento Brasil pode representar para uma guinada, para uma virada, uma mudança
de patamar das políticas públicas locais.
Nassif: Bom, candidato Fernando Haddad, muito obrigado pela sua
entrevista ao “Luis Nassif Online”.
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