Mudanças no alto escalão da Secretaria de Segurança Pública e
na Polícia Militar, denúncias de corrupção e histórias novelísticas, algumas
delas desvendadas em capítulos pela mídia nos últimos meses, expuseram parte da
estrutura dos governos tucanos – há 17 anos no Palácio dos Bandeirantes - que
reforçou a violência policial e a impunidade como características de políticas
do Estado. A reportagem é de Fábio Nassif.
Fábio Nassif
São Paulo - Um dos episódios mais bárbaros de violência
policial da história do país completa 20 anos no próximo dia 2 de outubro. O
Massacre do Carandiru aconteceu na véspera das eleições municipais paulistanas
que elegeram Paulo Maluf (antes PDS, agora PP) como prefeito. Era um momento em
que a violência era escancaradamente defendida como política pública de
segurança ilustradas pelo mantra malufista “Rota na rua”. Só naquele ano, a
polícia matou cerca de 1400 pessoas. Ao mesmo tempo que é um exemplo de
violação dos direitos humanos praticado pelo Estado, Carandiru é também um caso
emblemático de impunidade. Apenas uma pessoa foi condenada até hoje, dentre
todos os policiais que invadiram o presídio e mataram mais de cem presos à
sangue frio.
O tempo passou sob o governo do PSDB. Em 2006, o governo
tucano de Geraldo Alckmin selou de vez o compromisso do Estado com os setores
mais violentos da polícia, ao jogar para debaixo do tapete centenas de mortes
cometidas por policiais durante confronto com o PCC, a maioria delas com marcas
evidentes de execução. A maioria dos assassinatos ocorreu nas periferias da
cidade de São Paulo e na Baixada Santista.
Foram os mesmos personagens que se moveram na cena policial
nos dois episódios e em outros de menor notoriedade, mas que expõem a polêmica
relação das polícias com o crime organizado. Vários personagens envolvidos
nesses casos permanecem ligados entre si, presentes e poderosos na vida
política.
Mudanças no alto escalão da Secretaria de Segurança Pública e
na Polícia Militar, denúncias de corrupção e histórias novelísticas,
desvendadas em capítulos pela mídia nos últimos meses, expuseram parte da
estrutura dos governos tucanos – há 17 anos no Palácio dos Bandeirantes - que
reforçou a violência policial e a impunidade como características do Estado.
Do Carandiru ao PCC
As políticas de segurança eram centrais na gestão do
governador Luiz Antônio Fleury Filho (PMDB, 1991-1994). O decreto 33.134, pelo
qual as unidades prisionais deixaram de ser responsabilidade da Secretaria da
Justiça e passaram para a área de Segurança Pública, data do primeiro dia de
seu governo, 15 de março de 1991. A “militarização” do sistema prisional estava
longe de ser conflitante com a personalidade do governador do Carandiru, cuja
origem era o Ministério Público: no governo anterior, de Orestes Quércia (PMDB,
1987-1991), Fleury ocupava a Secretaria de Segurança Pública. Posteriormente,
em 1993, depois do Massacre do Carandiru, foi criada a Secretaria de
Administração Penitenciária. Nesse período, prevaleceu como política de
segurança o encarceramento em massa, expressa na maior curva de crescimento na
história, até os anos 2000. Junto com isso, o Estado viu também, depois do
massacre realizado pela PM no Carandiru, nascer o Primeiro Comando da Capital
(PCC).
Existem várias versões acerca do momento exato do surgimento
do PCC. Mas nenhuma delas contesta o fato que este teve como mote,
inicialmente, responder às políticas prisionais do Estado e ao mesmo tempo
estabelecer normas de convivência entre os presos. Essa articulação nos porões
do sistema penitenciário sempre foi sustentado pela chamada economia do crime,
principalmente o tráfico de drogas.
Alessandra Teixeira, do Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais (IBCCRIM), acredita que “foi justamente pelos efeitos perversos da
atuação do Estado, sobretudo na omissão e na violência institucional, que
nasceu o PCC. Mas como ele vai se expandir no sistema? Ele mantém o monopólio
de uma economia criminal lá dentro e vai transacionando com o Estado. E vai
assumindo gradativamente o papel de gestão desta população prisional que
deveria ser desempenhado pelo Estado”.
Desde o início do PCC, muitos outros episódios demonstraram
conflito entre esta organização criminosa e o Estado – na maioria das vezes com
o seu braço armado, a polícia. O sistema prisional se expandiu também
territorialmente e levou o germe da organização criminosa para outras cidades
do interior. E o controle do PCC sobre as drogas o levou para muito além dos
muros das penitenciárias.
Do PCC a maio de 2006
Um segundo episódio onde a polícia paulista demonstrou
truculência indiscriminada aconteceu em maio de 2006. Na versão contada pela
grande mídia, o episódio ficou conhecido como “os ataques do PCC”. Na visão de
familiares de mortos no conflito, são os “os crimes de maio”. Foram
assassinadas, só naquele episódio, 493 pessoas, segundo o Conselho Regional de
Medicina de SP. Um estudo da ONG Justiça Global, “São Paulo sob achaque”,
aponta que policiais realizaram, entre os dias 12 e 20 de maio, 126 mortes, classificadas
como “resistência seguida de morte”. Mas há indício, inclusive o estudo e pelos
laudos, de envolvimento de policiais fardados ou encapuzados em muitas outras
execuções. O caso completa seis anos e também está em aberto.
O conflito, além do aspecto da violência policial, parece se
interligar com o próprio Massacre do Carandiru. Em outubro de 2005, José Ismael
Pedrosa, diretor do presídio na época do massacre, foi assassinado quando
retornava para sua casa, depois de votar no referendo sobre a proibição da
comercialização de armas de fogo. Em maio de 2010, foram condenadas três
pessoas – segundo a polícia, integrantes do PCC – pelo seu assassinato.
Pedrosa, além de ter sido diretor do Carandiru, foi diretor
da Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté durante muitos anos. O presídio é
conhecido por adotar o chamado Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), na qual
as regras internas são consideradas muito mais rígidas. A elas foram submetidos
muitos membros do PCC. Um deles, o Geleia, foi apontado pelo Ministério Público
de São Paulo como o planejador do sequestro da filha do então diretor
penitenciário. A história do PCC, portanto, passou, e muito, por dentro deste
presídio, já que eles questionavam e se organizavam a partir das práticas
adotadas nas prisões.
Por coincidência ou não, um outro personagem do Massacre do
Carandiru voltou às manchetes um mês antes dos Crimes de Maio. Coronel Ubiratan
Guimarães, comandante da operação, foi acusado de matar 102 pessoas durante a
ação no presídio. Ubiratan havia sido condenado em 2001 a 632 anos de prisão e
pode recorrer em liberdade até ser absolvido em instância superior, em
fevereiro de 2006. Maio passou, e ele foi encontrado morto em seu apartamento,
em setembro daquele ano. A primeira suspeita é que membros do PCC seriam os
responsáveis, mas sua ex-esposa foi condenada justiça pela sua morte.
Cláudio Lembo (na época, do PFL), que havia assumido o
governo do Estado de São Paulo no dia 30 de março de 2006, após a renúncia de
Geraldo Alckmin (PSDB) para concorrer à Presidência da República, descartou a
hipótese de envolvimento do PCC na morte do coronel, até porque, naquele
momento, o discurso oficial visava consolidar a tese de que a polícia havia
reagido com “vigor” justamente para acabar com o poder do PCC. As suspeitas de
envolvimento do PCC no assassinato, no entanto, foram motivo também de
mensagens do consulado americano em São Paulo, por meio do cônsul-geral,
Christopher McMullen, com outros consulados (revelados pelo Wikileaks em 2011).
No dia 31 de maio de 2006 entra em cena o personagem que pode
ter coesionado parte desta relação entre Estado e PCC. Antônio Ferreira Pinto
assumiu a Secretaria de Administração Penitenciária, e, sob o governo de José
Serra (PSDB) em 2009, tornou-se secretário de Segurança Pública, cargo que
ocupa até hoje.
Saulo de Castro é outra figura presente até hoje, mesmo
discretamente, já que é o titular da Secretaria de Transportes. O promotor de
justiça era o Secretário de Segurança Pública em 2006, no período dos conflitos
com o PCC. Em 2011, o Tribunal de Justiça determinou e o Ministério Público
passou a investigar o envolvimento de Castro no Massacre do Castelinho, caso
onde presos – supostamente ligados ao PCC - foram retirados ilegalmente dos
presídios e metralhados dentro de um ônibus por mais de cinquenta policiais na
rodovia Castelo Branco.
Hoje, entidades de direitos humanos apontam que os “ataques
do PCC” podem ter sido motivados por um desentendimento entre a Polícia Civil e
a organização criminosa. O delegado investigativo Augusto Pena chegou a ser
preso em 2007, por ter sequestrado e extorquido o enteado de um dos líderes do
PCC, o Marcola. Esse pode ter sido um dos motivos para início dos confrontos,
pois ele usava das investigações policiais para extorquir criminosos. O
relatório “São Paulo sob achaque” aponta que haviam negociações entre a polícia
e a organização criminosa antes do ataque, e, que, para o fim do conflito em
maio, também foram realizadas novas negociações.
Já naquela situação, o alto escalão do governo sinalizava,
por um lado, o diálogo entre forças com o PCC, e, de outro, métodos de
utilização da estrutura policial para exercer diferentes tipos de negociação. O
ex-secretário adjunto de Segurança Pública, Lauro Malheiros Neto, foi acusado
de receber propina para anular demissões de policiais acusados de corrupção –
como o próprio Augusto Pena, que o acusou -, já que ele assinava as decisões
sobre esses processos administrativos que investigavam irregularidades. Ele
pediu demissão em 2008.
2012, 2006 e 1992
Novos capítulos, reproduzidos ou não pela grande mídia,
demonstraram conflitos internos na polícia paulista. Mas não só. Expuseram a
rede política do governo do estado - envolvendo os setores mais retrógrados e
violentos da polícia. A atual corrupção policial, relação com o crime
organizado e a impunidade se encontram no tempo com o Massacre do Carandiru e
os Crimes de Maio de 2006.
A primeira mudança significativa aconteceu em novembro de
2011, quando o coronel Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada se aposentou e
passou o comando das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) para o coronel
Salvador Modesto Madia. Nos dois anos e meio de Telhada no posto, a Rota inflou
o número de mortes sob sua responsabilidade em 63,16% , com os 114 assassinatos
cometidos. Telhada é um conhecido linha-dura, que se orgulha em sentenciar
“bandidos” com morte (sob seu próprio julgamento) e ter 29 processos judiciais
e militares arquivados. Ele se filiou ao PSDB recentemente e deve ser candidato
a vereador este ano.
Madia, o atual comandante da Rota, é réu no processo do
Massacre do Carandiru, por ser acusado de matar 76 presos. Nos números
oficiais, foram executados 111 prisioneiros pela Polícia Militar, mas
testemunhas apontam número muito superior e há pessoas que sequer encontraram
os corpos de seus familiares mortos.
O Coronel Álvaro Batista Camilo, que estava no comando geral
da Polícia Militar de SP, se aposentou antes do previsto e deixou o cargo no
dia 2 de abril deste ano. Sua vaga era foco de disputa. Ele também deve concorrer
a uma vaga na Câmara dos Vereadores, mas, pelo PSD de Gilberto Kassab.
Matéria da Carta Maior apontou, em novembro de 2011, que
havia uma interferência da SSP em investigações recentes feitas pela Polícia
Civil em casos de mortes praticadas por policiais militares. A tese era baseada
no afastamento da delegada do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa
(DHPP) Alexandra Comar, que investigava algumas mortes – ou execuções -
praticadas pela Rota durante ação num suposto assalto a caixas eletrônicos em
um supermercado. Junto com o afastamento, seu namorado, Arnaldo Hossepian,
deixou o cargo de secretário-adjunto da SSP para retornar ao Ministério
Público.
No último mês, a TV Bandeirantes fez uma série de reportagens
que mostravam vários desses documentos arquivados. Os Relatórios de
Inteligência passam pelo crivo da cúpula da Secretaria de Segurança Pública
antes de ir pra gaveta. Neles, haviam algumas investigações a partir dos
seguintes casos (todos denunciados pela Band a partir dos relatórios do DHPP):
1. No dia 31 de julho de 2010, a sede da Rota foi
supostamente atacada por criminosos, que dispararam contra o prédio e foram
mortos pela polícia. Na época, o comando era do coronel Telhada. As
investigações da Polícia Civil indicam que os ataques foram forjados, inclusive
pelo fato do irmão do homem morto ter perdoado o Batalhão, já que era sócio de
Telhada.
2. Na noite deste mesmo dia, houve um suposto ataque à casa
do Coronel Telhada. Ele reagiu e matou mais supostos criminosos. A mídia cobriu
ostensivamente. Mas as investigações apontam que o ataque também teria sido
forjado.
3. Rafael Telhada, filho do coronel, também da Rota, estaria
sendo investigado em relatórios do DHPP por possível envolvimento em assaltos a
caixas eletrônicos.
4. As matérias da Band também mostram que o DHPP investigava
a denúncia de que policiais militares eram pagos por membros do PCC para
executar pessoas.
5. Uma outra denúncia é relativa ao convênio firmado entre a
Universidade de São Paulo e a SSP. A parceria surgiu depois da morte de um
estudante. Os relatórios investigativos dizem que os assassinos do estudante
eram traficantes da região e membros do PCC, e diziam que policiais do 16º
Batalhão de Polícia Militar recebiam pagamento da organização, em um pacto de ocupação
territorial da região.
Outros casos foram acontecendo durante o período de mudanças
na secretaria e no bojo das denúncias da emissora, que também virou foco de
disputa:
1. Polícia Militar descobre um plano de sequestro do
apresentador José Luiz Datena, da TV Bandeirantes, no dia 28 de março. Ele
elogia o trabalho de inteligência da PM durante seu programa.
2. No dia 5 de abril, um soldado do mesmo 16o. BTM foi preso
pela Polícia Civil por ser suspeito de ajudar uma quadrilha especializada em
assaltos a casas em SP. Soldado da Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas
(Rocam), ele mantinha contato com os ladrões e informava-os sobre aproximações
policiais.
3. No dia seguinte, no dia 6 de abril, uma história mais
espetaculosa ainda acontece. O programa do Datena, na TV Bandeirantes,
transmitia ao vivo. Ele passou a se preocupar, pois a ocorrência mostrada do
helicóptero da emissora era bem em frente à sua casa, perto da emissora, no
bairro do Morumbi.
Depois de algum tempo dramatizando, a história é contada. O
Coronel Telhada estava com amigos e seu filho, Rafael Telhada, soldado da Rota,
saindo do Palácio dos Bandeirantes. Não disseram, e também ninguém perguntou, o
que faziam lá. Viram um veículo suspeito, e, quando comprovaram que se tratava
de uma tentativa de sequestro a uma mulher, passaram a atirar. Mataram um
homem, dois foram presos, um fugiu e a mulher foi salva. Coronel Telhada foi
exaltado por Datena porque, mesmo aposentado, ele agiu “contra o crime”.
As mortes e os arquivamentos tomaram uma proporção
assustadora. Desde que a Polícia Civil começou a investigar os casos
classificados
como “resistência seguida de morte”, do dia 6 de abril de
2011 ao dia 27 de março deste ano, apenas três policiais militares foram
presos, das 392 ocorrências.
No 1º semestre de 2012, a polícia já matou 75 pessoas, 25% a
mais do que o mesmo período do ano anterior, segundo dados oficiais. A SSP não
divulga separadamente o número de pessoas mortas em confronto com PMs de folga.
O número, portanto, pode ser maior e podem se confundir com o
aumento do número de homicídios, já que são contabilizados como homicídios
dolosos.
As investigações passaram para a Polícia Civil depois da
divulgação de uma gravação onde uma mulher relatava por telefone uma execução
praticada por um soldado da PM. Da ausência de investigações nesse tipo de
ocorrência que ocorria antes, para as investigações que são arquivadas,
transferiu-se a responsabilidade para o DHPP, o que acirrou o conflito entre as
policias militar e civil.
Os casos investigados - e arquivados - e as mortes praticadas
que parecem feitas especialmente para serem repercutidas pela mídia para
mostrar eficiência da PM– para aqueles que concordam com as célebres frases de
Maluf -, levaram a disputa no interior do governo, da SSP e da polícia para as
ruas. Mais do que os conflitos entre Polícia Civil X Polícia Militar; PSDB de
José Serra (Antonio Ferreira Pinto) X PSDB de Alckmin (Saulo de Castro),
existem razões mais antigas e de fundo que apontam sentido ideológico na atual
briga.
Disputa antiga na
polícia
O cientista político Guaracy Mingardi busca uma explicação
histórica para os conflitos no interior da polícia. Segundo ele, até a década
de 70 havia três polícias em São Paulo: Civil, Força Pública (uma espécie de
exército paulista que ficava aquartelado, como uma milícia que respondia só ao
governador) e a Guarda Civil. “Em 69, o regime militar disse ‘isso não dá certo
porque a gente não controla a polícia’. Então, eles juntaram no mesmo balde a
Força Pública, a Guarda Civil e criaram a Polícia Militar. E para manter aquilo
sob controle o primeiro, segundo, terceiro comandantes foram coronéis ou
generais do Exército, pra militarizar aquela polícia. Ou seja, militarizou com
base no que o Exército achava que era o trabalho policial”.
Mingardi faz uma
distinção importante sobre o papel da polícia e o das Forças Armadas. A segunda
é treinada para abater inimigos externos. Em sua opinião, “a partir dos anos 70
esse comando do Exército foi recriando a ideia do inimigo. É nesse momento que
vem a figura do suspeito: preto, pobre, da periferia, porque, para um
agrupamento militar é preciso ter a ideia do inimigo, que deve ser
identificável enquanto grupo que deve ser derrotado”.
Durante a formação da primeira geração de oficiais com essa
mentalidade, chamados tenentes-bandideiros – que são os matadores -, havia mais
dois grupos que disputavam o comando da PM. Com o final da ditadura militar, o
grupo ligado ao Serviço Nacional de Informações (SNI) – órgão da inteligência
do regime – perde força e a disputa fica entre os tenentes-bandideiros e o
comando formal da PM.
“Houve mudanças, mas a desmilitarização legal não foi
acompanhada da desmilitarização do pensamento. Isso é importante porque a
questão legal, se não é acompanhada pela mudança de mentalidade, muitas vezes
provoca uma briga que quem sofre é parte da população. O grupo mais legalista e
o grupo mais militarizado da polícia brigam e aquele que é mais violento vai
querer impor suas táticas apesar da legalidade ser outra. E nós ficamos
espremidos no meio da briga”, disse Mingardi durante seminário “20 Anos de
Massacre do Carandiru: Memória e Presença”, realizado no último dia 25, em São
Paulo. “A disputa que está acontecendo agora tem muito a ver com isso.
Aparentemente chegou-se num acordo, mas foi uma briga de
meses”, concluiu o pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, que defende que a
ala linha-dura da PM é segunda geração dos tenentes-bandideiros criados pelos
coronéis da ditadura militar.
Blindagem judicial
O último fato, que chama a atenção e expande a dimensão do
conflito, também aconteceu no dia 6 de abril. O Ministério Público do Estado de
São Paulo, órgão responsável por fiscalizar o governo local, passava por
eleições internas. De acordo com o regimento, o governador é responsável pela
nomeação do Procurador-geral de Justiça, a partir da lista dos mais votados.
Geraldo Alckmin escolheu o segundo colocado, o que causou estranhamento geral,
inclusive porque o mais votado foi Felipe Locke, que ficou internacionalmente
conhecido e ganhou menção honrosa no Prêmio Direitos Humanos em 2001,
justamente por sua atuação no caso do Massacre do Carandiru, no qual era
promotor.
Locke comentou brevemente o caso e disse que os argumentos de
sua não escolha devem ser dados por Alckmin. O promotor descartado busca até
hoje julgar os envolvidos no Massacre do Carandiru. Enquanto isso, o atual
secretário do Colégio de Procuradores do MP, posto importante do órgão, é Pedro
Franco de Campos, que, justamente na época do massacre era nada mais nada menos
que o Secretário de Segurança Pública e foi testemunha das mortes.
O MP, dirigido pelo escolhido de Alckmin, Márcio Fernando
Elias Rosa, é um espaço onde personagens como o atual secretário de segurança,
Antônio Ferreira Pinto, e o anterior, Saulo de Castro, têm influência. A
Polícia Militar mata – muitas vezes pra mostrar ‘eficiência’ diante de
denúncias de corrupção -, a mídia cobre os fatos isoladamente, a Polícia Civil
inicia as investigações, a SSP as arquiva, e o Ministério Público não toma providências
a respeito, mesmo diante de evidências, permitindo assim que o governador
permaneça imune.
Em uma análise mais geral da relação do Estado com o crime
organizado depois do Massacre do Carandiru e dos Crimes de Maio, Alexandra
Teixeira afirma que a violência institucional anda ao lado da corrupção. “Elas
se referem ao mesmo fenômeno. No Brasil, historicamente, o Estado se inseriu no
crime. Claro que existe uma relação direta entre crime articulado e a economia
criminal com o Estado. Isso é muito patente. No caso do PCC, há diversas
matizes que deixam isso mais claro. No mínimo, há um acordo tácito entre a
administração prisional e o PCC. E não por acaso o atual secretário de
segurança pública assumiu como secretário de administração penitenciária depois
dos ataques de maio. Isso é evidente. Também são evidentes os acordos com a
Polícia Civil, que foi o que detonou os ataques de 2006”, diz Teixeira.
Na opinião da especialista, existe um abafamento “porque, com
este Estado, com essa política de militarização, a PM é o cartão postal da
eficiência e da segurança, principalmente no estado de São Paulo. Esse discurso
é, infelizmente, acatado pela mídia”. Obra do PSDB e de seus aliados.
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