...falando o que bem entende, sem se preocupar com os
interesses de seu patrão, certamente será o próximo a ir para a rua. A exemplo
do que aconteceu com a melhor analista política do país em atividade, a Maria
Inês Nassif, que perdeu o emprego no Valor Econômico, depois da sangrenta
eleição de 2010. Só que Maria, ao lado de Lula, está melhor agora, com certeza.
E acho que o Paulo
Moreira Leite, autor do texto que transcrevo a seguir, também ficará numa boa a
hora que a Globo se despedir dele. Fique com o texto:
"Confesso que não
dá para ficar espantado com as delinquências do bicheiro Carlinhos Cachoeira.
Sem ser preconceituoso, pergunto: o que se poderia esperar de um contraventor a
não ser que se dedicasse à contravenção?
Que fosse rezar
ave-maria depois de pagar aposta no jacaré e no leão? Mas há motivo para se
espantar com o sucesso de Demóstenes Torres. Como ele conseguiu enganar tantos
por tanto tempo?
A resposta não se encontra no
próprio Demóstenes, mas em quem se deixou ser enganado. O senador é um produto
típico do radicalismo anti-Lula que marcou a política brasileira a partir de
2002. A polarização política criada em certa medida de modo artificial foi um
campo fértil para políticos sem programa e aproveitadores teatrais.
Demóstenes contribuiu
com sua veemência e sua falta de freios para criar um ambiente de intolerância
política no Congresso, reeditando o velho anti-comunismo da direita brasileira,
da qual o DEM é um herdeiro sem muitos disfarces.
Num país onde a oposição
se queixava de que não havia oposição, Demóstenes apresentou-se. Contribuía
para estimular o ódio e o veneno, com a certeza de que nunca seria investigado.
Aliás, não foi.
Caiu na rede de seu
amigo e parceiro Cachoeira. Se aquele
celular fajuto de Miami fosse mesmo à prova de grampos, é provável que até hoje
o país estivesse aí, ouvindo Demóstenes e seus discursos… Quem sabe até virasse
uma estrela da CPI…sobre Carlinhos Cachoeira.
Nunca se fez um
balanço da passagem de Demóstenes pela secretaria de Segurança de Goiás, nunca
se conferiu a promessa (doce ironia!) de acabar com o jogo do bicho no Estado
nem as razões de seu afastamento do PSDB de Marconi Perillo.
Demóstenes dava até
entrevistas contra as cotas e escrevia textos citando Gilberto Freyre. Pelo
andar da carruagem, em breve seria candidato a Academia Brasileira de Letras e
um dia poderíamos ouvi-lo tecendo comentários sobre a obra de Levi-Strauss,
sobre a escola austríaca de economia…
O senador foi
promovido, tolerado e bajulado por uma única razão: necessidade.
Nosso conservadorismo está sem
quadros e sem votos. Lembra a conversa de que “faltam homens, faltam líderes”?
Vem desde 64…
A dificuldade de
construir um programa político autêntico e viável para enfrentar a competição
pelo voto está na origem de mais um embuste.
Já tivemos Jânio
Quadros, Fernando Collor… Felizmente Demóstenes não chegou tão longe.
Mas todos foram
mestres na arte de esconder seu real programa político e oferecer a moralidade
como salvação suprema.
O carinho, a atenção, a boa vontade com que Demóstenes foi
tratado mostra que teria um longa estrada pela frente. Não lhe faltavam sequer intelectuais
disponíveis para oferecer um verniz acadêmico, não é mesmo? Há um problema de
origem, porém.
A história da democratização brasileira é, basicamente, a
história da luta da população mais pobre para conseguir uma fatia melhor na
distribuição de renda. Este era o processo em curso antes do golpe que derrubou
Jango. A luta contra o arrocho e contra os truques para escamotear a inflação
esteve no centro das principais manifestações populares contra o regime.
Desde a posse de José Sarney que o sucesso e o fracasso de
cada presidente se mede pela sua competência para para responder a esse anseio.
Aquilo que os
economistas chamam de plano anti-inflacionário, estabilização monetária e etc,
nada mais é, para o povão, do que defesa de seu quinhão. O Cruzado e o Real
garantiram a glória e também a desgraça de seus criadores apenas e enquanto
foram capazes de dar uma resposta a isso.
Essa situação também explica a
popularidade de Lula, ponto de partida para o Ibope-recorde de Dilma. E aí
chegamos à pior notícia. O conservadorismo brasileiro aposta em embustes porque
não quer colocar a mão no bolso. Quer votos mas não quer mexer – nem um
pouquinho – na estrutura de renda. Quer embustes, como Demóstenes.
Fiquem atentos. Quem sabe o próximo Demóstenes apareça na CPI
do Cachoeira, do Cavendish … e do Demóstenes. O conservadorismo preocupa-se
apenas com seu próprio bolso. Para o povo, oferece moralismo."
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