sábado, 7 de janeiro de 2012

Os Estados Unidos contra todo o mundo


Por Immanuel Wallerstein

Era uma vez um tempo em que os Estados Unidos tinham muitos amigos, ou pelo menos seguidores relativamente obedientes. Nos dias de hoje, parecem já não ter outra coisa senão adversários de todas as cores políticas.

Mais ainda, parecem não estar a sair-se bem nas reuniões com os adversários.

Vejam os acontecimentos de novembro de 2011 e da primeira metade de dezembro. Os EUA tiveram conflitos com a China, com o Paquistão, com a Arábia Saudita, com Israel, com o Irã, com a Alemanha e com a América Latina. Não se pode dizer que tenham levado a melhor em qualquer destas controvérsias.

O mundo interpretou a presença e os discursos do presidente Obama na Austrália como um desafio aberto à China. Obama disse ao Parlamento australiano que os Estados Unidos estavam determinados “a alocar os recursos necessários para manter a nossa forte presença militar nesta região.” Com este objetivo, os Estados Unidos estão a deslocar 250 marines para uma base aérea australiana em Darwin (e possivelmente elevando o número, no futuro, para 2500).

Esta é apenas um de um número de movimentos militares semelhantes na região. Assim, ao mesmo tempo que os Estados Unidos saem (ou são forçados a sair) do Oriente Médio – tanto por razões políticas quanto financeiras – ganham mais músculo na região da Ásia-Pacífico. Dada a relutância crescente dos EUA de se envolverem externamente e as suas necessidades urgentes de reduzir gastos, mesmo no terreno militar, será isto crível? Até agora, a “resposta” chinesa foi virtualmente uma não resposta, como que a dizer que o tempo está do lado da China, mesmo no que diz respeito às suas relações com os Estados Unidos, ou talvez especialmente no que diz respeito a estas relações.

Depois, há o Paquistão. Os Estados Unidos lançaram o desafio. O Paquistão tem de deixar de apoiar os seus movimentos islâmicos. Tem de parar de minar o governo de Karzai no Afeganistão. Tem de suspender as ameaças à Índia de empreender ações militares em Caxemira. Senão? Esse é o problema. Parece que, segundo fugas de informação, que os Estados Unidos esperavam que o seu último amigo no Paquistão, o atual presidente Asif Ali Zardari, demitisse o líder do Exército, general Ashfaq Parvez Kayani. Em resposta, o general Kayani manobrou para o presidente Zardari ir ao Dubai para tratamento médico. O golpe potencial apoiado pelos EUA fracassou. E se os Estados Unidos tentarem retaliar cortando apoio financeiro, há sempre a China para ocupar o seu lugar.

No Oriente Médio, o que quer o presidente Obama, acima de tudo, é que nada de dramático aconteça entre Israel e os palestinos até, pelo menos, ele ser reeleito. Isto não satisfaz verdadeiramente as necessidades da Arábia Saudita ou do primeiro-ministro Netanyahu em Israel. Por isso, ambos atuam de forma a pôr mais lenha na fogueira, do ponto de vista dos EUA. E os Estados Unidos foram relegados à posição de lhes fazerem pedidos, não de dar ordens ou de controlá-los.

Há também o Irã, supostamente a principal preocupação imediata dos Estados Unidos (como são a Arábia Saudita e Israel). Os Estados Unidos têm usado os seus drones mais supersecretos para espiar o país. Nada de surpreendente nisto, exceto pelo fato de um desses drones de alguma forma ter aterrado no Irã. Disse “aterrou”, porque a questão chave é saber porque e como aterrou. A CIA, responsável por ele, tentou sugerir de forma pouco convincente que houve alguma falha mecânica. Os iranianos deram a entender que derrubaram a aeronave com uma ação cibernética. Os Estados Unidos dizem “impossível” – mas Debka, a voz na internet dos falcões israelitas, diz que é verdade. Eu sou dos que acham que é provável. Além disso, agora que os iranianos têm o drone, estão a trabalhar para decifrar todos os seus segredos tecnológicos. Quem sabe? Podem publicar esses segredos, para conhecimento do mundo inteiro. Nesse caso, quão secretos serão os supersecretos drones?

Ah, sim, a Alemanha. Como todos sabem, há uma “crise” na zona euro. E a chanceler Merkel tem trabalhado duramente para que os países da zona euro comprem uma “solução” que funcione para Berlim, tanto politicamente, no interior da Alemanha, quanto economicamente na Europa. Ela tem pressionado a favor de um novo tratado que imponha sanções automáticas aos países da zona euro que violem as suas disposições. Os Estados Unidos achavam que esta era a abordagem errada. A posição da Casa Branca era de que se tratava de uma ação de médio prazo que não resolvia a situação de curto prazo. Obama despachou o seu secretário do Tesouro, Timothy Geithner, para a Europa, para insistir nas suas sugestões alternativas. Não interessam os detalhes, nem quem é mais sábio. O importante a ressaltar é que Geithner foi totalmente ignorado e os alemães seguiram o seu caminho.

Finalmente, os países da América Latina e do Caribe reuniram-se na Venezuela para fundar uma nova organização, a CELAC – a sigla de Comunidade dos Estados da América Latina e do Caribe. Todos os países da América entraram, exceto dois que não foram convidados – os Estados Unidos e o Canadá. A CELAC tem o objetivo de substituir a Organização dos Estados Americanos (OEA), que inclui os EUA e o Canadá, e suspendeu Cuba. Pode demorar algum tempo até que a OEA desapareça e só a CELAC permaneça. Mesmo assim, não é exatamente uma coisa que esteja a ser comemorada em Washington.

Tradução, revista pelo autor, por Luis Leiria para o Esquerda.net.

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