sábado, 7 de janeiro de 2012

Como é fácil tolerar a dor alheia

Já vou avisando ao leitor que este texto é – também – uma autocrítica. Na noite da última terça-feira, cometi um erro que decorre daquele que talvez seja o defeito mais grave em um ser humano: a hipocrisia. Sim, fui hipócrita. E, além disso, fiz mau jornalismo. Este texto, então, é necessário porque quem combate o mau jornalismo e a hipocrisia, não pode praticá-los.

Poderia deixar passar batido. Tenho créditos para usar entre a esmagadora maioria dos que têm a bondade de ler o que escrevo. Tanto é que apenas três pessoas me questionaram e os comentários do post em que fui hipócrita mostram que minha argumentação torta foi aceita pela maioria. Contudo, há alguém que não me perdoará se não me redimir: eu mesmo.

Escrevi sobre um rumoroso caso de racismo envolvendo o restaurante paulistano Nonno Paolo, incrustado no elegante bairro do Paraíso, onde resido não por minha condição sócio-econômica, mas por ter nascido e vivido sempre nessa parte de São Paulo.

Relembro o caso para quem não o conhece: o gerente do restaurante expulsou um garotinho negro, filho adotivo de um casal de estrangeiros, por ter ficado sozinho na mesa enquanto os pais serviam-se no buffet. O funcionário achou que se tratava de uma criança de rua.

Por frequentar esse restaurante há décadas, por meus filhos terem crescido freqüentando-o, por ter sido sempre bem atendido ali, “amaciei” a análise que fiz desse doloroso caso de racismo dizendo a batatada de que meus filhos (brancos), quando pequenos, sempre foram bem tratados no Nonno Paolo e que o restaurante fez apenas o que boa parte do comércio da região faz habitualmente, ou seja, não tolerar pessoas muito humildes em suas dependências.

Para ajudar a desculpa que arrumei para ser menos contundente do que costumo ser sobre casos de racismo, vali-me de conversa telefônica que mantive com o parente do casal de espanhóis que foi quem fez a denúncia no blog do Luis Nassif, uma denúncia que acabou se espalhando pela imprensa.

Essa pessoa me disse ao telefone que, ao inquirir o restaurante, ficou com a impressão de que tinha havido uma conduta isolada do gerente e que talvez não fosse aquela a política da casa. Contudo, por residir na região, bem sei que o que ocorreu no Nonno Paolo teria ocorrido em qualquer outro restaurante daquele nível naquela região elitizada da cidade.

Quem me mostrou a minha hipocrisia foram três amigas do Facebook. Poucos ficariam sabendo do questionamento que me fizeram, mas eu saberia e não posso conviver com o que me mostraram sobre eu mesmo.

Em um primeiro momento, não aceitei bem a crítica porque ninguém gosta de descobrir que agiu com hipocrisia. Senti-me insultado e, apesar de não ter perdido a linha, naquele primeiro momento critiquei quem me criticou argumentado que há anos luto contra o racismo neste blog.

Terminamos o debate – sem perdermos a linha, graças a Deus – e fui me deitar. Não foi fácil conseguir dormir porque fui me dando conta de que aquelas pessoas tinham razão. Percebi que se eu não tivesse laços afetivos com aquele estabelecimento, de fato teria sido mais duro em minha análise.

Para completar, ao buscar as notícias do dia leio que a direção do restaurante optou por compactuar com seu funcionário – que, talvez, nem seja o racista, pois pode ter agido sob ordens dos patrões. O restaurante agora alega que não expulsou o menino negro, que ele é que saiu de lá por conta própria.

É uma piada. Por que uma criança estrangeira, em um país que não é o seu, deixaria um lugar em que estava com seus pais e iria chorar, toda encolhida e assustada, a um quarteirão de distância?  E o pior é que os pais adotivos do menino dizem que ele jamais faria isso.

Para mim, essa mentira encerra a questão. Não voltarei mais a esse restaurante se ele não provar que diz a verdade. E apesar de estar tentando me redimir, foi doloroso constatar que até aquele que tenta ser o mais verdadeiro possível pode se deixar levar pela conduta comum nesta sociedade hipócrita de minimizar a dor alheia diante da injustiça.

O saldo desse episódio, porém, é positivo. Estou conseguindo superar não apenas a hipocrisia por que fui acometido, mas a má conduta jornalística que adotei ao permitir que minhas idiossincrasias interferissem no meu julgamento sobre uma notícia. Além disso, a repercussão do caso deverá servir de alerta ao comércio da região.

Agradeço, portanto, às amigas do Facebook Paula, Wilma e Valeria. Ajudaram-me a não agir como condeno, a manter a lucidez e, com isso, a me sentir bem comigo mesmo. Quem nunca tentou agir assim quando descobre que errou, sugiro que tente. A sensação de alívio da consciência é absolutamente gratificante.

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