São Paulo – O anúncio pela prefeitura da capital paulista de licitação para construção de 61 novas creches até 2012 deve atender apenas 6% da demanda de crianças até três anos e 11 meses. A decisão foi divulgada no início de agosto. A fila de espera na cidade ultrapassa 147 mil crianças nessa faixa etária, informou a Secretaria Municipal de Educação. Para conseguir uma vaga, é necessário aguardar até dois anos, por causa da falta de creches, o que provoca impactos na vida das famílias e dificuldades profissionais, especialmente para as mães.
"O compromisso é zerar toda a demanda registrada até dezembro de 2008, conforme foi registrado na Agenda 2012", destacou o órgão, por meio de sua assessoria de imprensa. Há três anos, o déficit era de 61 mil vagas, 41% do calculado atualmente.
A técnica em enfermagem Walkíria Laila Vieira é uma das milhares de mães que aguardam uma vaga. Ela inscreveu a filha Myrella, de três meses, na lista de espera de uma creche na zona leste de São Paulo em junho. Na ocasião, foi avisada de que já não havia mais vagas sequer para o ano que vem. Atendimento, só para 2013.
A perspectiva de ter de esperar 18 meses para ter acesso ao serviço em uma unidade da rede municipal não chega a ser uma novidade para Walkíria. Em 2008, quando teve o primeiro filho, ela tampouco encontrou vaga e teve de aguardar dois anos até sua criança ser chamada. Na época, conta, peregrinou por várias delegacias de ensino em busca do direito. “Foi um sofrimento”, resume. "A cada 'não' que eu ouvia, saía e chorava."
Questionada, a Secretaria de Educação informou que a pequena Myrella ocupa a posição de número 120 na fila por uma vaga na creche da região em que foi cadastrada. Ela será chamada por ordem de cadastro, quando possível. O órgão municipal considera inviável estipular prazo para o atendimento.
A saída será pagar uma instituição particular, o que vai exigir dela e do marido uma carga maior de trabalho e sacrifício. “Vamos trabalhar a mais, fazer um esforço a mais em família para pagar uma creche para ela. Vamos tirar de onde não tem, porque não temos opção.”
Ela avalia que mães com salários mais baixos acabam desistindo de trabalhar, por impossibilidade de manter todos os gastos envolvidos nos cuidados de uma criança pequena, quando não encontra o serviço que deveria ser oferecido pelo poder público. "Como é que uma mãe que ganha um salário mínimo (R$ 545) vai gastar R$ 400 numa escola de meio período?"
No caso de Waldíria, o impacto na vida financeira do casal não para no pagamento da escola particular. Há outros gastos, como alimentação, transporte e fraldas, por exemplo. “Uma mãe que não tem condições de pagar pela creche e não consegue vaga na prefeitura, também não consegue trabalhar”, resume.
O plano da Prefeitura inclui ainda a construção de 66 pré-escolas para alunos até cinco anos de idade e 29 unidades de ensino fundamental.
Em paz
Deixar os filhos pequenos em casa ou em estabelecimento particular apenas por meio período é motivo de muita preocupação para mãe, completa Walkíria. Além do impacto financeiro, "é difícil trabalhar em paz". "Na creche da prefeitura, que é tempo integral, você sabe que as crianças serão alimentadas e você consegue desenvolver suas atividades diárias em paz."
Esse impacto é bem conhecido por quem trabalha na ONG Projeto de Incentivo à Vida (Pivi), na zona norte da capital paulista. Mães que conseguiram vagas para os filhos, por intermédio do Conselho Tutelar, puderam trabalhar e viver melhor, como conta Márcia Gabriel, assistente de direção da entidade.
A organização funcionava como abrigo de crianças abandonadas ou cuja guarda havia sido retirada dos pais. Por causa da alta demanda na região não atendida por instituições da prefeitura, passou a atender em sistema de creche. “O cuidado dado às crianças passa também por um trabalho junto às familia”, explica Márcia.
Ela relata a situação de uma das mães que, por falta de vagas em escolas públicas, levava os seis filhos pequenos para seu trabalho de catadora de recicláveis. “Ela quase perdeu a guarda das crianças”, lembra Márcia. Graças ao convênio com o Conselho Tutelar, as crianças foram recebidas no programa e a mãe, tranquila no trabalho, conseguiu nova colocação. Com um emprego melhor, foi questão de tempo até conquistar uma nova casa, deixando o barraco de madeira em que viviam para se instalar, com os filhos, em uma moradia de alvenaria.
Outro caso acompanhado por Márcia, foi o de uma avó que, para trabalhar, deixava quatro netos sozinhos em casa. O Conselho Tutelar interveio e, antes que elas fossem recolhidas a um abrigo, o Pivi cedeu vagas para as crianças. A avó pode trabalhar, o que lhe permitiu garantir condições para manter a guarda dos netos.
De acordo com Sérgio Antiqueira, coordenador de educação do Sindicato dos Trabalhadores na Administração Pública e Autarquias do Município (Sindsep), além da fila de espera por vagas, as crianças atendidas enfrentam acomodações superlotadas nas unidades públicas. "A superlotação foi feita aumentando de 18 para 25 a capacidade de atendimento de crianças que completarão 4 anos", acusa.
Segundo Antiqueira, em momentos como a hora do sono, as salas chegam a ficar tomadas de colchonetes pelo chão, sem espaços sequer para a circulação da professora, ou até para se abrir a porta. "É um risco inclusive para a saúde das crianças", alerta.
A vereadora Juliana Cardoso (PT-SP) acredita que a falta de vagas é símbolo de descaso do prefeito Gilberto Kassab (ex-DEM, a caminho do PSD) com as mães que precisam trabalhar. “A prefeitura tem R$ 10,07 bilhões em contas e aplicações financeiras, mas não usa para as creches”, delata.
Cadastro
Em resposta à Rede Brasil Atual, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo afirma que as crianças são chamadas para atendimento de acordo com a ordem numérica de cadastro, observada a correta acomodação nos agrupamentos ou estágios. “Os responsáveis podem consultar a situação por meio do Portal da Educação ou por listagem afixada em qualquer escola do mesmo distrito/setor.”
A secretaria afirma ainda que quanto mais vagas o poder público oferece, mais a procura aumenta, e tem sua opinião sobre a alta da demanda: “possivelmente pelo conhecimento e avaliação positiva do serviço prestado”. Para minimizar o problema, a opção tem sido construir prédios próprios e firmar convênios com entidades não governamentais idôneas, principalmente nas áreas onde a procura é maior, segundo o órgão.
Fonte: Rede Brasil Atual
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