Marcelo Justo, correspondente da Carta Maior em Londres
Quando surgiram os primeiros problemas na zona do euro, os ciclos da crise duravam semanas e até meses. Agora, os tempos estão diminuindo. Até os mercados financeiros estão perdendo a fé nos "pacotes de austeridade". Sem crescimento, não há perspectiva de saída da crise. No segundo trimestre do ano, o crescimento do motor da eurozona, a Alemanha, mostrou um anêmico 0,1%. A França teve crescimento zero. Os resgates feitos até aqui não são para salvar os países em crise, mas sim os bancos que fizeram empréstimos irresponsáveis na década passada, diz o economista grego Costas Lapavitsas à Carta Maior.
Em meio à tormenta, o barco europeu segue à deriva. Como um filme visto em distintas velocidades, a sequência se repte com crescente celeridade. Os mercados financeiros baixam o polegar para um país da eurozona, isso causa turbulência nas bolsas de valores e alarma os líderes da eurozona que convocam uma reunião de emergência e acertam medidas anunciadas como a solução definitiva dos problemas, quando, na verdade, não são mais do que um brevíssimo respeito até que o ciclo começa novamente.
No início da crise da eurozona, esse ciclo durava semanas e até meses. Em janeiro de 2010, o governo grego reconheceu um buraco fiscal que provocou medo. Em maio, a União Europeia e o FMI aprovaram um resgate de 120 bilhões de euros. Cinco meses. Com a República da Irlanda, os tempos se encurtaram: tudo aconteceu entre meados de outubro e princípios de dezembro. Portugal tomou mais ou menos o mesmo tempo.
Cada resgate vinha com a promessa de que era o muro protetor que limitaria a crise aos países periféricos, enquanto estes colocam sua casa em ordem mediante ajustes draconianos. Essa ilusão teve a consistência vaporosa dos sonhos. Nem o ajuste deu resultados, nem a crise foi contida. Hoje, Espanha, Itália e França estão sofrendo o assédio.
Nesta nova etapa os tempos estão diminuindo novamente e o papel dos protagonistas está sendo desmascarado. Em vez de uma cúpula dos 17 países que formam a eurozona ou dos 27 da União Europeia (UE), no dia 16 de agosto a chanceler alemã Angela Merkel e o presidente da França, Nicolas Sarkozy, tiveram uma mini-cúpula em Paris para acalmar os mercados financeiros com novas propostas. Não conseguiram. França e Alemanha constituem a metade do PIB da Eurozona, mas, desta vez, o acordo não aportou nem o respiro de uma promessa desesperada.
Quem quer eurobônus?
Merkel e Sarkozy descartaram a saída dos eurobônus, favorita dos mercados, e propuseram uma taxa Tobin para as transações financeiras e uma reforma futura da eurozona para que o equilíbrio orçamentário seja incluído na Constituição de cada país membro. A taxa Tobin chegou demasiado tarde. A reforma é para um tempo vago e hipotético. Os mercados baixaram o polegar para a mini-cúpula e voltaram a pedir eurobônus com a mesma perseverança com que antes exigiam ajustes.
Até os mercados financeiros estão perdendo a fé nos ajustes. A era da austeridade começou na Europa pela vocação ortodoxa dos políticos europeus e pela crise grega. As nações periféricas e as centrais da eurozona competiram em cortar o gasto público e aumentar os impostos para lidar com o déficit fiscal e tranquilizar os mercados financeiros. Mas nem os programas que a Grécia acordou com a UE e com o FMI, nem os pactuados com a República da Irlanda e Portugal, nem os que encararam preventivamente Espanha, Itália e França tranquilizaram ninguém: como uma noiva relutante, os mercados sempre encontram defeitos em seus pretendentes.
Diante da escassez do financiamento privado, o Banco Central Europeu (BCE) adquiriu bônus do Estado de distintos países em um valor de 100 bilhões de euros: sua última compra foram 22 bilhões de euros em bônus espanhóis e italianos. “A continuar neste caminho, no médio prazo, digamos 2015, o BCE terá em seus cofres a maior parte da dívida dos países periféricos”, disse à Carta Maior Costas Lapavitsas, economista grego da School of Oriental and African Studies (SOAS), na Universidade de Londres. A crise será coletiva.
Os eurobônus tentam oferecer um caminho alternativo, ressaltando uma vantagem comparativa do conjunto da eurozona. Olhados como uma unidade, os 17 países que se regem pelo euro como moeda tem uma dívida equivalente a 88% do seu PIB, cerca de 10% menos que os EUA (98%) e apenas um pouco acima da dívida do Reino Unido (83%), enquanto seu déficit fiscal é de 4% do PIB, muito menor que o dos EUA 910%) e do Reino Unido (8,5%). Além disso, os eurobônus complementariam o Fundo para a Estabilidade Financeira Europeia, que contará este outono com cerca de 440 bilhões de euros. O problema é que um título garantido pelos 17 países da eurozona aumentaria a taxa de juros para a Alemanha e os outros cinco países com classificação de crédito AAA. A reunião entre Merkel e Sarkozy deixou claro que não há apetite político para isso.
Sem crescimento, em lugar algum
Mais além da ansiedade das bolsas e do mercado financeiro desta semana, o pano de fundo do encontro entre Merkel e Sarkozy foram os dados da economia real publicados na terça-feira. No segundo trimestre do ano, o crescimento do motor da eurozona, a Alemanha, mostrou um anêmico 0,1%, anos-luz do surpreendente 3,5% de 2010. A queda do motor alemão arrastou a eurozona em seu conjunto que cresceu 0,2%, contra 0,8% do primeiro trimestre.
A análise dos dados do segundo trimestre é reveladora. A Alemanha é o segundo exportador mundial depois da China e seu desempenho neste setor seguiu sendo positivo apesar das rachaduras que vem apresentando a demanda mundial. O consumo alemão, em troca, está estagnado. O ajuste lançado por Angela Merkel em 2010, líder da iniciativa de dar marcha-ré na política timidamente keynesiana do G20, e a ansiedade europeia frente a um futuro incerto, são o pano de fundo que explica o retraimento dos consumidores alemães.
O outro motor europeu, a França, teve crescimento zero. O consumo doméstico, que havia sustentando a expansão francesa na década passada, está fazendo água. O retrocesso da Alemanha, seu principal parceiro comercial, e o da eurozona, também estão deixando sua marca. Sarkozy está impulsionando um novo ajuste para cumprir com seu compromisso de reduzir o déficit a uns 3% em 2013. Alguns economistas calculam que precisará de 20 bilhões de euros para alcançar esta meta, seja por aumento de impostos ou por corte de gastos públicos. É disso que a economia francesa necessita para voltar ao caminho do crescimento?
O exemplo dos países periféricos da eurozona é claro. Os ajustes aprofundaram a crise na Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália, os chamados PIIGS, na sigla em inglês. Os mercados financeiros, que antes suspiravam por um bom plano de ajuste, agora parecem se dar conta que, sem crescimento, a eurozona não vai sair do pântano.
A sombra dos bancos
Com um crescimento anêmico, a eurozona parece ameaçada por um fantasma presentes desde a debacle de 2008: uma crise generalizada do setor financeiro. “A estratégia dos resgates dos países periféricos têm um objetivo de fundo: proteger os bancos dos países centrais da eurozona. Ao contrário do que se pensa, os resgates não são para salvar os países irresponsáveis periféricos, mas sim os bancos que apostaram em maximizar seus lucros com empréstimos irresponsáveis durante toda a década passada. O problema é que os governos não podem sair a resgatar diretamente os bancos, pois isso não seria tolerado pelo eleitorado. Do modo que emprestam aos países da periferia para evitar uma crise financeira”, disse à Carta Maior Costas Lapavitsas.
As estatísticas do Banco Internacional de Compensações, da Basileia, são eloquentes. Os bancos alemães estão expostos a mais de 500 bilhões de dólares de dívida pública e privada de Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha. O pânico recente na França, que causou uma abrupta queda dos valores dos bancos nas bolsas de valores, reflete a exposição de suas entidades. O BNP emprestou para a Itália mais de 21 bilhões de euros e mais de 30 bilhões para Grécia, Irlanda, Itália, Portugal e Espanha. O diretor da Societé Generale, Frederic Oueda, queixou-se à revista The Economist que o mercado estava perdendo toda a racionalidade e ficando exposto aos especuladores. “Há rumores totalmente falsos para fazer fortunas rápidas”, assinalou Oueda.
O fantasma de uma reestruturação da dívida externa dos países da eurozona ganha cada vez mais espaço. No caso da Grécia, a maioria dos economistas diz há tempos que a situação é insustentável. Com uma dívida de 145% de seu PIB, um déficit fiscal que ronda a casa de 13% e taxas de juros vitaminadas pela falta de confiança em sua economia, a reestruturação ou a moratória são as únicas alternativas à vista. “No momento os países da eurozona estão ganhando tempo, jogando a bola para frente, esperando que a tormenta acalme e apareçam sinais positivos no horizonte”, indicou à Carta Maior Johyn Bowler, diretor de risco-país da Unidade de Inteligência da The Economist.
O fator político
Tempo não sobra. O movimento dos indignados na Espanha mostra que a faísca pode acender a qualquer momento e de qualquer maneira. Os protestos na Grécia, na República da Irlanda, em Portugal e na Itália são uma mostra de que o edifício econômico-financeiro está assentado sobre um barril de pólvora. Ninguém pode predizer o resultado de uma crise. Na década de 30, a balança europeia se inclinou para a direita mais sinistra.
As complicações de pilotar uma crise desta magnitude com eleições à vista é outro problema. Angela Merkel é consciente dos riscos de uma implosão do euro está tentada pela saída de emergência do eurobônus, mas a opinião pública rejeita novos resgates de países periféricos e sua própria coalizão de governo se quebraria. Sarkozy quer avançar com a redução do déficit, mas as eleições de 2012 e a tradição de resistência dos franceses não lhe dão muita margem de manobra.
Diante desse quadro, os dirigentes europeus se parecem com alguém que reza para o céu para que passe a tormenta sem sequer abrir o guarda-chuva. Uma crise à la Argentina para a Grécia e boa parte da eurozona é um dos fantasmas mais temidos. A grande diferença é que, desta vez, a implosão espalharia destroços sobre o resto do planeta. Paola Subbachi, diretora de investigações de Economia Internacional do Instituto Real de Londres, Chatam House, comparou a situação atual com a que precedeu a queda do Lehman Brothers.
“A crise do Lehman Brothers chegou lodo depois de um longo processo que passou pela contração creditícia de 2007, a queda do Bear Stearns e, finalmente, a quebra de setembro de 2008. Algo similar está ocorrendo com o euro. Não é um tsunami repentino. Os problemas com a Grécia vêm de longe. Mas o efeito de uma implosão pode ser muito mais devastador, dada a interdependência do setor financeiro”, assinalou Subbachi à Carta Maior.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
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