Por: Flavio Aguiar
No momento em que escrevo este comentário, as notícias ainda são desencontradas e contraditórias. Há uma certeza generalizada (inclusive de minha parte) de que Muammar al Kadafi está morto. A foto mostrada na internet e que correu mundo, de um corpo ensangüentado e olhos mortos ou agonizantes, é de alguém muito parecido com ele.
Ainda há dúvidas sobre se ele foi morto na captura, depois dela, ou em conseqüência de ferimentos. As potências ocidentais e a OTAN ainda não confirmaram a sua morte, e não há ainda um cadáver ou provas oriundas de autópsia.
Também há notícias de que um de seus filhos foi encontrado morto e um outro, capturado. O corpo de Kadafi teria sido levado para Misratah. O embaixador da Líbia em Londres confirmou a morte do ex-presidente, assim como o comandante militar Abdul Hakim Belhaj.
A morte de Kadafi perto de sua cidade natal, Sirte, explica também a resistência ao mesmo tempo feroz e resignada à sua tomada pelas tropas do Conselho de Transição Nacional. Resta também a esclarecer a participação da OTAN na sua morte. Há informações de que ele estaria num comboio motorizado nas cercanias da cidade que foi atingido por um ataque aéreo. Ele teria então procurado refúgio num cano de escoamento (esgoto?), onde teria sido alcançado pelas tropas do CTN.
Ao lado das perguntas sobre o fato em si ficam outras sobre o futuro da África nessa nova circunstância internacional. O continente africano tem sido palco de uma nova série de intervenções de diversas naturezas.
A China tem se concentrado em construir infra-estrutura e extrair matéria prima. Também, em alguns casos, exporta mão de obra. A Índia tem preferido favorecer a expansão de algumas mega-corporações onde tenha participação. O Brasil também participa desse jogo, privilegiando os países de língua portuguesa, mas também presente em outros, inclusive em países da Liga Árabe, não esquecendo que também houve venda de armamentos nessas negociações. Mas até aqui estamos falando de intervenções econômicas.
Já as potências ocidentais, França, Grã-Bretanha e Estados Unidos (com ajuda da Itália), através da OTAN ou não, privilegiaram o que sempre fizeram: a intervenção militar. A França foi particularmente agressiva nesse particular, intervindo diretamente na Costa do Marfim e “puxando”, por assim dizer, a intervenção na Líbia.
Já há notícias de negociações entre a França, a Grã-Bretanha e o Conselho Nacional de Transição na Líbia em torno do petróleo daquele país, negociações que interessariam também diretamente à Itália. No noticiário, o primeiro mandatário a se manifestar abertamente sobre a morte de Kadafi foi o indefectível Berlusconi.
Não resta dúvida, portanto, de que a África está entrando numa nova fase de intervenção externa, entre as tantas de sua história. O que isso vai significar para os anseios de democracia na região ainda está por se verificar. Historicamente, nenhuma intervenção externa, sobretudo as do Ocidente, favoreceu qualquer democratização na região. Pelo contrário.
Quanto a Kadafi, fica de pé uma melancólica pergunta: quando ele traçou esse seu destino inglório? Terá sido quando se tornou o desafiador nacionalista da ordem ocidental e imperialista nos anos 60? Ou quando traiu os ideais do movimento que liderou e tornou-se um ditador megalomaníaco e corrupto? Ou ainda quando se reaproximou do Ocidente, disposto a tornar-se sua nova marionete na região em troca de pesados investimentos no setor petrolífero?
Vá se saber.
Nenhum comentário:
Postar um comentário