sábado, 29 de outubro de 2011

A urgência de uma nova ordem econômica e social

Escrito por: Jacy Afonso de Melo, secretário Nacional de Organização e Política

A URGÊNCIA DA REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO E DA REFORMA FISCAL POR UMA NOVA ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL

De tempos em tempos, as crises surgem como manifestação de um profundo desequilíbrio, anunciando o início de um novo ciclo na história, impondo a necessidade de buscar novos modelos de organização econômica e social. Embora difíceis, as crises são geralmente períodos ricos, onde a esperança na superação das desigualdades sociais e na construção de um mundo mais justo favorece e inspira a reflexão, a produção de conhecimento e a mobilização popular. Acredito que a crise mundial que vem se agravando desde 2008 pode ser um desses momentos. O debate da sustentabilidade, a primavera árabe e a crise financeira internacional representam um conjunto de fatores que exigem a construção de novos caminhos.

A despeito das diferentes análises e prognósticos, é crescente a defesa da necessidade de buscar a sustentabilidade global, que abrange aspectos ambientais, sociais, econômicos e políticos. O desenvolvimento sustentável é aquele que não leva ao esgotamento irreversível dos recursos naturais e humanos, ao contrário, é capaz de garantir o equilíbrio na relação existente entre a produção e o consumo, entre o homem e a natureza. O processo de produção sobre o qual se organiza e se sustenta a sociedade pressupõe a exploração da natureza pelo homem. Neste sentido, pode parecer contraditório falar em equilíbrio, porém, a exploração não precisaria ser necessariamente devastadora se estivesse orientada pelo princípio da construção coletiva do bem comum, numa lógica de produção e distribuição que contemplasse o conjunto da sociedade e o fim da acumulação, sustentável na medida em que prevalecesse uma interação baseada na cooperação não apenas com o meio ambiente, mas dos seres humanos entre si.

Porém, a análise da conjuntura atual nos leva a concluir que o modelo de organização econômica e social caminha em sentido oposto ao do desenvolvimento sustentável e se aproxima do seu esgotamento. O capitalismo vive uma crise sistêmica, fruto da contradição e da inconsistência existente na sua lógica de sustentação, que aponta para a inviabilidade, pois aprofunda o desequilíbrio nas relações sociais e na relação com o meio ambiente, promovendo uma exploração inconsequente dos recursos naturais com o objetivo de aumentar as escalas de produção e consumo visando o excedente e a acumulação, elevando a níveis insuportáveis as desigualdades sociais e a degradação humana, com aumento da miséria e da violência. A engrenagem central que opera este processo de acumulação e concentração de renda do capitalismo é o sistema financeiro. Porém, se considerarmos o processo dialético de evolução da sociedade, podemos imaginar que a crise atual terminará numa reacomodação do sistema capitalista. Por outro lado, podemos considerar que, exatamente por se tratar de uma crise que explicita um esgotamento do modelo atual, ela abre espaço para mudanças estruturais na ordem econômica e social.

Se, na superação da crise de 1929 teve papel determinante a intervenção e o papel regulador do Estado no controle do crédito, no incentivo à produção e na promoção das políticas públicas, ao mesmo tempo a história nos prova que a sanha do sistema capitalista pelo lucro e pela acumulação não cessa. Se o New Deal americano e o Welfare State europeu garantiram aos países ricos uma elevação na qualidade de vida, aumentaram os níveis de produção e consumo e promoveram relativa distribuição de renda e avanço na conquista de direitos trabalhistas e sociais, o Neoliberalismo, a partir dos anos 80, vem promovendo uma crescente redução do papel regulador do Estado, avançando no processo de flexibilização e precarização das relações de trabalho, na desregulamentação do sistema financeiro internacional, com conseqüente crescimento da liquidez internacional e do fluxo de capitais, elevando ainda mais as escalas globais de concentração de renda. A crise atual, como sabemos, é resultado deste processo, fruto da especulação financeira que, ao longo deste período, deslocou o eixo da acumulação de riquezas a partir da apropriação do excedente da produção coletiva para a ciranda financeira. A bolha especulativa que explodiu nos Estados Unidos em setembro de 2008, levando à falência o banco americano Lehman Brother, foi fruto da mágica de fazer dinheiro gerar dinheiro sem nenhum vínculo com a produção, sem lastro com a geração concreta de riqueza. Em 2009, estimava-se um volume global de US$ 30 trilhões em ativos fantasmas.

De lá pra cá, o que temos visto? Como sempre, a avidez dos capitalistas transferindo os prejuízos para o Estado, ou seja, para os trabalhadores/as, para a sociedade. Temos assistido ao carreamento de recursos públicos para cobrir os prejuízos privados, bilhões e bilhões de dólares e de euros, transferidos a “fundo perdido” para o sistema financeiro. Segundo levantamento da ONU, o volume de recursos públicos injetados no sistema financeiro entre 2008 e 2009 chegou a US$ 18 trilhões. Precisamos ter clareza de que estes recursos não retornam para o Estado, ao contrário, o que vemos na sequência é o mesmo sistema financeiro explorando o Estado através do financiamento da dívida pública que, em última instância, foi agravada pelo socorro aos Bancos. O prejuízo fica para o Estado e para a sociedade, para os trabalhadores e trabalhadores, pois o dinheiro sai dos investimentos nas políticas públicas de saúde, educação, habitação, seguridade social, sai dos investimentos em infra-estrutura, em lazer e cultura, resultando em recessão, desemprego, mais acumulação e concentração de renda. Dados publicados recentemente pelo Credit Suisse no Relatório da Riqueza Global indicam que a concentração de renda entre 2010 e 2011 aumentou em 29%. Temos hoje menos de 1% da população mundial controlando 38,5% da riqueza global.

No Brasil, atravessamos a crise em outras condições, pois o incentivo à produção e às políticas de crédito garantiu a manutenção do nível de atividade econômica, continuamos com a economia aquecida, com geração de emprego e crescimento econômico. Porém, enfrentamos no Brasil a mesma política de concentração de renda através do Sistema Financeiro Nacional, com o lucro líquido dos bancos batendo recordes seguidos graças às altas taxas de juros e ao spread bancário. Se em 2001 os quatro maiores bancos brasileiros somaram 1,5 bilhão de lucro líquido no primeiro trimestre, no mesmo período de 2011, a soma superou os 10 bilhões, com um crescimento de 17% em relação a 2010. Por sua vez, os incentivos à produção através dos empréstimos com recursos públicos a taxas subsidiadas e as políticas de redução tributária, que foram importantes na superação da crise, não retornaram em contrapartidas sociais, ou seja, também foram recursos públicos investidos a fundo perdido no setor privado.

A necessidade de regulamentação e controle público sobre o sistema financeiro é um debate que ganha força em escala global. Assistimos, nos últimos dois anos, ao ressurgimento do movimento social na Europa e nos Estados Unidos, com mobilizações e atividades de rua pedindo uma nova ordem econômica mundial. Na Europa, chamaram a atenção de todo o mundo as manifestações de rua em Londres e em Madri, as greves na Grécia e na Itália. Nos Estados Unidos, o movimento Occupy Wall Street cresce e já se espalha por várias cidades do país, obrigando as autoridades a se manifestarem.

No Brasil, a Confederação dos Trabalhadores do Ramo Financeiro da Central Única dos Trabalhadores – CONTRAFCUT vem, desde 1992, pautando a necessidade de regulamentar o artigo 192 da Constituição Federal, que trata do papel do sistema financeiro nacional. O debate que fazemos é que Banco é concessão pública, o que significa dizer que o Estado concede a uma pessoa jurídica o direito de fazer a gestão do dinheiro da sociedade, é uma prestação de serviço que o Estado delega a um agende privado, no caso dos bancos privados. A Constituição de 1988 determina que osistema financeiro nacional deve ser “estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade”. Esta concessão deve reverter em serviço prestado ao desenvolvimento social. A gestão dos recursos depositados nos sistema bancário não poderia jamais ser revertida em benefício privado, como estamos assistimos. Os bancos tanto públicos como privados devem ter políticas de crédito que favoreçam o desenvolvimento, com investimento na produção, na habitação, na agricultura, em infra-estrutura, promovendo da inclusão bancária. Não cabe dentro do papel social da concessão pública a escalada do lucro líquido acumulado pela pessoa física, o dono do Banco, estes bilhões deveriam ser devolvidos à sociedade. O que assistimos é um descompromisso com a oferta de crédito; um investimento preferencial dos bancos nos títulos públicos em busca de alta rentabilidade; uma política de correspondentes bancários que visa excluir a população mais pobre de dentro das agências e precarizar as condições de trabalho; a redução do quadro de funcionários e a extorsão dos clientes através das altas tarifas bancárias. O Projeto da CONTRAFCUT estabelece que a regulamentação do sistema financeiro deve garantir uma política de crédito voltada para o desenvolvimento do país, defende a ampliação do Conselho Monetário Nacional com participação popular, o controle das políticas de juros e spread bancário e uma revisão do papel do Banco Central. Recentemente, a Confederação abriu um debate sobre a necessidade de realizarmos a Conferência Nacional do Sistema Financeiro e vem pautando este assunto junto ao governo e à sociedade.

Outro debate que está na ordem do dia e que precisamos enfrentar com empenho redobrado é o da reforma tributária, pois a política tributária é outro instrumento de transferência de recursos públicos para o domínio privado, acentuando a concentração de renda. A CUT também tem proposta para a Reforma Tributária e defende o projeto da UNAFISCO – Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, que propõe uma inversão na lógica da política tributária brasileira, substituindo a concentração da tributação sobre o consumo e o trabalho pela tributação da renda do capital e do patrimônio. Defendemos uma reforma tributária que garanta justa arrecadação e distribuição dos recursos. Não se trata de simplificar o debate defendendo uma redução da carga tributária em prejuízo das políticas sociais e do fortalecimento do Estado. Trata-se de garantir uma política de arrecadação progressiva, que permita arrecadar mais de quem tem mais e menos de quem tem menos, que permita uma justa distribuição da renda nacional. Queremos inverter a lógica atual de arrecadação que expõe o trabalhador que ganha até dois salários mínimos a uma carga tributária de 48%,
ou seja, quase o dobro de quem ganha mais de 30 salários mínimos e paga 26% de impostos.

Vivemos, portanto, um momento histórico de grandes oportunidades, um momento em que o modelo econômico e social do capitalismo está abalado em sua espinha dorsal, um momento em que o mundo todo discute a necessidade de buscar novos caminhos. Certamente, corremos o risco de uma reacomodação das estruturas capitalistas, mantendo seus mecanismos de exploração e acumulação, acirrando a intolerância e o preconceito, como temos assistido em vários países da Europa, onde a xenofobia ressurge, mas não podemos perder de vista a oportunidade histórica de iniciar a construção de uma nova ordem econômica e social, pautada pela distribuição da riqueza coletivamente produzida, pela distribuição de renda em favor da coletividade, do bem comum. Isto passa pelo fortalecimento do Estado, pela participação e o controle social, pela construção de uma sociedade desenvolvida com inclusão social, com investimento em habitação e saneamento básico, em educação, saúde e cultura.

A inteligência central do atual sistema está doente, a regulamentação do Sistema Financeiro pode ser a chave para iniciarmos estas mudanças e temos a possibilidade de fazer avançar este debate no Brasil. No Seminário sobre Justiça Tributária promovido pelo CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, como adendo à proposta defendida pela CONTRAFCUT, propus a realização da Conferência Nacional do Sistema Financeiro e Tributário, com participação do governo, empresários, trabalhadores e a sociedade civil. Esta é a hora, o Brasil desponta como uma liderança no cenário internacional e temos condições concretas de contribuir com propostas e iniciativas que favoreçam as transformações sociais que tanto necessitamos. A CUT tem papel determinante neste processo, representamos mais de 23 milhões de trabalhadores na base, 3671 sindicatos filiados, somos a maior central sindical do Brasil e a quinta maior do mundo.

*Jacy Afonso de Melo é bancário, foi delegado sindical no Banco do Brasil, presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília, presidente da CUT do Distrito Federal, secretário de Administração e Finanças da CUT Nacional e atualmente ocupa a Secretaria Nacional de Organização e Política Sindical da CUT. É diretor do DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), representa a CUT no Conselho Curador do FGTS e no Fundo de Investimento do FGTS. Desde 2009, participa como conselheiro do CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) criado pelo presidente Lula para debater, apresentar proposta e subsidiar o/a presidente da república nas suas decisões para a solução dos problemas que o país enfrenta.

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