Por Paulo Muzell
As ONGs – Organizações Não Governamentais -, entidades sem fins lucrativos foram originalmente instituídas para “estimular e promover ações políticas das populações excluídas com o objetivo central de construir uma sociedade fundada nos valores da democracia na busca de mais liberdade, igualdade, diversidade, participação e solidariedade.” Sua utopia inicial era a de “ajudar a construir a sociedade democrática com que todos sonham”.
Em março de 1999, no início do segundo quadriênio do governo FHC, entrou em vigor a lei nº 9.790, que possibilitou que pessoas jurídicas – grupos de pessoas ou de profissionais – se qualificassem junto ao Poder Público para estabelecer parcerias e convênios, atendidos certos pré-requisitos a serem examinados e comprovados junto ao Ministério da Justiça. Surgem as OSCIPs – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. Não esquecer que estamos no auge das políticas neoliberais do segundo governo “fernandiano”, cujos eixos centrais eram o “Estado mínimo” e um gigantesco programa de privatizações. Estimulava-se a formação do chamado “Terceiro Setor”, formado por ONGs e OSCIPs visando reduzir o tamanho e as atividades do Estado via transferência de recursos públicos para entidades privadas. Um setor público “enxuto” passaria a dividir com elas os encargos de gestão, controle e prestação de contas.
Independente da avaliação do acerto ou do desacerto das políticas de estímulo ao Terceiro Setor e de criação de ONGs, a é verdade é que elas “pegaram”. A idéia contou com sólido apoio e iniciativas, a esquerda e a direita. Segundo o IBGE, em 2005 já tínhamos no Brasil quase 350 mil ONGs.
Decorridos alguns anos já é possível afirmar que a extraordinária proliferação de convênios firmados pelas ONGs e OSCIPs com as três esferas de governo – União, estados e prefeituras – contribuiu para o aumento do desvio de recursos públicos. Não seria exagero dizer que as atividades do Terceiro Setor “escancararam as portas da corrupção” no país.
Os anúncios de desvios, superfaturamento, pagamentos realizados sem contrapartida são diários, fazem parte do nosso cotidiano. Esta semana tivemos o episódio Ministério de Esportes, Orlando Silva. Embora a origem da denúncia – a Veja – seja altamente suspeita em decorrência da parcialidade e da falta de credibilidade da revista e do próprio denunciante, tudo indica que há sérios problemas.
Aqui na Prefeitura de Porto Alegre tivemos recentemente dois lamentáveis episódios. O primeiro na Secretaria Municipal da Juventude, responsável pela execução do programa federal Pró-jovem. Denúncias de desvios de vários milhões de reais de convênios em decorrência de pagamentos indevidos e de superfaturamento originaram uma CPI na Câmara Municipal, resultando no cancelamento do programa em Porto Alegre. A Polícia Federal e O Ministério Público investigam os fatos.
Tivemos, também, os cinco convênios da Prefeitura de Porto Alegre com o Instituto Ronaldinho Gaúcho (IRG), firmados a partir de 2007. Foram quase 6 milhões de reais pagos pela Prefeitura ao IRG em convênios duvidosos, com absoluta falta de controle. Há um episódio absolutamente lamentável: a Procempa adquiriu equipamentos no valor de 400 mil reais, cedidos via SMED ao IRG em 2008. Até hoje não se conhece o destino dos computadores, aparelhos de som, TVs, máquinas de costura, fogões industriai, freezers, dentre outros utensílios e bens entregues pela Prefeitura ao Instituto. Há, também, o evidente superfaturamento nos serviços conveniados. O quinto convênio teve aumento de 50% no prazo e de 40% número de beneficiados, já o valor pago foi corrigido em 260%, fato que permite calcular um aumento de mais de 70% nos custos unitários dos serviços. O vereador Mauro Pinheiro (PT) está encaminhando denúncia ao Ministério Público Estadual.
Há também a indesejada proliferação dos convênios da Prefeitura com entidades privadas para manter escolas de educação infantil. Hoje são mais de duzentos. O problema é que o poder público ao dividir a gestão abre espaços para que se perpetuem privilégios no gozo de um serviço essencial, universal a ser prestado segundo um critério social. No caso do número de vagas ser inferior ao de pretendentes, deve ser contemplada a família de menor renda e com maior número de filhos. Pois isso não acontece quando a administração é entregue aos interesses particulares. Há um caso extremo: Prefeitura mantém uma escola infantil com a Ugapoci que destina 40% das vagas aos filhos de seus associados.
A conclusão que se chega é de que a proliferação dos convênios no Brasil ocorreu porque é uma forma de materializar a relação público-privado sem que se cumpram os ritos da licitação pública. Evita-se atender as exigências da lei 8.666, assumindo os riscos de uma relação negocial perigosa. Por trás da “fundação universitária”, da “associação comunitária”, da “cooperativa de servidores” se escondem interesses bem particulares, muitas vezes escusos: familiares eivados de nepotismo ou até partidários, dentre muitos outros.
A porta está aberta, traz prejuízos, deve ser fechada. A licitação e o contrato devem ser a regra, o convênio a exceção e para acordos específicos e de pequeno valor. De preferência firmado entre entes públicos.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário