Por Marcel Gomes, na Carta Maior
O secretário nacional de Economia Solidária, Paul Singer, disse nesta quinta-feira (13) que a estratégia dos presidentes Lula e Dilma de se aliarem ao sistema financeiro e ao latifúndio, “adversários da classe trabalhadora”, permite que se governe com tranqüilidade. “É algo que Chavez não tem na Venezuela, porque lá ele fomenta a luta”, apontou o professor de economia da Universidade de São Paulo (USP), que fez questão de destacar que o venezuelano atua de maneira democrática.
Fundador e militante do PT, Singer fez essas declarações em palestra apresentada no ciclo de debates “De Jango a Lula: anotações sobre a experiência do movimento socialista no Brasil e suas perspectivas”, organizado pela Casa das Cidades, em São Paulo. No próximo dia 24 de outubro, será a vez do sociólogo Francisco de Oliveira, também professor da USP, apresentar suas “anotações” sobre o tema.
Em sua fala, Singer rememorou a história conflituosa da esquerda brasileira e a repressão sofrida por ela em vários momentos do século XX, como no primeiro governo de Getúlio Vargas e na Ditadura Militar. Para ele, o governo petista faz hoje as “transformações que são possíveis”, pois o partido não possui maioria no Congresso. “São transformações que o PT sempre quis fazer, como desenvolvimento com distribuição de renda, uma coisa que muitos de nós acreditava ser impossível acontecer no capitalismo neoliberal, porque ele concentra a renda. Isso é digno de nota”, celebrou.
Para justificar a atual política de alianças, ainda que reconhecendo certo incômodo, o economista lembrou o senador Eduardo Suplicy, que assistia à palestra. Então vereador, Suplicy foi presidente da Câmara de São Paulo no primeiro biênio da administração da prefeita Luiza Erundina (1989-1993), na época filiada ao PT, mas deixou a função quando o governo perdeu a maioria na casa. “Sabemos como foi difícil governar dessa maneira”, disse Singer, que atuou como secretário de Planejamento de Erundina.
O economista afirmou ainda que convivência com o latifúndio tem uma natureza pragmática: as exportações da “agricultura capitalista” possui o papel estratégico de garantir os dólares necessários para equilibrar o balanço de pagamentos. Ele reconhece, porém, que essa política sacrifica milhões de brasileiros que permanecem sem acesso à terra. Com relação à aliança com o sistema financeiro, Singer afirmou que o governo Lula deu autonomia operacional ao Banco Central, mas de maneira informal. “Foi uma gambiarra, somos mestres nisso”, ironizou.
Análise histórica
Ao analisar a história da esquerda brasileira, Paul Singer afirmou que Getúlio Vargas foi um divisor de águas. Apesar de toda repressão na década de 30, Vargas passou a receber apoio dos sindicatos de trabalhadores e até de lideranças do partido comunista que haviam sido presas por ele, como Luís Carlos Prestes. Inicialmente sustentado por Vargas e pelo PTB, o governo de Eurico Gaspar Dutra, a partir de 1945, assume um viés conservador, ganha apoio da UDN e executa políticas econômicas liberais. “Foram cinco anos de repressão aos sindicatos e sem aumento do salário mínimo, apesar de a inflação atingir entre 20% e 25% ao ano”, lembrou o economista.
Em 1951, o início de um novo governo Vargas, agora de natureza democrática, traz para o poder uma “certa esquerda”, disse Singer, representada pela escolha de um jovem ministro do Trabalho, João Goulart. “A primeira coisa que ele fez foi dobrar o salário mínimo e retirar os interventores dos sindicatos. Isso é minha própria memória. Eu era metalúrgico eletrotécnico e participei da retomada do sindicato. Em 1953, todas as categorias industriais importantes de São Paulo entraram em greve, e a Justiça do Trabalho deciciu a favor dos trabalhadores”, relembrou.
A queda e a morte de Vargas, em 1954, não afastaram a esquerda do poder. Para Singer, a enorme comoção popular deram força ao PTB nas eleições seguintes, que elegeu João Goulart para vice-presidente – as eleições eram separadas – em 1956 e 1960. Sob Juscelino Kubitschek, o valor do salário mínimo atingiria seu maior valor na história. “Juscelino herdou um plano de aceleração da economia e o cumpriu. Fez a nova capital, Brasília, num prazo curtissimo. Não é pura demagogia dizer que ele fez o Brasil avançar 50 anos em 5″, afirmou Singer.
Com a renúncia de Jânio Quadros e a ascensão de Jango ao poder, a tensão política no Brasil se elevou. O Plano Trienal de Celso Furtado, ao buscar o controle da inflação, levou a economia à recessão em 1963, enfraquecendo o apoio do governo junto a população. O modelo parlamentarista, saída política encontrada para evitar o golpe contra Jango, caiu após o plebiscito. As revoluções comunistas e socialistas vitoriosas em diversos continentes agudizaram o clima político. “A revolução cubana ‘enloqueceu’ a esquerda brasileira. Eu mesmo fiz parte de um comitê de apoio a Cuba”, lembrou o economista.
Do golpe aos dias de hoje
Para Singer, ambiente de radicalismo, incentivado pelos fatos externos, acabou usado pelos militares como justificativa para o golpe, em 1964. Após um período em que a repressão não atingiria sua força máxima, outro fato importado influencia a conjuntura brasileira: o movimento estudantil de 1968, nascido na França. Segundo ele, número de estudantes universitários havia crescido muito no mundo após a Segunda Guerra, impulsionado por uma iniciativa do governo dos EUA de oferecer vagas para os veteranos nas universidades.
Em todo o mundo, os estudantes passaram a lutar pela democracia das instituições e pelo pacifismo. Era uma nova esquerda que, ao contrário de sua vertente socialista tradicional, focada na reorganização econômica, desejava rearranjar a vida cotidiana. Essa nova vertente democrática, que agia contra o autoritarismo stalinista, serviu de referência para a construção do PT, no início dos anos 80. “Somos fruto dessa revolução dos estudantes”, disse Singer, ressaltando a importância do movimento que agora ocupa ruas de Nova York, como Wall Street, e de outras cidades norte-americanas.
Segundo o economista, ao fracasso da experiência do socialismo científico proposto por Marx e Engels é explicado por sua natureza “essencialmente antidemocrática”. Ele citou Cuba, onde há um “ministério dos preços” que determina quando se deve cobrar e pagar por mercadorias, em vez de relegar essa tarefa àqueles que estão comprando e vendendo mercadorias e serviços. “O planejamento unificado não funcionou em Cuba e eles mesmos já admitem isso publicamente. Hoje, os cubanos têm de viver com comida estrangeira”, afirmou.
A solução, porém, não passa pela adoção estrita do modelo capitalista de produção, mas por experiências socialistas já testadas com sucesso, como o cooperativismo. “Essa é uma invenção socialista. A posse dos meios de produção é de todos, há democracia na gestão, através de assembléias, e os ganhos são distribuídos por critérios justos”, afirmou o secretário nacional de Economia Solidária, que, junto ao movimento social militante no tema, pleiteia status ministerial para a pasta, hoje vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego.
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