A reformulação do Conselho Administrativo de Direito Econômico (Cade), aprovada na Câmara dos Deputados, na quarta-feira 5, gerou euforia no mercado brasileiro.
Por Cristiano ZAIA – Revista Isto É Dinheiro
A reformulação do Conselho Administrativo de Direito Econômico (Cade), aprovada na Câmara dos Deputados, na quarta-feira 5, gerou euforia no mercado brasileiro. Além de ganhar reforço de 200 técnicos, quase quatro vezes mais que o número atual, de 60, o Super-Cade, como foi batizado, passará a avaliar processos de fusões e aquisições antes mesmo de as empresas interessadas anunciarem suas intenções ao mercado. “Antes, tínhamos de correr atrás do prejuízo, e nos desdobrar para evitar que os negócios já realizados pudessem, durante a análise, prejudicar o mercado”, diz Fernando Furlan, presidente da autarquia. “Agora, as empresas têm de pôr o Cade no seu para-brisa.” As fusões também passarão a ser analisadas no prazo limite de 330 dias, diferentemente do atual, que podia se estender por anos. Os especialistas no assunto, porém, ainda não entendem por que a nova legislação reduziu o valor da multa para empresas que estão em desacordo com a política concorrencial de 30% sobre o faturamento para 20%.
DINHEIRO – Com a nova lei que cria o Super-Cade, qual o real poder do órgão no julgamento de cartéis e grandes fusões?
FERNANDO FURLAN – O Cade já é uma autarquia importante para o bem-estar da economia de mercado brasileira. Nossas decisões já demonstram quanto o Estado preza o comportamento competitivo adequado das empresas, pois sem concorrência, o capitalismo se torna destrutivo, perverso. Com a nova lei, o País passa a ter um Cade do tamanho, importância e peso de sua economia.
DINHEIRO – É possível medir a força do órgão a partir de suas novas atribuições?
FURLAN – Com a nova lei, teremos melhores condições de tomar decisões mais rápidas, garantindo segurança jurídica às empresas e atraindo investimentos produtivos para o País. Os poderes Executivo e Legislativo endossaram sua confiança na consolidação de uma instituição que já vem tomando decisões importantes no combate aos cartéis e na garantia da concorrência no mercado. A aprovação do projeto de lei deve ser comemorada como importante avanço legislativo, institucional e econômico.
DINHEIRO – Especialistas em direito antitruste avaliam que várias empresas não temiam decisões drásticas do Cade, pois consideravam os prazos de análise muito amplos e confusos. E agora?
FURLAN – Ao longo dos anos, com o conhecimento que só a experiência traz, o Cade foi capaz de criar instrumentos que auxiliam a tomada de decisões e garantem a respeitabilidade de sua atuação. Cito, como exemplo, um acordo pelo qual as empresas se comprometem a manter, durante a análise do Cade, as operações separadas. Além disso, nos anos mais recentes, temos reprovado mais atos de concentração. Isso é uma consequência natural do crescimento da economia do País que, naturalmente, se traduz em maior quantidade e complexidade de negócios e operações. O mercado tende a manter e até aumentar o respeito às regras antitruste, simplesmente porque, agora, será do seu interesse enviar informações, as mais completas e céleres possíveis.
DINHEIRO – As empresas serão forçadas a se preparar melhor para os processos de fusão?
FURLAN – Sem dúvida. Tenho dito que os empresários brasileiros, agora, mais do que nunca, terão de pôr o Cade no seu para-brisa. Ou seja, antes de pensar em fechar um negócio, terão de cogitar sobre sua possibilidade do ponto de vista antitruste. Antes, nós do Cade é que tínhamos de correr atrás do prejuízo. Agora serão os empresários. Isto é, antes tínhamos de nos desdobrar para evitar que os negócios já realizados, e que tivessem potencial anticompetitivo, pudessem, durante a análise, efetivamente prejudicar o mercado. Agora, a questão se inverte. Quem ganha com isso é o próprio mercado, a concorrência e os consumidores.
DINHEIRO – Haverá um prazo para que as empresas forneçam informações necessárias sobre a fusão, antes mesmo de começar a vigorar os 240 dias de análise da avaliação do Cade?
FURLAN – Nos primeiros meses de vigência da nova lei será natural e necessário um período de adaptação, tanto para nós, quanto para as empresas e seus advogados. Assim, no início, teremos de trabalhar para dirimir dúvidas e nos habituar às novas práticas.
DINHEIRO – Quais os principais obstáculos que a lei anterior impunha ao dia a dia do tribunal?
FURLAN – A suspensão dos prazos de análise, permitida pela lei atualmente, que deixará de existir, tinha de ser devidamente justificada. Mas, agora, com a nova lei, não há mais possibilidade de suspensão do prazo de análise, o que fará com que o Cade tenha de ser mais ágil na sua atuação, que passa a ser anterior à conclusão das operações. Hoje fica muito difícil analisar uma operação com o carro já andando, ou seja, enquanto o negócio já está produzindo efeitos concretos no mercado.
DINHEIRO – Houve um deslize na Câmara e a emenda que defendia o teto de 20% de multa para empresas que não se adaptassem à legislação passou, substituindo a norma anterior, que previa multa de 30%. Qual o prejuízo, caso esse artigo seja sancionado?
FURLAN – A sanção presidencial não pode incluir texto, somente retirar, o que não seria o caso. Os pontos principais do projeto de lei foram aprovados pelo Congresso da forma como entendíamos necessária. É claro que, como é comum no processo legislativo, alguns pontos merecerão regulamentação para que fiquem mais claros e apropriados à práxis da aplicação da lei antitruste. Isso será feito por meio de resoluções do Cade, que buscarão esclarecer, detalhar e especificar pontos mais genéricos da lei.
DINHEIRO – Qual a chance de a presidente aprovar o projeto assim?
FURLAN – Essa é uma questão que a Casa Civil tem melhores condições de avaliar.
DINHEIRO – Como ficarão os casos de fusão em andamento? Se as empresas quiserem, poderão optar por serem julgadas na nova lei?
FURLAN – Não. Somente as operações notificadas a partir do início da vigência da nova lei serão analisadas segundo critérios por ela estabelecidos. Os casos que já estão sendo e, porventura, estiverem sendo analisados durante a vigência da nova lei, continuarão sendo examinados de acordo com os critérios atuais.
DINHEIRO – Como será feita a transição para o novo modelo durante os seis meses até a nova lei entrar em vigor?
FURLAN – Nós já nos adiantamos a essa transição e criamos vários grupos internos, juntamente com a SDE, responsáveis pelos trabalhos de transição. Inclusive, missões de conselheiros e funcionários têm realizado visitas técnicas a órgãos similares ao Cade em outros países que já adotam o sistema de análise prévia das operações. Não tenho dúvidas de que os próximos meses serão de muito trabalho e desafios. Mas, como tenho dito, o Cade está habituado a desafios e, modéstia à parte, creio que temos dado conta do recado. Senão não teríamos recebido apoio de Executivo e Legislativo em tão importante reforma legislativa.
DINHEIRO – O sr. vai trabalhar para que os 200 gestores sejam nomeados de imediato?
FURLAN – Antes mesmo da aprovação da nova lei, já mantivemos várias reuniões com o Ministério do Planejamento a respeito. O governo está ciente dessa necessidade. Do contrário, seria o mesmo que dar um tiro no próprio pé, pois sem o número adequado de técnicos não é possível realizar uma análise prévia das operações. A lei especifica que esses técnicos serão concursados e ocuparão o cargo de especialista em políticas públicas e gestão governamental.
DINHEIRO – Como foi feito o acompanhamento da tramitação do projeto de lei no Congresso?
FURLAN – Mantivemos excelentes reuniões com o relator do projeto, deputado Pedro Eugênio, do PT, com o líder do PSDB, deputado Duarte Nogueira, e com o líder do DEM, deputado ACM Netto. Foi uma vitória do País. Foram quase sete anos de discussão dentro do Congresso, além de vários meses de debate dentro do governo. Os pontos principais foram aprovados pelo Congresso da forma como era necessária.
DINHEIRO – Agora o Cade poderá elevar o Brasil ao status de um dos países mais preparados e respeitados no direito concorrencial?
FURLAN – Não tenho dúvidas disso. O Brasil agora tem todas as condições de se juntar à elite mundial de autoridades de defesa da concorrência. Se, mesmo com a atual lei, já defasada em alguns pontos, o Cade foi escolhido pela principal publicação internacional da área, a Global Competition Review, da Inglaterra, como a Agência do Ano, nas Américas, em 2011, ultrapassando, inclusive, a poderosa Divisão Antitruste do Departamento de Justiça Americano e o Bureau da Concorrência do Canadá, imagine agora.
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