domingo, 16 de outubro de 2011

Lançado no Festival do Rio o filme documentário "Marighella"


"Eu queria entender o que levou uma pessoa – e toda uma geração – a abrir mão de forma radical de todos os confortos, entregando a vida a uma utopia de Brasil". - Isa Grinspum Ferraz.
Se ainda fosse vivo, o líder revolucionário Carlos Marighella completaria em dezembro 100 anos. Morto em São Paulo, em 1969, numa emboscada comandada pelo delegado Sérgio Fleury, o baiano se tornou um dos maiores ícones da esquerda no Brasil, principalmente pelo papel que teve na luta armada contra a Ditadura Militar no país.
Para homenagear o revolucionário e marcar o centenário do seu nascimento, foi lançado no Festival do Rio o documentário "Marighella", dirigido por sua sobrinha, Isa Grinspum Ferraz (O Povo Brasileiro, 2011). Em entrevista ao Cartaz de Cinema, a diretora falou sobre o processo de produção do filme, a sua convivência com o tio, a parceria com Mano Brown na trilha sonora e disse que pretende inserir o longa no circuito comercial no ano que vem.
Como foi realizar esse documentário sobre uma figura tão emblemática da história brasileira e com quem mantinha um laço familiar?
De certa forma, esse filme é uma dupla "prestação de contas": com a minha história pessoal e com a história do país, que relegou Marighella à sombra. A vida de Marighella é uma verdadeira saga: ele militou ininterruptamente de 1932 a 1969, quando foi assassinado em uma rua de São Paulo. Teve um papel importante na vida política brasileira do século XX, sempre dialogando com o seu tempo. Mulato baiano, pobre, poeta, desde cedo combateu as desigualdades sociais. Foi um homem de ação, que lutou contra a ditadura Vargas, foi deputado constituinte, tentou mudar o país de mil formas ao longo de toda a sua vida. E morreu por isso. Mas toda essa trajetória de Marighella ficou apagada, ofuscada por sua militância dos anos finais - aliás pouquíssimos anos - nos quais ele radicalizou e optou pela luta armada para combater a ditadura militar brasileira. E mesmo sobre esse período também se sabe pouco. O que ficou foi um nome estigmatizado, o de um assassino frio, um aventureiro meio louco. A história do Brasil ainda deve ser contada direito.

Você chegou a conviver com Marighella de forma próxima?
Sim, convivi com ele até a sua morte. Ele era casado com uma irmã de minha mãe, Clara Charf, e ficava muito em nossa casa, desde que eu nasci. Eu não associava seu rosto às fotos dos jornais, revistas e aos cartazes de procura-se que havia por toda parte. Pra mim, ele era um tio queridíssimo, que brincava comigo e meus irmãos, que era alegre e engraçado, e que aparecia e sumia periodicamente. O filme se estrutura sobre essa oposição entre a minha visão de criança e a ação política de Marighella na vida do país.
Marighella já havia sido tema de um documentário bem repercutido de Silvio Tendler, aqui no Brasil. O que podemos esperar de novo no seu filme?
A vida de Marighella é tão rica e densa que comporta vários recortes. O Silvio teve um olhar, Chris Marker teve um outro, eu tenho um terceiro. E muitos ainda surgirão. Aliás, assim espero. De certa forma, esse filme é o "meu" Marighella, está pontuado por minha experiência pessoal e por minha intensa procura, desde criança, por conhecer mais sobre ele e entender melhor os mistérios que o cercavam. Isso é um diferencial. Mas acho que o fato de eu ser sobrinha fez também com que os meus entrevistados ficassem mais à vontade. Eles foram muito generosos. O material captado é excepcional, de uma sinceridade e grandeza humana impressionantes. Eu queria entender. Eu queria investigar profundamente o que levou uma pessoa – e toda uma geração – a abrir mão de forma radical de todos os confortos, entregando a vida a uma utopia de Brasil. É cada vez mais difícil – e falo de todas as gerações que vieram depois dos anos 60/70 – compreender isso. É só dentro do contexto do Brasil e do mundo naquele momento que podemos nos aproximar de uma resposta. Mas em verdade não são respostas o que o filme dá. Ele apenas joga luz sobre um personagem. E através dele, sobre um período do nosso país.


Como surgiu a parceria com Mano Brown, para a trilha?
Eu queria trazer Marighella para os dias de hoje. Por um lado, suas inquietações ainda fazem sentido: o Brasil não conseguiu resolver grande parte dos problemas mais dramáticos que nos acompanham desde sempre. Ainda estão aí a injustiça social, a desigualdade, o preconceito, a educação de baixa qualidade, a falta de acesso democrático aos bens culturais, etc. Hoje o que vale é o consumo ligeiro, a qualquer preço. Esses são temas que Mano Brown, com seu rap cortante, tematiza hoje para o público de hoje. E faz isso de dentro, com a força de quem sabe do que está falando, e com uma carga poética extraordinária. Por outro lado, a linguagem dele encarna um outro olhar, novo, e eu também queria isso no filme. Minha vontade é abrir essas questões para mais gente, fazendo pensar sobre o futuro desse país. Mano Brown trouxe uma contribuição marcante para o filme.

Há alguma previsão de estreia no Nordeste?
Nossa idéia é lançar o filme comercialmente no início do ano que vem em vários lugares do país. Vamos atrás disso.



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