Delúbio Soares (*)
Do agreste pernambucano, castigado tanto pela estiagem sazonal quanto pela miséria secular, ao púpito parisiense do Sciences Po, o brasileiro Luiz Inácio percorreu bem mais que meio século. Um caminhão pau-de-arara levou Dona Lindú e seus rebentos do sofrimento da terra calcinada de Caetés para a promessa da cidade grande. A história, por seus desígnios e caprichos, levou ainda mais longe o seu filho.
Mesmo que, com cândida desfaçatez, uma repórter brasileira queira saber do diretor Richard Descoings, a razão pela qual “o Instituto de Ciências Políticas de Paris homenageia Lula e não Fernando Henrique Cardoso” (pasmem!), a história já se encarregou de responder o inacreditável disparate. Ainda que parte da imprensa ressentida e dos críticos aziagos de sempre finjam não saber que o “Honoris Causa” é uma honraria humanista, um reconhecimento absoluto por méritos pessoais e não mais um título acadêmico, a história – irônica que só – reservou ao torneiro mecânico, o “sapo barbudo” alvo de tantos deboches, a gloriosa tarefa de soerguer o país que havia ido à bancarrota (e por três vezes consecutivas) pelas mãos de um ilustrado “príncipe dos sociólogos”. Ah, o destino!
Lula dispensou ao longo de sua vida qualquer intermediação antipática entre ele e o povo. Não precisou, como o dolorido e vaidoso sociólogo que o antecedeu, péssimo presidente e administrador falido, do auxílio luxuoso da imprensa e da adoção como filho postiço da elite que o rejeitara nos tempos em que militava na esquerda. Como no Mephisto, mercadejou a alma, rasgou sua história e não deixou dúvidas quanto ao novo credo: “esqueçam o que escrevi”. Lula, que jamais escreveu nada, que domina os rudimentos da língua, que tem apenas três diplomas, um do curso técnico de torneiro mecânico e dois de presidente eleito pelos brasileiros, não tem livros publicados, nem tratados, nem teses defendidas, nem tolas vaidades acadêmicas. Porém, Lula fala a dificílima língua de nosso povo. Lula não leu livros, mas leu um país e seu povo e os conhece de cor e salteado. Lula domina a misteriosa ciência de compreender o Brasil profundo, de entender como ninguém as entranhas de um país sofrido, mas extraordinário. Lula se comunica com os brasileiros como nunca ninguém antes, jamais, em tempo algum, se comunicou. Ele e o povo, o povo e ele, sem intermediários.
Lula dispensa púpitos e palanques. Seu palanque é sua história. Todos os diplomas de seus despeitados adversários não valem um único capítulo de sua vida repleta de sofrimentos e de vitórias, de reveses e de alegrias. Quando chegou ao Palácio do Planalto, Lula levava consigo não só as esperanças de todo um país, de seu povo e dos que o elegeram. Lula estava amadurecido para o poder, conhecia o Brasil como nenhum outro homem público, trazia nas retinas e nas solas do sapato a geografia de nossa miséria e de nossa riqueza, de nossos sofrimentos e possibilidades, sabia o que fazer, como fazer e quando fazer. E fez.
O Brasil não foi o mesmo depois de sua vitoriosa passagem pela presidência da República: mais de 40 milhões de irmãs e irmãos nossos deixaram a pobreza e ingressaram na classe média. Recuperamos o prestígio internacional, pagamos nossas dívidas, voltamos a ser respeitados e queridos pelo mundo. Nossa economia se desenvolveu como nunca, atingindo índices que impressionaram as demais Nações. As universidades se abriram para os filhos do povo, para os negros, para os indígenas, na autêntica revolução do Pro-Uni. O Bolsa Família matou a fome e fez nascer a cidadania para milhões de brasileiros que, por conta de estranha perversão de nossa elite, simplesmente não comiam. Vou repetir: antes de Lula, milhões de brasileiros não comiam e os governos achavam isso muito natural.
Mas esse mesmo Lula sem diplomas e sem letras, esse homem que chegou à chefia da Nação e presenteou seus detratores com o impensável verbete “menas”, de um dicionário todo seu, é o mesmo presidente da República que mais construiu universidades em toda nossa história. Foram 14 em seu governo, 11 no de JK, 6 no de Fernando Henrique Cardoso, 2 no de João Goulart e 1 no de Ernesto Geisel. Eram 148 campus universitários antes de Lula. Hoje, são 274. No governo de Lula o Brasil passou a ter 354 escolas profissionais criadas ou federalizadas por presidentes: Lula 214 x 140 todos os outros presidentes. Getúlio Vargas, 15; Fernando Henrique Cardoso, 11; João Goulart, 8; Ernesto Geisel, 1. O orçamento para educação ao final do governo do “príncipe dos sociólogos” era de R$ 20 bilhões. Lula, atacado de forma impiedosa por escribas sabujos como sendo “o apedeuta”, entregou a faixa presidencial à Dilma Rousseff com um orçamento na educação que passava dos R$ 70 bilhões. Tais números não mentem e nem permitem manipulações, sofismas ou jogos de palavras, são eloquentes e definitivos: Lula foi o presidente da Educação.
Sou companheiro de Luiz Inácio Lula da Silva há mais de três décadas, desde a fundação do PT. Quem, como eu, o conhece não se surpreendeu com o brilhante governo que realizou. É que ele pertence a uma estirpe rara de homens, de grandes homens. São aqueles que não se prendem ao pequeno, não se perdem no acessório, não odeiam e não cultivam o ódio, não olham para trás, acreditam nas bandeiras que empunham, amam os ideais que acalentam.
Lula já pertence à história. Com seus poucos erros e imensos acertos, ele está acima dos julgamentos levianos e parciais. Com a felicidade de estar entronizado no coração de nosso povo. Com a grandeza de não odiar os que o odeiam. Com a imensa glória de ter transformado radicalmente as estruturas de seu país e mudado a vida de seu povo para muito melhor.
Menino amontoado no caminhão pau-de-arara que fugia da seca do sertão nordestino, operário mutilado na linha-de-montagem, líder sindical preso pela ditadura militar numa cela do DOPS, candidato insistente à presidência de seu país ou presidente que realizou um governo de excepcional sucesso, Luiz Inácio Lula da Silva já era doutor em Brasil. Pelo mundo afora, de Borla e Capelo, aplaudido de pé, o Estadista Lula agora é Honoris Causa nas grandes Academias.
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