sábado, 1 de outubro de 2011

"O investimento direto no Brasil deve continuar em ritmo forte"

A crise internacional não deve alterar o forte volume de investimentos estrangeiros produtivos no Brasil, afirma Frederick Jaspersen, diretor para a América Latina do Institute of International Finance (IIF)

Por Tatiana BAUTZER – Revista Isto É Dinheiro

A crise internacional não deve alterar o forte volume de investimentos estrangeiros produtivos no Brasil, afirma Frederick Jaspersen, diretor para a América Latina do Institute of International Finance (IIF), associação que reúne os principais bancos globais numa espécie de “Febraban mundial”. Ao contrário: na visão de Jaspersen, a redução no crescimento econômico dos países desenvolvidos até estimula as multinacionais a aplicar mais nos mercados emergentes. O IIF prevê que o fluxo total de capital estrangeiro para os países emergentes cresça US$ 40 bilhões neste ano, atingindo US$ 1,05 trilhão. A seguir, os principais trechos da entrevista de Jaspersen, concedida à DINHEIRO em Washington, durante a reunião anual do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial:

DINHEIRO – Como a América Latina deve ser afetada pela crise?
Jaspersen – Estamos muito otimistas com a América Latina. Há alguma desaceleração no crescimento, mas ele ainda é sólido. A região  deve dar uma contribuição importante para elevar o crescimento mundial. Todos os mercados emergentes têm trabalhado para criar “amortecedores” para uma situação como a atual, e a América Latina, de maneira geral, está bem preparada. O Brasil acumulou alto volume de reservas, tem um sistema bancário muito sólido e um gerenciamento de política econômica muito bom. Prevemos um crescimento de 4,2% para a América Latina neste ano, e de 3,5% para o Brasil em 2011 e 3,3% no ano que vem. Nossa previsão é muito semelhante à de outros organismos,  como o FMI. Esse cenário considera a perspectiva de uma desaceleração do crescimento mundial, e não de uma recessão. O maior risco é um aprofundamento da crise na economia global: se houver uma desaceleração mais prolongada e profunda nas economias maduras, os países latino-americanos podem ser um pouco mais afetados.    

DINHEIRO – Como o Brasil se compara a outros países da região?
Jaspersen – O Brasil é um dos países com melhores condições de resistir a choques. As reservas de US$ 350 bilhões correspondem a mais de um ano e meio de exportação.  Também se observa que os mercados estão atribuindo um risco mais baixo a determinados países, como Brasil, México e Chile, que continuam sendo vistos como muito mais seguros do que Venezuela e Argentina. No caso brasileiro, especialmente, as condições iniciais para resistir à crise são muito boas. A economia estava claramente superaquecida no País, e, olhando sob esse ponto de vista, o que está acontecendo na economia global é uma bênção disfarçada. Se é que existe um lado positivo para a crise, é o de ajudar a esfriar um pouco a economia brasileira. Os preços de commodities vão cair de alguma forma e isso contribuirá para reduzir a inflação.

DINHEIRO – Mas a reação do mercado financeiro, especialmente a forte alta do dólar, não demonstra que o País está mais vulnerável?
Jaspersen – Acho que a grande depreciação do real é um fenômeno que temos que observar com cuidado. Claro, isso aumentará as pressões inflacionárias: então, é importante observar como o Banco Central vai reagir. Eu estou otimista, principalmente porque considero a gerência da política econômica no País muito boa. A presidente Dilma é uma administradora muito dedicada, que “faz a lição de casa” e tem uma equipe muito competente, com o ministro Guido Mantega, na Fazenda, e Alexandre Tombini, na presidência do Banco Central (BC). Eles já foram bem-sucedidos ao reduzir a volatilidade excessiva no mercado de câmbio, e acho que tomarão as medidas corretas para conter os efeitos da crise daqui para a frente. O lado positivo da depreciação da moeda é ajudar a economia real e certamente tornar o País mais competitivo.  Estive em São Paulo há pouco mais de um mês e a cidade me impressionou como sendo uma das mais caras do mundo. Hoje talvez não esteja tão ruim... Do ponto de vista internacional, as depreciações são um amortecedor, ajudam a sustentar o crescimento.
 
DINHEIRO – A dependência excessiva da economia brasileira em relação a commodities não causa preocupação?
Jaspersen –  É verdade que cerca de 50% das exportações brasileiras são de commodities e os preços são muito claramente dependentes do crescimento global. Não há dúvida de que as economias maduras estão exercendo uma pressão negativa sobre os preços. Mas o cenário que esperamos para esta crise é de uma desaceleração relativamente suave, não de uma volta à  2008 e 2009. Também é importante observar o que está acontecendo na China, que define os preços internacionais de commodities e absorve 15% das exportações brasileiras. Na China, parece estar havendo uma tolerância um pouco maior com a inflação e o desejo de manter altas taxas de crescimento da economia. Esse cenário pode ajudar a moderar o declínio das commodities. De qualquer maneira, esperamos que o déficit em conta-corrente brasileiro aumente um pouco com essa queda no preço de commodities e que os resultados da balança comercial piorem um pouco. Mas o déficit de conta-corrente no Brasil é ainda muito moderado. É o mais alto na América Latina em termos de porcentagem do PIB, deve fechar o ano em 2,4%. Mas isso é relativamente pouco, os sinais de alarme não começam até que o País tenha 4%, 5%, 6% de déficit de conta-corrente. O aspecto positivo dessa queda de preços é a redução das pressões inflacionárias no Brasil.

DINHEIRO – A crise vai afetar os investimentos produtivos no País?
Jaspersen – Acredito que não. O investimento estrangeiro direto continuará entrando em grandes volumes no Brasil. Aliás, os dados que recebemos até agosto nos surpreenderam porque o forte ritmo de investimentos está sendo mantido. Esperávamos que houvesse alguma redução, como aconteceu nos Estados Unidos, por exemplo, mas isso não ocorreu na América Latina nem no Brasil nem no México. Nós estamos prevendo que a região receba US$ 121 bilhões em investimento direto neste ano, um crescimento de 32% sobre os US$ 91 bilhões de 2010. Esse volume deve ser mantido no ano que vem.

DINHEIRO – O que o leva a acreditar nisso?
Jaspersen – Quando você observa a estratégia das multinacionais,  verifica que há poucas alternativas de onde investir. A perspectiva de crescimento está piorando nas economias maduras, como a dos Estados Unidos e a da Europa, e o diferencial entre o crescimento do mundo desenvolvido e o dos países emergentes aumentou. Então, essas empresas olham para o tamanho do mercado brasileiro, o dinamismo da sua economia e a boa perspectiva de crescimento de longo prazo e continuam reforçando seus investimentos. Acho que a previsão de US$ 70 bilhões de investimento estrangeiro direto no Brasil se cumprirá neste ano e no ano que vem deve continuar em níveis semelhantes. Esse é o melhor tipo de recurso externo que um país pode receber. Na minha opinião, a crise não altera essa perspectiva, porque os investimentos são de longo prazo e contam com um crescimento maior no futuro.

DINHEIRO – E os capitais externos financeiros? Já há uma fuga de recursos do Brasil?
Jaspersen – O Brasil já está enfrentando uma reversão súbita e substancial dos fluxos de investimento externo em ações. Esses volumes já caíram 70% neste ano, comparados ao mesmo período do ano passado. Também acho que haverá uma redução expressiva nos investimentos estrangeiros em renda fixa, que eram financiados por operações de carry trade (captação de recursos em moedas com baixas taxas de juros, como o iene, para aplicação em mercados com juros mais altos), que já vinham caindo desde que o governo impôs o IOF de 6% para tentar reduzir o volume de entrada de recursos de curto prazo. Daqui para  a frente, esse fluxo para renda fixa dependerá um pouco da volatilidade da taxa de câmbio, que pode reduzir os ganhos com o “carry trade” quando há uma desvalorização muito brusca. Mas o BC já deixou claro que impedirá uma queda muito precipitada da taxa de câmbio e que tem condições de intervir com força por um bom período de tempo. Se o câmbio ficar um pouco menos volátil, poderá haver algum estímulo aos investimentos em renda fixa novamente. Temos de observar o comportamento dos investidores nos próximos dois ou três meses.

DINHEIRO – O FMI alertou para o risco de bolhas de crédito nos países emergentes e ressaltou especialmente o forte crescimento dos empréstimos no Brasil, lembrando o aquecimento no setor imobiliário.  O sr. acredita que os bancos brasileiros possam ter um problema mais sério com a inadimplência?
Jaspersen – Não acredito que haja uma bolha de crédito no Brasil. Em primeiro lugar, o crescimento do crédito ao consumidor já está diminuindo. As autoridades sabem que há um endividamento significativo dos consumidores e vêm tomando medidas para evitar que isso saia do controle, como fizeram no fim do ano passado, com as restrições ao crédito de longo prazo. Mas também acho que o sistema bancário está relativamente protegido de grande elevação da inadimplência no crédito feito diretamente ao consumidor. Em primeiro lugar, há uma maior segurança propiciada pelo próprio sistema com que são feitos os pagamentos de crédito consignado, por exemplo, com a dedução das parcelas diretamente da folha de pagamento. Considerando outros tipos de empréstimo que não têm essas garantias, acredito que o sistema bancário esteja muito bem capitalizado para enfrentar o crescimento da inadimplência. A regulação do Banco Central brasileiro é bastante rígida se comparada a de outros países, e os próprios bancos estão sendo mais cuidadosos na concessão de crédito.


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