Ao invocar o golpe de Estado de 1964, os editorialistas
receitavam o antídoto contra a guinada da subversão como pretexto para barrar o
avanço social e impedir a tomada de consciência política.
Gilson Caroni Filho
Se estudasse a mídia brasileira como um caso sobre serial
killers, o investigador diria que existe um padrão clássico de ação: primeiro
vem a tentativa de imputar aos governos progressistas toda sorte de corrupção e
desmando; depois a tentativa de calar a voz dos que se opõem à sua narrativa;
e, finalmente, vem a excitação dos segmentos raivosos da classe média ao sabor
de insanáveis pavores arcaicos que povoam o imaginário desta fração de classe,
apresentando políticas inclusivas como uma ameaça fatal a seus supostos
privilégios.
Ao invocar o golpe de Estado de 1964, os editorialistas
receitavam o antídoto contra a guinada da subversão como pretexto para barrar o
avanço social e impedir a tomada de consciência política que começava a esboçar
uma linha de resistência anti-imperialista com uma nitidez nunca havida antes
em nosso passado.
O resultado de duas décadas de oligarquia
empresarial-militar, inaugurada com o golpe, exibiu um saldo sinistro com o
que, à época, se convencionou denunciar como a pior crise econômica, política,
social e moral da nossa história. O Brasil, urdido neste novo pacto, foi, por
excelência, o “antipaís”. Subordinados, da forma mais completa possível, toda
nossa economia e o aparelho estatal foram orientados e redimensionados de
maneira a afastar, abafar ou reprimir qualquer obstáculo a essa subordinação. É
dessa lógica que emergiu um regime que tinha como metodologia a censura e o
terrorismo de Estado, ambos sob a bênção de nossas melhores consciências
liberais e seus impérios jornalísticos.
Tempos passados? Sem dúvida, mas não nos iludamos: se mudou a
conjuntura, alguns objetivos continuam na agenda da direita e de seus
intelectuais orgânicos, como vimos nos dois governos de Fernando Henrique
Cardoso.
Sempre é bom recordar que há 28 anos, apesar do deslocamento
político, a hegemonia do processo de transição encontrava-se com a mesma
burguesia brasileira condutora do golpe. Se não era mais possível a acumulação
capitalista se realizar através de uma economia planejada, centralizada e
estatizante, os corifeus dessa mesma classe erigem globalização,
flexibilização, desregulamentação e livre concorrência como dogmas, mas o
objetivo permanece: a modernização acompanhada da internacionalização da
economia e da limitação, com a judicialização da política, da democracia ao
grupo organicamente ligado a interesses financistas. Para isto, existe o
Instituto Millenium e seus jornalistas, acadêmicos e juristas amestrados.
Em 2013, é visível que o espartilho autoritário não consegue
mais conter a pujança do corpo social. Há dez anos, há diálogo entre quem
governa e os movimentos sociais que expressam anseios de liberdade, de
participação e de melhoria substancial das condições de vida de grande parte da
população. O que assistimos é uma ruptura com os pilares de sustentação do
regime militar e dos três governos que lhe sucederam.
O que resta à grande imprensa? Sufocar financeiramente quem
denuncia seu modus operandi, esboçar cenários eleitorais contando com quadros
partidários sem qualquer organicidade fora de suas bases regionais, como é o
caso do governador de Pernambuco,Eduardo Campos, do senador mineiro Aécio Neves
ou da eterna linha auxiliar, Marina Silva, a neoconservadora do ecossistema
político.
O desespero acentua o efeito combinado de avanço tecnológico
com furor reacionário,criando campo propício à proliferação de articulistas
raivosos e humoristas de boteco. A extensão do grotesco é tão acentuada que
seus "bons propósitos" não enganam a mais ninguém. Estão todos na
ordem do riso. E da exclusão social.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades
Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e
colaborador do Jornal do Brasil
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