Luiz Gustavo Pacete
Uma das expressões mais usadas na cobertura da “ação penal
470” - também conhecida como “mensalão” – classifica o caso como o “maior
julgamento da história”. O termo foi utilizado no Brasil e repetido na imprensa
internacional, porém, existem pontos de discordância.
Paulo Moreira Leite, diretor da sucursal da Istoé, em
Brasília, que acompanha o mensalão desde 2005, quando o assunto veio à tona,
expressou em seu blog, durante todo o julgamento, o que ele chama de cobertura
“correta” que tentou, rigorosamente, analisar os dois lados e foi obsessiva com
perguntas sobre a profundidade das provas.
No livro “A Outra História do Mensalão – As Contradições de
um Julgamento Político”, com prefácio do jornalista Jânio de Freitas, o
repórter reúne os principais posts publicados durante o calor do julgamento.
À IMPRENSA, Leite fala sobre o seu ponto de vista da
cobertura e não se considera corajoso por destoar de grande parte dos veículos.
Ele destaca o posicionamento tomado pela imprensa brasileira e a exibição
exacerbada pelo fato de o julgamento ser transmitido ao vivo pela TV, para ele,
a existência das câmeras não é garantia de transparência.
IMPRENSA – Você se considera corajoso por ter mostrado um
ponto de vista diferente de grande parte da imprensa?
Paulo Moreira Leite – Não acho coragem uma boa palavra, mesmo
reconhecendo que outros jornalistas tinham uma visão do julgamento semelhante à
minha mas não se manifestaram. Acredito que fiz a cobertura correta. Fui
jornalista, como disse o Jânio de Freitas no prefácio, lembrando que fiz um
trabalho profissional – como um médico deve ser médico, um professor,
professor, e assim por diante. Aprendi que o bom jornalismo se faz com a
dúvida, com a crítica, com a pergunta. Meu livro é o resultado disso. Comparei
o que a acusação dizia com aquilo que a defesa sustentava. Examinei os indícios
apresentados pelo Ministério Público à luz da investigação da Polícia Federal.
Fui atrás de documentos e depoimentos que não foram levados em conta. Fiz o “bê
a bá”.
Num trecho do livro você fala na disparidade entre opinião
pública e opinião publicada. Como é
isso?
Quem fez a distinção entre uma coisa e outra, certa vez, foi
o Fernando Henrique Cardoso, quando era um dos principais intelectuais do MDB.
Ele queria mostrar que há uma diferença entre aquilo que os jornais dizem – e
publicam – e aquilo que a sociedade pensa, e nem sempre é publicado. Tivemos um
julgamento em que a opinião publicada tinha uma visão radical e mesmo
tendenciosa contra os réus da ação penal 470. Exigia penas duríssimas, falava
em punições exemplares. Imaginava que o julgamento iria produzir a condenação
política de ministros e integrantes da cúpula do governo Lula, mas a opinião da
maioria da sociedade era outra, como se viu nas eleições ocorridas durante o
julgamento, que mostraram um fortalecimento do PT e um imenso prestígio de
Lula. O ex-presidente foi o grande vitorioso da campanha de 2012, como já havia
sido em 2006.
A imprensa se frustrou achando que o julgamento teria impacto
nas coberturas municipais?
Foi um erro em continuidade como o de 2006, quando diversos
comentaristas anunciaram que Lula não seria capaz de se reeleger. Depois,
quando Geraldo Alckmin foi derrotado, surgiu a tese de que os eleitores pobres,
que em sua maioria votam em Lula, têm princípios éticos menos sólidos do que os
eleitores com mais dinheiro e mais educação formal. Puro preconceito. As
pesquisas mostram que a maioria dos eleitores, de todas as classes sociais, têm
princípios e visões muito semelhantes. A diferença é que os mais pobres, que
sofrem na carne o tratamento reservado a quem não tem dinheiro para pagar um
bom advogado, consideram que a Justiça só funciona para os ricos e não levam a
sério tudo o que ela diz. No segundo semestre de 2012 teve gente que escreveu
“Adeus Lula”, achando não só que o julgamento estava resolvido, mas que herança
de Lula seria rejeitada pela população. O resultado veio nas urnas.
Os réus foram julgados antes do resultado?
A maioria dos jornalistas cobriu o mensalão com toda energia
em 2005 e 2006, mas parou de investigar e apurar a partir daí. Tivemos Roberto
Jefferson, um delator de ópera, mas ele próprio foi mudando de versões com o
passar do tempo. Outra novidade é que muitas coisas que pareciam óbvias, como o
desvio de dinheiro público, não foram comprovadas por nenhuma auditoria. A
Polícia Federal encontrou provas que ninguém esperava e não encontrou outras
que todo mundo imaginava que estava ao alcance da mão. Mas nada disso foi
debatido nem divulgado. Era como se ninguém quisesse atrapalhar o trabalho do
procurador Roberto Gurgel e do relator Joaquim Barbosa.
Foi um espetáculo midiático?
A TV não pede reflexão e nem distanciamento. Não pede
ponderação. Ela é show. Tem que ser rápida. A câmara está ali. Você passa a ter
a sensação de que é um espetáculo com vida própria. E quem entra para fazer
reflexão em um show estraga o espetáculo, vira o desmancha-prazeres. As pessoas
tiveram um comportamento agressivo em relação ao Ricardo Lewandovski
simplesmente porque ele estava estragando o show e pedindo reflexão. Em nenhuma
democracia madura a TV exibiu tamanha força num julgamento político. Nem nos
EUA, que tanta gente aponta como padrão nessa matéria, a TV possui tamanho
poder.
As pessoas que defendem a transmissão direta por TV falam em
transparência. Isso não conta?
Vamos reconhecer uma coisa: uma câmara de TV pode mostrar um
grande espetáculo, mas o grau de transparência é definido por aquilo que ela conta
para você. Não é o que você viu, mas o que você descobriu. Não há transparência
quando você não é informado sobre o que se passa nos bastidores, quando a TV
exibe um ponto de vista unilateral, quando não se conhece os argumentos de
todas as partes. As imagens podem informar, mas podem apenas iludir. Os
políticos adoram aparecer numa CPI por causa disso: é show garantido,
publicidade de graça. Nem em jogo de futebol uma câmara é garantia de
transparência. Como falar disso num tribunal?
Você acha que a imprensa quis transformar o Joaquim Barbosa
em um herói?
O Joaquim é uma pessoa que estudou direito. Ele acreditava na
culpa dos réus. Mas concordo com quem diz que ele não mostrou uma postura de
juiz, que examina as provas e contra-provas numa atitude equilibrada, de quem
pesa os argumentos, examina a consistência das partes a todo o momento. Como
relator, Joaquim Barbosa chegou a intimidar os magistrados que tinham uma visão
contrária a dele, gerando reações críticas até mesmo de O Estado de S. Paulo, que,
em geral, apoiava sua atuação. Trabalhando na linha do grande espetáculo, a
imprensa precisa de ídolos. Seja no futebol, seja na política. Isso explica o
tratamento benigno dispensado ao ministro naqueles episódios lamentáveis em que
ele repreendia repórteres e tentava interferir em seu trabalho.
Como foi lidar com as críticas vindas da internet?
Aprendi que a internet é igual a estádio de futebol. Tem
gente que não concorda e argumenta, mas tem também quem só está ali para
xingar. Muitos políticos mantém assessores escalados para dar porrada pela
internet. É parte de seu trabalho profissional. Mas o importante é que a
internet possibilita um debate, uma liberdade de expressão inegável. As pessoas
conseguem te localizar, elas sabem o que você pensa e qual seu ponto de vista.
Devo meu livro a esta liberdade que a internet permite. Foi ali que eu pude
testar e desenvolver os principais argumentos sobre o julgamento.
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