Com a morte do líder venezuelano e o ocaso de Fidel Castro,
ex-presidente brasileiro já trabalha para se converter na principal referência
política da América Latina; nesta quarta-feira, o jornal uruguaio La Republica
publicou entrevista de quatro páginas com o petista, que vai a Montevidéu nesta
quinta para participar de seminário na sede do Mercosul; nesta semana, o
brasileiro deu início à campanha presidencial na Venezuela, com vídeo de apoio
para o presidente em exercício no país, Nicolás Maduro, herdeiro político de
Chávez
247 - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva viaja nesta
quinta-feira para Montevidéu, onde participa, no prédio do Mercosul, do debate
“Transformações em risco? Perspectivas e tensões do progressismo na América
Latina”, com o presidente uruguaio José Mujica e o secretário-geral da
Confederação Sindical dos Trabalhadores das Américas, o paraguaio Victor Báez.
E esse é apenas um dos movimentos que evidenciam que, com a morte de HUgo Chávez
e o ocaso de Fidel Castro, o ex-presidente brasileiro trabalha para se
converter na principal referência política da América Latina.
No início da semana, Lula apareceu em vídeo dando início à
campanha presidencial venezuelana, declarando apoio ao presidente em exercício
e herdeiro político de Chávez, Nicolás Maduro (leia mais). Nesta quarta-feira,
o uruguaio La Republica publicou entrevista de quarto páginas com Lula, em que
o ex-presidente, mais uma vez, não descartou totalmente voltar a se candidatar
à Presidência, e defendeu o Mercosul, dizendo que as críticas ao bloco
"não têm sustentação teórica, econômica ou social".
Leia a íntegra da
entrevista, que foi traduzida pelo Instituto Lula:
Instituto Lula - O jornal uruguaio La República publicou
nesta quarta-feira (3) uma entrevista de quatro páginas com o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. Na entrevista, Lula defende o Mercosul, diz que a
integração latino-americana não pode se ser apenas comercial e que é necessário
pensar em um parlamento do bloco, com autoridade para tomar e implantar
decisões.
Lula disse que as críticas ao Mercosul "não têm
sustentação teórica, econômica ou social", e completou: "nós temos
diferenças como qualquer bloco ou qualquer aliança de negócios", como deve
ser em um mundo democrático. O bloco serve justamente para que essas
divergências sejam explicitadas e que uma solução seja encontrada. Lula lembrou
que, se compararmos o Mercosul de hoje com o de 2002, fica fácil perceber o
grande avanço. "O caso do Uruguai é um bom exemplo: em 2002, o fluxo de
comércio com o Brasil foi EUA $ 825 milhões, em 2010 e chegou a US $ 2,9
bilhões", disse.
O ex-presidente viaja nesta quinta para Montevidéu, onde
participa de um evento promovido pela Friedrich Ebert Stifung do Uruguai. Além
do ex-presidente participarão o presidente uruguaio José Mujica e o secretário
geral da Conferência Sindical de Trabalhadores das Américas, o paraguaio Víctor
Báez.
Leia abaixo a entrevista completa (em português):
1 - Desde que deixou a presidência, o senhor tem trabalhado
na construção de uma integração na qual participem todos os países da região.
Essa experiência lhe deixa otimista sobre a possibilidade de criação de
instrumentos que avançam a integração latino-americana?
Eu tenho algumas preocupações com a integração da América do
Sul e com a integração da América do Latina. Nós já demos alguns passos
importantes, ou seja, já fortalecemos o Mercosul, as pessoas desacreditavam
muito no Mercosul e, no final da década de 90, começo de 2002, o pessoal ainda tinha
uma certa descrença, achavam que a ALCA era a solução, e nós conseguimos, com o
tempo, provar que a melhor solução era a integração entre nós. Era explorar o
máximo possível a potencialidade das nossas similaridades, e ver em que um país
podia ajudar o outro no ponto de vista comercial. Isso, deu um resultado
extraordinário.
Mas a minha preocupação é que a integração não pode ser vista
apenas do ponto de vista comercial, a integração tem que ser vista do ponto de
vista político, do ponto de vista cultural, do ponto de vista social, do ponto
de vista universitário, ou seja, em toda a sua amplitude é possível que a gente
discuta integração, por isso que eu tomei a iniciativa de deixar a presidência
e começar a discutir a integração ouvindo movimento social, intelectuais,
empresários, sindicalistas e políticos.
Nós precisamos criar essa cultura de integração, nós
precisamos definir na nossa cabeça o que é essa integração que nós queremos. É
copiar o modelo da União Europeia? É construir alguma coisa nova? O que está na
cabeça de cada dirigente?
Quando você está na presidência, você lida muito mais com as
coisas práticas: o cotidiano do comércio, o cotidiano do desejo dos
empresários, você conversa menos com o movimento sindical na questão da
integração, se bem que nós evoluímos, na integração do Mercosul, na questão
sindical, nós precisamos evoluir na Unasul também. Eu quero me dedicar para que
a gente possa construir uma doutrina sobre integração. Uma das ideias tentar
socializar as coisas boas que aconteceram em cada país. Quais as políticas
públicas que deram resultado em cada país? Socializá-las, para saber em que
condições elas podem ser implementadas em outros países.
Eu penso que nós estamos fazendo isso. Temos que fazer com
muito cuidado porque, como o Brasil é muito grande, O Brasil não pode se
apresentar como se fosse um país que quisesse ter uma certa hegemonia. O Brasil
tem que se apresentar com muita generosidade, com muita humildade, tentando
construir parcerias, e isso pressupõe construir uma confiabilidade muito
grande, e aí depende muito do nosso comportamento. É isso que quero tentar
fazer, e vou tentar fazer fora da Presidência, aquilo que começamos a fazer na
Presidência e que a Dilma está fazendo enquanto presidente. Mas eu acho que,
fora do governo, você tem mais espaço para agir, para conversar e para chamar
outros setores da sociedade. Esse é o meu sonho, esse é o meu desejo e, eu
espero, ter alguns tempos pela frente para poder realizar esse desejo.
2 - O progressismo tem história,ideias e programas na América
Latina história, mas também apresenta grandes diferenças que não são menores.
Como superar essas diferenças para construir uma doutrina única?
Eu acho que nós não precisamos superar divergências, nós
precisamos é aprender a conviver com as divergências, ou seja, o PT é o mais
digno exemplo da convivência democrática na diversidade, a Frente Ampla,
uruguaia, é um exemplo extraordinário, acho que a política da Argentina é um
exemplo extraordinário de convivência democrática na diversidade, no Paraguai
começa-se a fortalecer políticas de oposição para superar o bipartidarismo
existente há um século. Eu penso que as coisas estão andam, no Mercosul, as
coisas estão andando na Unasul, e as coisas vão andar na Celac. É importante
lembrar que a Celac é a primeira reunião de todos os países da América Latina e
do Caribe sem a participação de americanos e canadenses. Só latino-americanos.
O que estamos querendo com isso? Estamos querendo construir pontos que sejam de
comum acordo entre nós. Nós não queremos que ninguém abdique dos seus
pensamentos, de suas convicções. O que nós queremos é o seguinte: entre a minha
convicção e a convicção do um outro companheiro
tem um caminho do meio a ser seguido por nós dois. Ou seja, se a minha
não pode ser, se a dele não pode ser, nós temos que construir uma outra. Eu
acho que é isso que nós buscamos, sempre tentar construir um caminho da
praticidade, o chamado caminho do meio
que, pode estabelecer pontos comuns entre os mais diferentes países. Acho que
ninguém precisa abrir mão das suas convicções ideológicas, ninguém precisa
abrir mão das suas convicções programáticas, nós não queremos isso, o que nós
queremos é que as pessoas saibam que entre a política correta, adotada em
determinado Estado e a política correta adotada em outro Estado, você tem que
construir uma política que seja comum aos dois Estados. E, nós conseguimos
fazer isso na construção da Unasul, nós conseguimos fazer isso na criação do
conselho de defesa, nós conseguimos fazer isso na construção do Banco do Sul.
Tudo isso são instrumentos que nós vamos aprendendo e vamos colocando em
prática, por isso eu estou convencido que as nossas divergências históricas não
são problemas para construir os consensos futuros.
3 - O senhor considera que o Uruguai com a Frente Amplia,
aprendeu a trabalhar a diversidade? Ela tem algo a contribuir para essa
experiência regional?
Eu sou suspeito para falar da Frente Ampla, porque eu tenho
por demais admiração pela Frente Ampla, aliás, uma das coisas que eu ainda sonho
em fazer no Brasil é criar aqui no Brasil uma espécie de Frente Ampla, em que a
gente possa juntar todos os partidos para funcionar 365 dias por ano e não
apenas em época de eleição, para construir uma candidatura. Eu acho que a
Frente Ampla é uma lição uruguaia para a América Latina e o mundo, ou seja, é o
bom modo de fazer política, é a boa convivência democrática entre diferentes
forças políticas sem que ninguém abra mão das suas convicções, dos seus
princípios, mas estabelecendo um cesta de pontos comuns, em que permitem ele
transitar pelo cotidiano da política uruguaia e fazer o que estão fazendo, um
processo de transformação extraordinário que começou com a eleição muito
importante de Tabaré para prefeito de Montevidéu, duas vezes, na eleição de Tabaré
para presidente e na eleição de Mujica. Eu acho que a Frente Ampla sempre será
um bom exemplo a ser seguido, pelo menos, por mim.
4 - O senhor, junto com Hugo Chávez e Néstor Kirchner foram
três dos principais líderes do proceso de integração. Hoje (com a ausência
deles) os analistas conferem ao Brasil e à sua pessoa a condução do proceso
regional. Compartilha desta impressão?
Eu não compartilho dessa visão porque, individualmente,
nenhum de nós nunca teve um papel de liderança.
Olha, eu acho que o Kirchner teve um papel extraordinário na
construção da UnaSul, na construção do fortalecimento do Mercosul, acho que o
Chávez teve um papel estupendo. É importante lembrar que o Chávez era
presidente de um país totalmente comprometido com a sua relação com os Estados
Unidos. Foi a partir do Chávez que se voltou para o Brasil, que se voltou para
a América do Sul, se o voltou para a América Latina. Então, você tinha dois
presidentes, de dois países importantes com uma vocação latino-americanista,
uma vocação sul-americana, uma vocação continental muito forte e dois
presidentes com disposição de não se submeterem à lógica de dominação que
tantos presidentes se submeteram durante tanto tempo. Isso contribuiu de forma
extraordinária para que a gente pudesse costurar essa parceria fantástica que
deu no que está dando hoje.
Mesmo assim, eu acho que o que foi importante na construção
da Unasul é que, não apenas Kirchner, Chávez, eu, mas também a eleição de
outros companheiros, é bem importante lembrar-se de Michelle Bachelet e Lagos,
no Chile, é importante lembrar a eleição do Nicanor, no Paraguai, que foi um
avanço para a política paraguaia, depois a eleição do Lugo, é importante
lembrar a eleição de Rafael Correa, no Equador,o Alan García contribuiu com isso, no Peru, o
Uribe, um pouco mais reticente, mas não deixou de contribuir para que
pudéssemos construir essa unidade. Então, eu acho que era um desejo coletivo
que estava represado e ele conseguiu aflorar quando a América Latina deu um
show de eleger políticos democráticos, políticos de esquerda e políticos
progressistas.
Eu acho que, o que nós precisamos é ter em conta que o Brasil
sempre será um país importante, pela sua dimensão territorial, pela sua
dimensão populacional, pelo seu grau de alto grau desenvolvimento industrial,
pelo seu alto grau de conhecimento científico e tecnológico, o Brasil sempre
será muito importante. Exatamente, por ser importante, que o Brasil não tem que
ter a preocupação de querer liderar, O Brasil tem que ter a preocupação de
construir parcerias, para que todos juntos subam o degrau da escada
conjuntamente. Não pode ter alguém no 10º degrau, alguém no 8º e alguém no 6º,
ou seja, na construção de uma integração, na construção de projetos comuns você
precisa subir todo mundo junto.
É esse o papel do Brasil, é o papel de contribuir, cada vez
mais, na organização da unidade dos países latino-americanos.
5 - Ultimamente o MERCOSUL tem recebido duras críticas que
afirmam que o bloco enfraquece pelas disputas comerciais entre seus próprios
membros, que tentam blindar sua balança comercial da crise financeira global
com medidas protecionistas. Como recuperar a confiança para fortalecer a
integração?
Primeiro, eu não sei quem está fazendo essas críticas ao
Mercosul, porque essas críticas não têm não nenhuma sustentação, nem teórica,
nem econômica, nem social. Nunca tivemos uma situação, eu diria, tão importante
no Mercosul. Nós temos divergências? Temos divergências como têm divergências
em qualquer bloco, como tem divergência qualquer parceria comercial. Eu acho
que o problema que nós temos no Mercosul, do ponto de vista econômico, ele foi
resolvido, ou seja, nós temos divergências setoriais, e é importante que os
tenho porque assim a gente resolve. O que eu acho que está faltando aprimorar
no Mercosul é a participação do setor social nas decisões do Mercosul, ou seja,
é fortalecer o Mercosul sindical, fortalecer o Mercosul social. É preciso criar
o parlamento do Mercosul, e ele funcionar de verdade, criar regras para ele
funcionar. Eu acho que tomo mundo deseja essas coisas, nós precisamos superar
as divergências e colocar para funcionar aquilo que não está funcionando, mas
se você comparar o Mercosul de hoje com o Mercosul de 2002, nós demos um avanço
extraordinário. Quem tiver dúvida é só olhar a balança comercial. O fluxo da
balança comercial Brasil/Argentina, Brasil/Uruguai, Brasil/Paraguai e também o
fluxo entre os demais países, para você ver como cresceu de forma
extraordinária, e ainda pode crescer muito mais. O caso do Uruguai é um bom
exemplo, em 2002 seu fluxo comercial com o Brasil foi de US$ 825 milhões; em
2010, já havia atingido os US$ 2,9 bilhões.
6 – A morte de Chávez gerou todo tipo de comentários por
tratar-se de um líder que construiu uma barreira sólida frente às políticas
imperialistas e porque demostrou que os países podem seguir seu caminho para a
independencia e o progresso sem depender da tutela estadunidense. O que o
senhor opina sobre as especulações sobre sua doença? Considera que com Maduro
se inaugura o chavismo como doutrina política para seguir trazendo o espírito
integracionista?
Eu não tenho condições de dar palpite sobre a doença do
Chávez, a informação que eu tenho me foi dada pelo médico dele, em Havana, pelo
genro dele e pela filha dele. De mais, pela imprensa e pelas conversas que
tenho tido com Maduro. Foi uma perda irreparável para a política, nos dias de
hoje, sobretudo na América Latina. Eu acho que Maduro está desafiado a se
superar. Maduro não tem o carisma do companheiro Chávez, portanto, Maduro está
fadado a ter uma política muito mais orgânica do que o Chávez. Ele vai ter que
cuidar mais da relação política, ele vai ter que cuidar mais das alianças com
outros setores, ele vai ter que tentar colocar mais gente em torno da mesa para
ele poder construir ,de forma orgânica, a força que o carisma de Chávez
construía na Venezuela. O Maduro é um ser humano extraordinário, uma figura
que, eu penso, estar totalmente preparada para dar sequência ao governo do
Chávez. Eu penso que ele vai ganhar as eleições, vai governar e ele sabe que só
tem uma hipótese dá gente obter sucesso, é governar para a maioria do povo, e
ele sabe que deve fazer isso, industrializar a Venezuela, tornar a Venezuela
quase autossuficiente na produção de alimentos, coisa que nós, já há algum tempo,
estamos ajudando a Venezuela, e eu acho que o Brasil precisa ajudar mais ainda,
para que a Venezuela possa ter segurança alimentar e para que a Venezuela possa
ser um país menos dependente do petróleo e ter um parque industrial razoável.
7 - Como controlar o déficit e a inflação alta, no contexto
de uma política que considera o gasto social, o investimento público e um
processo de maior igualdade como uma condição econômica do crescimento e não
como uma mera aspiração moral?
Primeiro, não é correto utilizar a palavra gasto, na verdade,
você está fazendo um investimento quando você faz política social, na medida em
que você faz política de transferência de renda, que você melhora as condições
de vida do povo, você está fazendo com que a economia tenha um dinamismo maior,
que a economia gere mais emprego, que a economia gere mais transferência de
renda. Aqui no Brasil nós temos um exemplo. Obviamente que todo país só deve
gastar aquilo que ele tem condições de gastar, ninguém deve fazer dívida acima
da sua capacidade de arrecadatória, porque isso pode ser bom por um tempo, mas
depois não se sustenta. Isso a gente não precisa aprender na universidade, isso
a gente aprende dentro de casa, com salário da gente. Se você ganha um salário
e você gasta, todo mês, mais do seu salário, um dia a sua conta vai estourar e
você não vai conseguir se consertar. A economia de uma cidade ou de um Estado é
a mesma coisa, você só pode gastar aquilo que você arrecada e, quanto melhor
você gastar, mas você vai fazer a economia crescer. Fazendo com que as
políticas sociais leve dinheiro para as camadas mais pobres da população, você
estará dinamizando o crescimento da própria economia. Aqui no Brasil nós
conseguimos fazer isso, mantivemos a inflação controlada e a economia crescendo
até hoje. Isso não faz mais indício, já faz dez anos. Eu acho que o Uruguai é
também um bom exemplo deste mesmo caminho.
8 - Para ser competitiva, a região necessita desenvolver
políticas de inovação técnica e industrial que beneficiem o setor produtivo. O senhor
acredita ser possível a construção de uma infraestrutura produtiva integrada,
com um planejamento estratégico comum que nos permita melhorar nossa
competitividade no mercado global?
Eu estou convencido que aí outra vez entra o papel
estratégico no Brasil, ou seja, o crescimento, seja industrial, seja científico
e tecnológico do Brasil, tem que ser partilhado com o crescimento e
desenvolvimento também industrial, científico e tecnológico dos países do
Mercosul. Eu acho que esse é um papel que está reservado ao Brasil. É
compartilhar com seus parceiros do Mercosul a possibilidade de participar desse
momento de desenvolvimento, desse momento de crescimento da economia, ou seja,
as indústrias podem ser feitas parte produzindo coisas no Brasil, parte produzindo
coisas em outros países, porque é assim que a gente constrói um bloco muito
forte. Eu acho que a gente tem que procurar ter acesso à outros mercados
globais, que esse é um objetivo
importante. Mas acho que a gente tem que ter em conta que nós ainda temos muita
coisa para fazer entre nós. O potencial de explorar comercialmente,
industrialmente e cientificamente as parcerias entre Brasil e Uruguai, entre
Brasil e Argentina, entre Brasil e Paraguai, entre Brasil e Venezuela, é
enorme. Ainda é muito pouco o que nós conseguimos até agora, a gente pode
conseguir mais, os países têm possibilidade de oferecer mais. Na medida que a
gente consiga ter acesso às novas tecnologias, a um processo de inovação em que
a gente consiga produzir de forma mais competitiva, nós poderemos sim entrar
nesse mundo globalizado cada vez mais difícil.
Acho que temos que aproveitar o bom nível de escolaridade que
tem Argentina e Uruguai, obviamente que isso é uma vantagem, para a gente
construir esse parque industrial do Mercosul com mais facilidade e ser mais
competitivo.
A verdade é a seguinte, nós temos a metade do planeta que
ainda não tem acesso à esses benefícios. Metade da China, metade da Índia,
metade do continente africano, metade do continente latino-americano de pessoas
que querem trabalhar, ganhar salário, virar cidadãos. E essa gente vai consumir
o que a gente produzir, seja na indústria, seja no campo, seja produto
sofisticado, seja produtos primários. Eu penso que, nós estamos aptos e ávidos
para crescer e crescer fazendo justiça social.
O papel do Brasil é utilizar o seu potencial de
desenvolvimento para criar uma indústria do Mercosul. Criar tudo que o Brasil
puder construir em parceria com Argentina, Paraguai, Uruguai é muito
importante.
9 - O que o senhor acha do papel que tem atualmente a ONU,
que parece a cada dia mais superada pela conjuntura?
Durante 8 anos, que fui presidente, dediquei parte do meu
tempo para convencer as pessoas que não era possível a ONU continuar hoje com a
mesma representatividade que ela teve no pós-guerra. O mundo de hoje não é o
mundo de 1948, a ONU de hoje não representa o mundo. É só você pegar o mapa
político do mundo que você vai perceber isso. Então, o que nós defendemos é que
a ONU tenha mais representatividade, que esteja presente na América Latina, que
esteja presente na África, que esteja presente na Índia e em outros países,
para que as decisões da ONU sejam mais representativas. Veja que hoje você não
tem nenhuma governança global capaz de resolver qualquer problema, por menor que
ele seja, você não tem uma governança global com autoridade legal para impor.
Eu fico imaginando... Foi a ONU que criou o Estado de Israel,
a ONU é que deveria garantir a paz no Oriente Médio e demarcação das terras.
Por que não faz isso?
A ONU está enfraquecida, sobretudo os membros permanentes do
Conselho de Segurança. Quatro membros permanentes do Conselho de Segurança mais
a Alemanha são os cinco maiores vendedores de armas do mundo, ou seja, o mundo
é quase dividido geograficamente, de comum acordo com os interesses de cada
membro do conselho. Quando na verdade você poderia aprovar a reforma da ONU e
aprovar a participação dos países. Quantos países da África? Se são 54 países, discuta, sei lá, se são
África do Sul, Nigéria e Egito juntos. De 54 países, pode ter três. Por que a
Europa tão pequenininha tem tantos e a África tão grande não tem nenhum? Por
que a América Latina é tão grande e não
nenhum? Por que a Índia, com 1 bilhão de habitantes não está presente?
Seria apenas uma questão de bom senso. Exercitar a democracia sem que nenhum
país quisesse ter a hegemonia como os americanos querem ter. É por isso que eu
defendo a reforma da ONU, porque hoje ela representa muito pouco.
10 – Quanto a figura do presidente Mujica contribui para a
causa da integração latino-americana?
Eu acho que o companheiro Mujica é um daqueles seres humanos
que, se não tivesse nascido, teria que nascer. Eu acho que a sua trajetória
política, a sua capacidade de exercitar o debate democrático, a sua
tranquilidade de conviver com as diversidades o transforma em um dos dirigentes
políticos mais extraordinários que eu conheci, ou seja, eu nunca vi ninguém que
passou pelos maus bocados, como passou o Mujica, que foi tão maltratado na
ditadura Uruguaia, eu nunca vi um homem tão tranquilo, tão democrático, tão
afável e tão humanista. A figura dele contribui, e a figura dele é a garantia
de que é possível acreditar no ser humano, vale a pena acreditar no ser humano.
Ele é parte importante do fortalecimento do Mercosul.
11 – O senhor voltará a se candidatar em 2014?
Recentemente eu já afirmei em uma entrevista Brasil que não.
Estarei com 72 anos, e acho que vai ser hora de eu ficar contando minhas
experiências. Acho que já dei minha contribuição. Mas, como eu disse na outra
entrevista, a gente não sabe das circunstâncias do futuro. Em política a gente
não descarta nada definitivamente.
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