1º de abril de 1964, ainda guri, nem 9 anos completos e já
via no monumento ao expedicionário, palco de manifestação dia 31 de março,
durante o bric em Porto Alegre, dezenas de tanques confirmando que algo de
diferente ocorria em nossa cidade e em nosso país.
Vinha acompanhando as apreensões que o vozerio da imprensa da
época (velho PIG já de garras de fora) causavam em minha família, típica classe
média - e como Marx descrevia, reacionária, preocupada com a 'comunização' do Brasil
há pouco 'propagada' pela manifestação na Central do Brasil, no Rio de Janeiro
- que tremia de medo de um golpe que esta mesma imprensa venal dizia estar
sendo preparada pelo outro lado - pelo lado dos que defendiam a constituição e
a normalidade democrática.
A imprensa, os IBAD's e as já vestuscas TFP e congêneres
clamavam pela 'proximidade' do golpe que na verdade há anos estava sendo
preparada pela direita.
Em 1954, Vargas abortou uma com seu suicídio, em 1961,
Brizola deteu outra tentativa com a heiróica campanha pela Legalidade.
Após estas derrotas a direita se instrumentalizou coisa que
hoje busca a re-fazer com seu desprezível 'milenium', buscando consistência
ideológica e a repetição das velhas mentiras infinitamente, buscando sua
aceitação como verdades.
Em 1968/69 eu com 13/14 anos, mal acompanhei, aqui de Porto
Alegre as diversas manifestações ocorridas no eixo Rio-São Paulo, das quais
tinha alguma idéia com a revista Realidade com suas fotos que me
impressionavam. Só sentia que algo tinha no ar, estudante que era do julinho -
berço do movimento estudantil secundarista - mas com a distância que um 'filho
do diretor' do colégio permitia.
No início dos anos 70, aproveitando-se de minha condição de
'filho do diretor' - insuspeito - pediram-me para datilografar em 'estêncil' um
opúsculo que, página a páginam com a dificuldade de um neófito na velha lettera
22 me causou profunda reflexão.
"Um espectro ronda a Europa..." Já a primeira linha
me impressionou e fui capítulo a capitulo num crescendo de expectativa e
esclarecimento que aquelas palavras iam causando em meu irriquieto intelecto.
Realizei meu intento por completo, com a meior compreensão
possível que aquele texto me induzia e entreguei - orgulhoso - os estencils
para que fossem reproduzidos em álcool, como costume naquela época aos que me
encomendaram, de turma mais adiantada que a minha no velho Julinho.
Segui mais alguns anos completamente alijado - assim como a
maioria da população brasileira - do quadro sombrio que se executava dentro dos
aparatos de repressão, longe dos olhos de nossa população - como até hoje. Se
via apenas alguns protestos de rua, como o de mais vagas para a universidade. O
mais, que saia na grande imprensa, eram sequestros deste ou aquele consul
causados por 'terroristas' estampados em cartazes distribuidos em todos os
cantos, muitos dos quais já 'desaparecidos' como vim a saber no futuro.
Ao entrar na Faculdade, em 1974, comecei a tomar pé do que
ocorria em nosso país. Das famílias separadas de seus entes queridos, da tortura
inominável praticada como política de estado e da falta das liberdades
fundamentais do ser humano.
Inicio então minha militância política - organicamente - em
grupos da UFRGS onde fui vice-presidente do DCE na gestão 76/77, tendo
concorrido a presidência, na gestão seguinte, sem sucesso.
Anos de efervescência política com a retomada das ruas em
nossos protestos. Ali também tínhamos a imprensa contra nossa luta: lembro de
um acidente de um policial repressor, que tropeçou na mangueira d'água que iria
ser lançada contra os estudantes e quebrou um braço. No dia seguinte, nas
manchetes o 'pobre' policial tinha sido
vítima nossa! O máximo que agredíamos eram os cassetetes com nosso corpo e
nossa cabeça!
Era a luta pela Anistia, pela volta dos exilados, pela
liberdade de expressão e pela reorganização da UNE.
Neste quadro passo a trabalhar e a participar, como bancário,
do movimento sindical.
Ao lado de Olívio Dutra, do Felipão e de muitos outros
militantes demos os primeiros passos em nossa reorganização intra-sindical,
embrião do que seria a CUT.
Lembro de ter participado do ENTOES, encontro nacional em
oposição à extrutura sindical. Aí já ao lado de companheiros de todo o país.
Lula estava lá.
Lula que conheci na sede de nosso Sindicato dos Bancários, ainda
meio desconfiado por ele ter reclamado dos estudantes. Ainda tinha fortes laços
com o 'ME' quando li uma pergunta que lhe fizeram sobre nosso movimento, se ele
auxiliava ou não o dele.
Disse, para desagrado meu, que enquanto estudantes as lutas
eram aliadas, mas depois que se formavam, entravam nas fábricas e ficavam do
lado dos patrões.
Mal sabia eu da verdade de suas palavras.
As lutas foram se sucedendo, a UNE voltou, a CUT, aparece o
MST e, contra todas as expectativas, conseguimos após hercúlea luta, criar
nosso Partido dos Trabalhadores.
Neste ano, 1980, morava já a um ano no Rio de Janeiro, visto
estar queimado no RS por minha atuação sindical e não consegui ir ao Colégio
Sion, estava sem folga e sem dinheiro, mas companheiros nossos do movimento pró
PT, que participei ativamente naquela cidade, participaram da fundação.
Assim que o companheiro Olívio foi ao Rio, creio que na posse
dos bancários do Rio, em 1980, mandei através dele minha ficha de filiação pois
meu título ainda era de Porto Alegre.
Mas no Rio também fiquei mais próximo de dezenas de famílias
de desaparecidos políticos, tive maior conhecimento das barbáries que eram
comuns nos porões da ditadura. Acompanhei a volta dos exilados e sua
reitengração na política brasileira e senti bem próximo à pele os atentados ao
Rio Centro e contra a OAB, com a morte de Dª Lyda Monteiro.
Mais relatos e a sombra daquela repressão não parecia
terminar. E até hoje ela é muito pouco vista.
Há muito que se esclarecer com a Comissão da Verdade, são
inúmeros assassinatos que a sociedade exige serem esclarecidos.
São torturas e torturadores a serem também conhecidos e
a recente manifestação de militar
aposentado dizendo que queríamos esquecer o 31 de março para mim tem efeito
inverso.
Quem quer que nos esqueçamos são os torturadores, os
assassinos impunes, os estrupadores e violadores de todas as patentes.
Que não se deixa crime algum sem investigação, que sejam
conhecidos os torturadores, que se cumpra a determinação de organismos
internacionais que condenam a anistia recíproca, aprovada por um congresso
amordaçado e que, finalmente, seja feita a justiça!
Luiz Antonio
Franke Settineri SAROBA
Postado por GUERRILHEIROS VIRTU@IS
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